A vaia recebida por Pedro Passos Coelho em Gouveia neste domingo e o cancelamento da visita de Cavaco Silva à escola António Arroio, em Lisboa, ainda esta semana só demonstram o desgaste crescente do governo. No episódio envolvendo o primeiro-ministro, tratou-se de um protesto que reuniu centenas de pessoas, entre as quais trabalhadores da fábrica Peugeot-Citroën de Mangualde, que anunciou a dispensa de 350 empregados até ao final de março, e integrantes da comissão de utentes contra as portagens nas auto-estradas. A palavra de ordem mais ouvida foi: “O FMI não manda aqui!”. No caso do presidente da República, este era aguardado por mais de duzentos alunos que protestavam contra a ausência de um refeitório na sua escola e o fim do passe escolar. Quando soube do protesto, Cavaco cancelou a visita à escola.
Não são os primeiros protestos organizados contra os dois durante visitas oficiais. Ambos tiveram, há pouco tempo, receções semelhantes, em Matosinhos, o primeiro-ministro, e em Guimarães, o presidente. Razões não faltam para isso.
Nesta semana, todos ficamos a saber que no final do ano passado já tínhamos 14% de desemprego, o que significa, feitas as contas corretas, mais de 1 milhão de desempregados no país. A responsabilidade por este recorde é fácil de apontar: uma política recessiva que provoca o estrangulamento do crédito e o fecho de empresas, que corta salários e pensões, que reduz ou mesmo retira o direito à mobilidade a milhões de pessoas, em especial idosos e pobres, com o escandaloso aumento das tarifas dos transportes públicos e a imposição de portagens nas SCUT.
O exemplo da Grécia é bem visível nos telejornais e mostra o futuro possível de Portugal, tanto do ponto de vista do beco sem saída económico como da radicalização social. Na Grécia, o primeiro plano de resgate da troika só fez aumentar a pobreza do povo e destruir o país, enquanto a sua dívida não para de crescer. Um segundo plano de resgate, com mais ataques ao nível de vida da população, foi aprovado pelo Parlamento nos últimos dias enquanto, nas ruas, o povo participava de uma nova greve geral e manifestação com 100 mil pessoas, enfrentava os ataques da polícia de intervenção com pedras e coquetéis molotov e incendiava edifícios em sinal de revolta. A consciência dos gregos vai se alterando conforme experimenta os sucessivos governos e planos de resgate. Atualmente, as sondagens apontam mais de 40% das intenções de votos para a esquerda anti-troika.
Em Portugal, a situação ainda está um pouco distante da realidade da Grécia, tanto do ponto de vista económico e social quanto da radicalização dos protestos. A economia grega, sob intervenção da troika há mais tempo, está mais destruída do que a portuguesa, e o gregos já não têm qualquer ilusão nos planos de austeridade. Sabem que estão a dar uma batalha de vida ou morte pela sua sobrevivência económica e soberania nacional. A sua luta coloca em crise não só o governo grego como a própria União Europeia, dividida sobre a forma de enfrentar a situação.
As principais iniciativas de luta dos trabalhadores portugueses tomadas nas últimas semanas, pelo contrário, ainda estão aquém do que seria necessário para enfrentar os planos de austeridade. A greve dos transportes de 2 de fevereiro foi importante, registando adesão de 100% no metro, Transtejo e Soflusa, em Lisboa, e 65% na Sociedade de Transportes Coletivos (STCP), no Porto, mas apenas parcial na CP e Carris. A manif da CGTP de 11 de fevereiro foi uma manif combativa e levou pelo menos 80 mil pessoas às ruas, mas não os 300 mil anunciados pela CGTP. Não foi, como afirmou o coordenador do Bloco de Esquerda, Francisco Louçã, um “momento de viragem”. Mas esse momento de viragem pode acontecer quando menos se espera, porque a população de conjunto começou a perceber que a austeridade não é uma saída para acabar com a crise. É essa perceção, essa raiva ainda impotente, que se manifestou no passado recente (manif de 15 de Outubro do ano passado, greve geral de 24 de novembro, etc. ) e transborda em protestos como o de Gouveia e da escola António Arroio. Mas também em assembleias como a que reuniu 1200 reformados bancários a 9 de janeiro, uma das maiores das últimas décadas, preocupados com a transferência do seu Fundo de Pensões para o Estado; ou na concentração espontânea de 300 trabalhadores de manutenção da TAP, a 27 de janeiro, contra os cortes salariais e a suspensão dos subsídios de férias e natal.
É desse transbordar da raiva e da indignação do povo que a burguesia portuguesa mais tem medo. Um medo bastante realista de que o que está a se passar na Grécia – tanto do ponto de vista da radicalização das lutas como da possível vitória da esquerda anti-troika nas próximas eleições de abril – aconteça, mais dia menos dia, também por aqui. Por isso, já começa a fazer as contas e reclamar à União Europeia que tome medidas para salvar a Grécia (leia-se, também, Portugal) e ao governo de Passos Coelho algumas iniciativas para reverter a espiral recessiva que projeta uma redução de mais de 3% no PIB este ano e o crescimento da dívida para 125% do PIB em 2013 (atualmente é de 111%).
É nesse contexto que a CGTP, agora sob a liderança de Arménio Carlos, convocou uma nova greve geral para 22 de março. Uma decisão acertada, mas que tem de ser acompanhada por uma nova atitude por parte da central, no sentido de promover um amplo debate na base das empresas sobre a necessidade da greve; de procurar a unidade com sindicatos não afetos à CGTP, sejam eles da UGT (cuja direção está a ser contestada por muitos ativistas afetos a esta central pelo fato de ter assinado o acordo de concertação social com o governo) ou independentes, como o Sindicato Nacional dos Maquinistas (SMAQ), em luta (e greve no dia 21 de fevereiro) contra os processos disciplinares movidos em represália à sua participação nas greves de fevereiro/março de 2011.
A greve geral de 22 de março tem todas as condições para ser um grande momento de luta contra o governo e a troika. É com esse objetivo que todos temos de atuar.