“Nós não contamos nada para eles, ninguém nos passou cartão, fomos tratados abaixo de cão.” Foi com este desabafo que o presidente da Junta de Freguesia de Alvações do Corgo, no distrito de Vila Real, comentou a decisão do governo e da CP de, depois de suprimir a Linha do Corgo, encerrar também o transporte rodoviário alternativo que oferecia aos habitantes da região. No seu lugar, a partir de 1 de janeiro de 2012, está a operar uma empresa privada, o que, para o autarca, não é a mesma coisa. Sensatamente, ele considera que, ao contrário do Estado, que tem por obrigação atender às necessidades da população, às empresas privadas o que interessa é o lucro. O que poderá significar, a breve prazo, tarifas mais caras e ou menos oferta de autocarros à população.
Com pouco mais de 500 habitantes, Alvações do Corgo é uma das pequenas freguesias do concelho de Santa Marta de Penaguião. O comboio faz parte da sua história há mais de 100 anos, sendo fundamental para o deslocamento das pessoas, em sua maioria idosos, que ali vivem. Mas essa história foi interrompida em 2009, quando a Linha do Corgo foi encerrada com a promessa de serem realizadas obras de recuperação no troço para garantir a sua posterior reativação. Promessa feita pelo governo Sócrates, e reafirmada pelo atual primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, quando ainda na oposição. Promessa mais uma vez descumprida, para desespero dos moradores, que estão a ver as suas vidas andar para trás.
Arsenal de maldades
Essa foi uma das maldades postas em prática pelo atual governo, depois de unanimemente aprovadas no Conselho de Ministros (foto), muitas delas contra uma população mais fragilizada, seja pela idade e isolamento, seja pela pobreza. Maldades que começaram a ser implementadas pelo anterior governo Sócrates. Segundo um estudo da insuspeita Comissão Europeia, que analisou as medidas de austeridade tomadas entre 2009 e Junho de 2011, estas teriam pesado mais, no caso de Portugal, sobre os mais pobres do que sobre os mais ricos.
Essas medidas provocaram um corte entre 4,5% e 6%, do rendimento disponível para os 20% mais pobres, que poderia atingir 9% no caso de famílias com filhos, enquanto os 20% mais ricos teriam registado um corte máximo de até 3%. As medidas que mais efeitos negativos provocaram teriam sido a redução das pensões e das prestações sociais. Desta forma, Portugal ampliou o fosso que o separa dos demais países da União Europeia, com o risco de pobreza a superar os 20%.
Saúde torna-se luxo
Uma das maiores maldades do governo PSD/CDS-PP contra a população foi feita na saúde. A partir de 2012, por exemplo, para um doente crónico conseguir escapar das taxas moderadoras não basta ter a doença, mas sim tê-la a comprometer 60% da sua capacidade. Os médicos são os primeiros a admitir que é muito difícil diagnosticar esse grau de incapacidade, o que obriga à formação de uma junta médica para analisar pedidos de isenção. Pedidos esses que estão a inundar os centros de saúde.
Outra hipótese de isenção continua a ser a da insuficiência económica, mas alterada para pior. O rendimento médio mensal do agregado familiar não pode ser superior a 628,83 euros para que seja considerado isento. Isso significa, por exemplo, que um paciente com diabete que receba 700 euros mensais terá de pagar taxa moderadora a cada vez que for ao centro de saúde. Nas urgências a situação é ainda mais dramática, pois a taxa moderadora nesse caso varia entre 15 a 20 euros, uma fatura que pode, acrescentadas as taxas cobradas pelos exames, atingir 50 euros. Na opinião de Carlos Arroz, secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos, em entrevista à Antena 1, os valores cobrados pelo governo já não podem ser definidos como taxas moderadoras, mas como co-financiamento do Sistema Nacional de Saúde (SNS), o que seria inconstitucional.
Para piorar ainda mais a situação dos utentes, a redução do número de médicos – 1.400 optaram pela reforma desiludidos com as duras penalizações salariais e a revogação de direitos na Função Pública – e o corte de 10% no orçamento do SNS estão a provocar o aumento exponencial das listas de espera por consultas e cirurgias. A sugestão da troika é que os médicos de família ampliem em até 20% o número de consultas, o que constitui uma verdadeira aberração, tanto do ponto de vista da qualidade do atendimento, quanto da viabilidade. A situação, segundo o sindicalista, é verdadeiramente dramática e irá refletir na saúde da maioria da população. A maioria que não tem recursos para pagar consultas nos hospitais do Grupo Mello, para onde governo e troika querem empurrar os setores médios da população.
Lei facilita o despejo
A nova grande maldade do governo ainda está em andamento e trata-se do novo regime de arrendamento. De acordo com o que tem sido divulgado, a nova lei aumenta o valor das rendas e facilita o despejo do inquilino após três meses de incumprimento do seu pagamento. Exceção feita apenas no caso de inquilinos com carências económicas e grau de deficiência superior a 60%.
Mas, mesmo nesses casos, a renda poderia ser aumentada até o limite de 25% do rendimento. Isso significa que uma família com rendimento mensal em torno de 2.000 euros, por exemplo, poderia ver sua renda aumentada para até 500 euros. Por outro lado, uma família cujo rendimento fosse de até cerca de 500 euros, teria de pagar de renda até 10% desse valor.
Em vez de se preocupar em garantir moradia para a população, principalmente em ano de grande dificuldade económica e desemprego, o que o governo anuncia, com a frieza e a arrogância típicas da ministra do CDS Assunção Cristas é justamente o contrário, é a facilitação do despejo e o aumenta das rendas.
Para os grandes patrões, aqueles como o grupo Jerónimo Martins, que deslocaliza a empresa para a Holanda para fugir dos impostos, este governo só merece aplausos. Para os trabalhadores, a juventude e a maioria da população, só há uma saída: continuar a lutar para expulsar a troika do país, revogar as medidas de austeridade, suspender o pagamento da dívida e obrigar este governo a “emigrar” do poder.