O surgimento do Bloco de Esquerda representou um importante fator de esperança para a esquerda, a classe trabalhadora e a juventude deste país. Ao afirmar contrariar os métodos burocráticos e a política sectária do PCP, aglutinou homens e mulheres de esquerda que não se conformavam em baixar os braços e acreditavam numa nova forma de fazer oposição aos governos da direita e da social-democracia. Orgulhamo-nos de ter feito parte, desde o seu primeiro ano de existência, da organização dessa força política.
Infelizmente, a direção do BE acabou por alterar o seu “código genético”. De um partido de causas fraturantes e caracterizado pela irreverência política, transformou-se num partido domesticado, cujo centro de gravidade é o parlamento e cujas políticas, em muitos casos, entre os quais o mais emblemático foi o apoio a Manuel Alegre nas presidenciais deste ano, converteram-no numa espécie de colateral de esquerda do Partido Socialista.
Diante da grave crise vivida pelo país, cujo centro é a imposição, por parte do anterior governo PS, do atual PSD/CDS-PP e da troika, de um violento ataque aos direitos e às condições de vida do povo trabalhador para assegurar o pagamento da dívida pública, consideramos que o BE defende uma política equivocada. Defende, neste caso em perfeita sintonia com o PCP, a renegociação desta dívida, ou seja, a continuidade do seu pagamento. Recusa-se, como propomos e foi aprovado pela Assembleia Popular realizada na escadaria da Assembleia da República a 15 de Outubro, a imediata suspensão do seu pagamento para que os recursos daí advindos sejam empregues na saúde, na educação, em reformas dignas, na reativação da economia e na criação de emprego.
Diante da grave crise vivida na Europa, ou seja, a crise do capitalismo europeu, o BE defende a adoção de medidas, como a emissão de eurobonds, para garantir a manutenção do status quo, sem questionar o sentido profundo da União Europeia e do euro como instrumentos de subordinação dos trabalhadores e dos países periféricos aos interesses do imperialismo franco-alemão.
A gradual acomodação ao regime e a aproximação ao PS por parte da direção do BE deram lugar a uma política interna de discriminação da sua oposição de esquerda. Apesar de a Moção C, lista que defendeu políticas alternativas às apresentadas pela direção do BE, ter obtido perto de 15% dos votos nas três últimas convenções do partido e cerca de 30% em sucessivas Conferências de Jovens do BE, aos seus integrantes, tanto do Ruptura/FER como independentes, foi sempre dificultada, por exemplo, uma verdadeira participação nas listas de candidatos às eleições parlamentares. Os lugares potencialmente elegíveis eram sempre destinados aos militantes das correntes internas presentes na Comissão Política ou, eventualmente, a independentes que não lhe fizessem oposição.
O auge desta política de segregação deu-se após a derrota eleitoral sofrida nas legislativas de junho deste ano. Confrontada por um movimento de questionamento interno por parte da militância bloquista, que, entre outras reivindicações, posicionava-se favoravelmente a uma convenção antecipada para discutir as razões da derrota e a situação do partido, a direção do BE não só se recusou a convocar uma nova convenção como resolveu encerrar o debate para o conjunto do partido e restringi-lo exclusivamente aos apoiantes da sua Moção. Criou-se, desta forma, e de forma mais categórica do que até então, uma espécie de “Bloco dentro do Bloco”, o Bloco dos que concordam com a direção – e que por isso têm todos os direitos – e o Bloco dos críticos, ou “os outros”.
É por tudo isso que não estranhamos o teor da nota enviada pela Comissão Política do BE aos seus aderentes e à imprensa. Quem criticou os métodos burocráticos utilizados pelo PCP utiliza esse mesmo método das mentiras e calúnias contra as opiniões divergentes, mostrando que, também nesse aspeto, o BE não é alternativa como dizia ser. Quem o emprega, como a Comissão Política do BE, só o faz por medo da discussão política e por saber que tem de ocultar a verdade aos seus militantes e eleitores sob pena de sofrer um desgaste sério no seu já abalado prestígio político.
A verdade é que o Bloco de Esquerda já não cumpre mais o papel de apresentar uma verdadeira alternativa socialista aos trabalhadores e à juventude. Amarrado aos seus mandatos e regalias parlamentares, a uma política saudosista da União Europeia de antes da crise económica mundial e a um Partido Socialista com o qual teima em se aliar, o BE não é o partido anticapitalista que precisamos para derrotar o governo da direita, a troika e as suas políticas e construir uma sociedade mais justa e solidária.
Precisamos de uma nova força política de esquerda para defender uma política de rutura com a direita e a social democracia; que proponha a suspensão do pagamento da dívida pública para acabar com a sangria dos nossos recursos, empregos e salários; que proponha a unidade da esquerda, nomeadamente com o BE e o PCP, com base num programa anticapitalista, em plataformas eleitorais e de luta para derrotar a alternância PS-PSD/CDS; que privilegie a construção pela base, nos locais de trabalho e moradia, à disputa parlamentar; que considere o direito das minorias e dos novos movimentos de luta, como as acampadas e o 15 de Outubro, uma peça fundamental da verdadeira democracia.
É para construir esta nova força política que chamamos bloquistas e não bloquistas, trabalhadores e jovens, a unirem-se a nós.
Comissão Executiva do Ruptura/FER