Milhares de pessoas saíram às ruas em todo o país e, em Lisboa, realizaram uma assembleia popular nas escadarias da Assembleia da República que aprovou a suspensão do pagamento da dívida pública, a continuidade do movimento e um apelo à greve geral. Dias depois, CGTP e UGT convocam uma greve geral para 24 de novembro.
A divulgação do Orçamento de Estado para 2012 precipitou o desmoronamento do estado de graça até então gozado pelo governo de Pedro Passos Coelho. As medidas nele contidas provocarão a pior recessão desde 1975, com o PIB a cair 2,8% em 2012 e o desemprego a atingir os 13,4%. A trágica situação vivida hoje pela Grécia é vista como o futuro de Portugal por grande parte da população, que começa a não acreditar no discurso da inevitabilidade.
A dureza das medidas anunciadas – nomeadamente a eliminação dos subsídios de férias e de Natal para cerca de 1 milhão de trabalhadores e de um desses subsídios para os que recebem entre 1 salário mínimo e mil euros mensais, somada ao acréscimo de meia hora diária de trabalho para os trabalhadores do sector privado e o aumento do IVA – provocou uma onda de indignação generalizada. Funcionários públicos, militares, forças de segurança, agricultores e setores do comércio e da restauração criticaram o projeto de orçamento e marcaram manifestações de protesto.
A Associação Sindical dos Juízes Portugueses afirmou que a suspensão dos subsídios de Natal e de férias é “violadora da Constituição” e assegurou que vai garantir “a proteção dos direitos fundamentais” dos portugueses. Até no PS, comprometido com o memorando de entendimento assinado com a troika pelo anterior governo de Sócrates, as medidas provocaram mossa. Se até agora o partido se dividia entre a abstenção e o voto a favor do orçamento, com a sua divulgação já há muitos deputados que defendem o voto contra.
Favoráveis ao Orçamento de Estado e demais medidas de austeridade estão, além dos partidos que compõem o governo, a banca e o conjunto da burguesia, que querem aproveitar-se da situação para retirar direitos à classe trabalhadora e aumentar a exploração. O presidente da Confederação Empresarial de Portugal já defendeu que as empresas privadas também devem avançar com o corte dos subsídios de férias e de Natal dos seus empregados. Mas, como governo e burguesia sabem que estas medidas provocam uma forte contestação popular, já existem reações no seu próprio interior cujo objetivo é criar uma espécie da válvula de escape para o descontentamento. Foi este o sentido da crítica do presidente Cavaco Silva ao Orçamento.
Manif de 15 de Outubro
A primeira reação ao Orçamento de Estado aconteceu a 15 de Outubro. Organizada por pessoas e movimentos, como a Acampada de Lisboa, M12M, Precários Inflexíveis ou Movimento de Professores e Educadores 3Rs, na sequência de uma convocação feita pelo movimento dos “indignados” de Espanha para um dia internacional de protesto contra a austeridade, a manifestação em Portugal marcou uma viragem na situação política. O governo de Passos Coelho, a partir daí, passaria para a defensiva.
A manif de 15 de Outubro reuniu dezenas de milhares de pessoas em várias cidades do país, como Lisboa (25 mil), Porto (entre 12 e 15 mil), Braga (800), Coimbra (500) e Faro, e apresentou muitas das características da manif da Geração à Rasca de de Março deste ano.
Organizada por fora dos sindicatos e partidos, a manif de 15 de Outubro foi contra o governo, popular, democrática e irreverente. Mas teve diferenças importantes em comparação com a manif da Geração à Rasca: o seu caráter foi claramente anticapitalista e teve continuidade com a realização no mesmo dia de assembleias populares bastante participadas.
Nessas assembleias populares, como as de Lisboa e Braga, foram aprovadas propostas como a suspensão do pagamento da dívida externa, a nacionalização da banca, ações de desobediência civil pacífica, apelo a uma greve geral, uma concentração de protesto em São Bento no dia da votação, na generalidade, do Orçamento de Estado e uma nova manif, posteriormente marcada para o dia da greve geral de 24 de novembro.
É importante ressaltar que nestas assembleias falaram todas as pessoas que se inscreveram (cerca de 60 em Lisboa) e as propostas foram votadas de braço no ar. A democracia observada na organização e na realização dessas manifestações e, inclusive, no movimento que ali teve origem, o 15-O, contrasta positivamente com a vivida no movimento sindical, seja este dirigido pela CGTP ou pela UGT.
Cristina Portella