Sobre o pedido de Mahmoud Abbas na ONU: Apoiamos o povo palestiniano contra Israel e o imperialismo

O presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, apresentou à Organização das Nações Unidas (ONU) o pedido de reconhecimento de um Estado palestiniano (com as fronteiras prévias à guerra de 1967) e o direito a ocupar um assento permanente na Assembleia Geral deste organismo.

O pedido gerou uma crise na ONU porque, acompanhando a negativa intransigente do governo israelita de Benjamin Netanyahu a realizar esse debate, Barack Obama anunciou que o seu país vetará a análise do pedido na Assembleia Geral caso consiga os votos necessários no Conselho de Segurança. Este Conselho tem 15 membros: 10 são rotativos e mudam a cada dois anos e cinco são fixos (EUA, Inglaterra, França, Rússia e China), com direito a veto. Para um tema ir à Assembleia, é necessário obter nove votos no Conselho e não ser vetado.

 O contexto atual

 Por que um agente de Israel e do imperialismo como Abbas gera uma situação em que aparece enfrentando-os ainda que seja no terreno diplomático? Por que o governo de Netanyahu se opõe terminantemente a essa votação? Por que o governo de Obama, que até há pouco tempo “flertava” com a proposta de criação de um Estado palestiniano com as fronteiras de 1967, agora se opõe? Finalmente, qual deve ser a posição dos revolucionários ante o pedido de Abbas?

 Para responder a essas perguntas, é necessário analisar dois processos do contexto em que se produz este pedido. Em primeiro lugar, a profunda onda revolucionária que percorre o mundo árabe e que avançou com muita força entre o povo palestiniano. Isso se expressa nas mobilizações nos territórios da ANP (Gaza e Cisjordânia) e, especialmente, na luta dos exilados que vivem nos países fronteiriços com Israel e que, em maio, marcharam para as fronteiras israelitas e atravessaram-nas, reivindicando o direito de retornar e recuperar o histórico território palestino.

 Em segundo lugar, o Estado de Israel (um enclave colonial e militar imperialista) vive hoje o maior isolamento e a maior crise de sua história, como resultado da combinação entre a sua política abertamente racista e genocida contra os palestinianos, o desenvolvimento da revolução árabe e as contradições que começam a surgir entre a própria população judia israelita.

 Suas fronteiras, que antes eram mais seguras devido aos acordos explícitos ou implícitos com os governos árabes, hoje estão ameaçadas pela revolução. No Egito, caiu o governo de Mubarak (um grande aliado). Agora, a junta militar deve transpor uma revolução (há pouco, milhares de egípcios enfurecidos tomaram a embaixada israelita) e se viu obrigada a abrir a passagem de Rafah para a Faixa de Gaza. A Síria incendeia-se com a luta contra o regime dos Assad. Para piorar as coisas, a Turquia, tradicional aliada de Israel no mundo muçulmano, rompeu relações diplomáticas devido ao ataque israelita à Flotilha da Liberdade, que levava alimentos e medicamentos para Gaza, e resultou na morte de nove turcos.

 O porquê das posições

 Reiteradamente, denunciamos que Abbas e a direção da Fatah transformaram-se, desde os Acordos de Oslo e da criação da ANP, em agentes de Israel e do imperialismo dentro do povo palestiniano e na expressão de uma burguesia palestiniana corrupta. Mantemos esta definição na sua totalidade. Ao desprestígio político provocado por esta traição (o que já se expressou na perda da Faixa de Gaza para o controle do Hamas) somou-se a eclosão da revolução árabe e a sua expressão entre o povo palestiniano. Sem nada para oferecer, estavam ameaçados de ficar sem nenhuma margem de ação e com o risco de serem varridos do caminho da luta contra Israel.

 Por isso, Abbas começou a tentar reposicionar-se. Assinou, em maio deste ano, o “acordo de reconciliação” com o Hamas e apresentou na ONU, contra a opinião de Israel e do imperialismo, o pedido de reconhecimento do Estado palestiniano. A jogada começa a dar resultados para Abbas, pelo menos na Cisjordânia: milhares de palestinianos festejaram o seu pedido nas ruas e, quando voltou, ele foi recebido com grande entusiasmo. Isto é, para continuar sendo agente de Israel e do imperialismo, com verdadeiro peso popular e não ser varrido pela mobilização, Abbas precisou fazer uma jogada tática que os enfrenta no terreno diplomático.

No caso do governo de Netanyahu, este sabe que, no futuro, possivelmente deverá aceitar a abertura de negociações para a criação de um Estado palestiniano. Mas quer adiar esta negociação ao máximo, para chegar nas melhores condições possíveis, depois de completar o seu plano de “judaizar” Jerusalém, apropriar-se do máximo de terra possível da Cisjordânia e derrotar o Hamas em Gaza.

 Ao mesmo tempo, hoje Netanyahu não pode aceitar esse debate e essas negociações porque isso representaria a explosão de sua coligação governante e a rutura da aliança com os setores mais de direita de seu governo, como o ministro de Relações Exteriores, Avigdor Lieberman, e seu partido, Yisrael Beytenu, expressão dos imigrantes russos que ocupam as colónias na Cisjordânia.

 Por outro lado, o governo de Obama tenta responder a uma situação de correlação de forças mundial e regional desfavorável para o imperialismo, marcada pela derrota no Iraque e a possível derrota no Afeganistão, que foi intensificada pela revolução árabe e pelas mobilizações do povo palestiniano. Tenta fazê-lo através de pactos e negociações que buscam defender os interesses estratégicos norte-americanos.

 Na Palestina, Obama tenta desativar a “bomba-relógio” ativada (ou pelo menos postergar a sua explosão). Por isso, durante meses “flertou” com a proposta de abrir negociações para a criação do mini-Estado palestiniano e pressionou o governo de Netanyahu para que as aceitasse e fizesse algumas concessões (reduzir as colónias na Cisjordânia ou o fim do bloqueio à Gaza) que tornassem as negociações “plausíveis”.

 A negativa inflexível do governo de Netanyahu impediu toda alternativa tática e obrigou-o a apoiar a posição de seu “aliado estratégico” na região. Com isso, o governo de Obama se desgasta ainda mais, porque aparece claramente como “igual” a Israel, sem nenhuma possibilidade de se oferecer como “mediador” ou “avalista” de uma negociação.

 Os “dois Estados”

 A proposta apresentada por Abbas despertou grande simpatia e expectativas no mundo árabe, no povo palestiniano e em todos os que simpatizam com sua causa. É natural que, apesar de seu caráter restrito, após tantos anos de sofrimento e de não contar com o seu próprio país, a criação de um mini-Estado palestiniano seja vista não como a “solução ideal e mais justa”, mas, pelo menos, como um passo à frente, um ponto de apoio para continuar avançando.

 No entanto, é preciso mostrar com clareza que essa proposta (expressão da solução dos “dois Estados”, um palestiniano e outro judeu) abandona a reivindicação histórica do povo palestino de construir uma Palestina Única, Laica, Democrática e Não Racista em todo o seu território histórico. A proposta é que esse Estado tenha as fronteiras anteriores à guerra de 1967: um território compreendido por Gaza, Cisjordânia e a parte leste de Jerusalém.

 Isto significa apenas um terço do território histórico. Neste sentido, a proposta:

 1. Legitima a existência de Israel como enclave imperialista, a usurpação dos dois terços do território palestiniano e a expulsão de grande parte deste povo de seu país e de suas terras, sancionada pela ONU, com a criação de Israel em 1948.

 2. Cria um Estado sem viabilidade económica e sem nenhuma soberania militar: segundo a Al-Jazeera, Abbas teria aceitado que o novo Estado não possua Forças Armadas próprias e, inclusive, que as suas fronteiras sejam custodiadas por forças militares da NATO.

 3. Divide definitivamente o povo palestino em três: os que vivem dentro das fronteiras de Israel, os que vivem nos territórios do futuro Estado e os cinco milhões de exilados, que verão o seu direito a retornar liquidado, porque não terão nenhuma possibilidade de recuperar as terras que lhes foram roubadas, e o novo Estado palestiniano não lhes oferecerá nenhuma possibilidade económica nem de terra para que se radiquem ali.

 A criação desse Estado não resolverá a situação do povo palestiniano. Por isso, a LIT-QI continua reivindicando a palavra de ordem fundacional da OLP e afirma que é necessária a destruição do Estado de Israel, como condição indispensável para que exista paz na região, porque este é um Estado genocida e um enclave-gendarme dos interesses imperialistas.

 Afirmamos que Abbas, a Fatah e a ANP são uma direção absolutamente entreguista, que trai as bandeiras históricas de seu povo. Afirmamos também que a ONU é um “antro de bandidos” que defende o imperialismo e Israel.

 Um direito democrático

 No entanto, mesmo com todas as limitações da reivindicação de Abbas, hoje o imperialismo norte-americano e Israel não estão em condições de fazer esta concessão e se opõem categoricamente a ela. Votar isso na ONU seria uma derrota política para eles.

 Por isso, sem mudar nem um milímetro a nossa posição sobre os “dois Estados” nem sobre o caráter da ONU, defendemos o direito democrático do povo palestino de exigir essa votação na Assembleia Geral da ONU e vamos apoiar toda mobilização desse povo por essa exigência.

 O que significa defender esse direito democrático? Vejamos um exemplo. A maioria do povo basco quer se separar do Estado espanhol e formar um país basco independente. Nós não concordamos com esta proposta e propomos aos trabalhadores e ao povo basco que lutem junto com os outros povos e trabalhadores da Espanha por uma Federação de Repúblicas Socialista Ibéricas, na qual os bascos tenham a sua autonomia. No entanto, defendemos o direito democrático do povo basco de separar-se da Espanha se assim o quiser.

 Fazemos isso agora perante o centralismo imperialista madrilenho e o faremos se for conquistado um Estado operário na península, tal como os bolcheviques respeitaram esse direito dos finlandeses, depois de formada a URSS.

 O caso palestiniano é diferente. Não se trata de uma nacionalidade oprimida no âmbito de um Estado plurinacional opressor, mas, sim, de um povo cujo território foi usurpado. Por isso, reivindicamos e apoiamos o seu direito de recuperar todo o seu território. Mas a analogia é válida porque, mesmo que não concordemos com a solução dos “dois Estados”, defendemos o seu direito de recuperar o seu território, mesmo que seja apenas uma parte dele. E, fundamentalmente, defendemos o direito ao reconhecimento da nação palestiniana de ocupar um lugar permanente inclusive nesse “antro de bandidos” que é a ONU.

 Mas também queremos dialogar com um setor da vanguarda palestina que vem lutando contra Abbas e a ANP e faz duras críticas ao Hamas, ao mesmo tempo em que reivindica a construção de um Estado palestiniano único em todo o território histórico e propõe a destruição de Israel. Agora, baseada nessas posições, opõe-se à votação na ONU e considera que, caso ocorra, será uma derrota do povo palestiniano e um triunfo de Israel e do imperialismo.

 Concordamos com essa vanguarda em várias questões de fundo, que se expressaram em toda a recente luta palestiniana. Mas achamos que essa posição é um erro. Nas atuais condições, se a votação for realizada não será um triunfo de Israel e do imperialismo, e, sim, uma derrota político-diplomática que os enfraqueceria.

 Por isso, estamos a favor da derrota da posição dos EUA e de Israel de que não haja votação na Assembleia, porque essa derrota reforçará o espírito de luta do povo palestiniano e das massas árabes e enfraquecerá, relativamente, os seus inimigos.

 No entanto, insistimos: não será a partir da ONU e de suas resoluções que se conseguirá a vitória palestina. Esse triunfo chegará através da continuidade e do aprofundamento de suas lutas e a das massas árabes pela bandeira original da antiga OLP: a luta pela destruição do Estado de Israel e a construção de um Estado Palestiniano laico, democrático e não racista, em todo o território histórico da Palestina.

 Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (LIT-QI)

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