A situação na Grécia chegou a tal nível que a troika irá propor o fim do salário mínimo nacional no país para que possa continuar a pagar a sua dívida aos credores internacionais. Em simultâneo, o Banco Central Europeu (BCE) anunciou numa nova “ajuda” de 40 mil milhões de euros ao sistema financeiro, novamente à beira do colapso, como o demonstra a crise no Dexia belga. É esta a meta da burguesia e dos seus agentes nos governos nacionais: destruir as conquistas de anos de luta da classe trabalhadora para salvar a banca e o capitalismo.
A resposta dos trabalhadores só pode ser uma, a luta. É o que está a fazer o povo grego, que nesta semana realizou a sua 5ª greve geral só este ano. Foi uma greve com uma grande adesão, como testemunhou a imprensa, e bastante combativa, com milhares reunidos na praça Syntagma e nas universidades, sem medo da repressão policial.
Na Grécia, o discurso da “inevitabilidade”, de que “todos devemos dar a nossa parte”, de que não há saída a não ser seguir o receituário da troika – que em Portugal ainda tem a sua eficácia – já não resulta. Depois de mais de um ano de troika, os gregos constaram que estão cada vez pior e que podem piorar ainda mais se não impedirem que os planos de austeridade continuem a ser aplicados. Mas – e aí é que o movimento se perde – para colocar o quê e quem no seu lugar? Não basta apontar o que não queremos. É preciso, para que o movimento popular não caia na exaustão, começar a construir uma alternativa programática e de organização nos locais de trabalho, de estudo e de moradia.
Em nossa opinião, esta alternativa programática passa pela rutura com a União Europeia, com o euro e com o capitalismo europeu, defendendo a suspensão do pagamento da dívida publica, a revogação de todos os memorandos assinados com troika e a nacionalização dos setores estratégicos da economia, entre outras medidas que garantam a recuperação do emprego e do poder de compra dos salários e apontem para uma sociedade socialista. Não basta também substituir o Pasok pela Nova Democracia ou vice-versa, como já foi feito, porque ambos – tal qual em Portugal com o PS e o PSD/CDS-PP – estão comprometidos com o BCE e o FMI. É preciso construir um poder popular pela base que se torne uma alternativa de fato ao poder da burguesia.
A situação em Portugal
A manifestação contra a austeridade de 1 de outubro convocada pela CGTP para Lisboa e Porto foi forte, mas ainda ficou bastante aquém do que o atual nível de ataques do governo e da troika exige. O insuficiente nível de participação nessa manif indica que o discurso da “inevitabilidade” alardeado pelo governo e pela media ainda não foi desmontado, mas também um outro fenómeno: uma profunda desconfiança nos sindicatos. A baixa participação da juventude no dia 1 é outro elemento a apoiar essa hipótese.
Mas essa situação não deve durar muito tempo, e a raiva dos trabalhadores pode transbordar a qualquer momento. Depois de uma série de medidas que estão a conduzir o país a uma recessão de, na mais otimista das estimativas, -2% este ano, o país ficou a saber que o governo pretende eliminar a taxa intermédia do IVA, liberar empresas do pagamento da Taxa Social Única (TSU) e ampliar a possibilidade de despedimento com justa causa.
As três iniciativas, caso sejam levadas adiante, trarão mais desemprego, mais falências, mais pobreza e, como consequência, redução da arrecadação de impostos e aumento da dívida pública, justamente aquilo que o governo diz querer combater.
A liberação do pagamento da TSU beneficiará as grandes empresas (as que “criam emprego”, segundo o primeiro-ministro) e deverá ser paga com a eliminação da taxa intermédia do IVA para a restauração e hotelaria. Com o IVA mais caro, os preços nos restaurantes vão subir, o que reduzirá a já escassa clientela e provocará, em muitos casos, o seu fecho e mais desemprego.
A terceira iniciativa do governo – a ampliação do despedimento por justa causa – foi apresentada a representantes de trabalhadores e patrões em sede de concertação social. De acordo com o projeto do governo, o trabalhador poderá ser despedido por justa causa por não cumprir os seus objetivos ou ser menos produtivo. E tem mais: prevê-se a flexibilização do tempo de trabalho com a criação de bancos de horas individuais e a redução, para metade, do valor pago pelas horas extraordinárias.
O objetivo é flexibilizar ainda mais o mercado de trabalho com esta e outras alterações ao Código do Trabalho. Como a redução do valor e das prestações (máximo de 18 meses) do subsídio de desemprego e a limitação a 12 salários da compensação por despedimento dos empregados que estejam a menos de 18 anos na mesma empresa, isto é, 75% dos trabalhadores.
Só na Educação o governo pretende cortar, no Orçamento de 2012, cerca de 600 milhões de euros, um valor três vezes superior ao acordado com a troika, originalmente de 195 milhões. Desta forma, o governo está a introduzir no Orçamento de 2012, sem admiti-lo um novo plano de resgate.
O escândalo da Madeira e de Joe Berardo
Se para os trabalhadores e para o povo são cortes e mais cortes nos salários, pensões e direitos, nada acontece com políticos e empresários, como Alberto João Jardim e Joe Berardo, que especularam com o dinheiro público e geraram milhões de euros de prejuízo para o país. Eles são exemplos de como a dívida pública cresceu. O governador da Madeira escondeu uma dívida, segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) e do Banco de Portugal, de pelo menos 1.114,3 milhões de euros entre 2008 e 2010. A descoberta do “buraco” da Madeira fez aumentar o défice português de 2010 de 9,1% para 9,8%. Estima-se que a dívida da Madeira, desta forma, deverá ascender a mais de 7 mil milhões de euros.
Essa dívida foi contraída para favorecer a rede corrupta e clientelar do governador e da cúpula do PSD na ilha, com obras faraónicas e desnecessárias, enquanto a maioria da população da Madeira sofre de um défice crónico de direitos sociais e democráticos. Frente ao escândalo, o governo de Passos Coelho limitou-se ao silêncio e a deixar entrever medidas que irão penalizar o povo da Madeira e não a sua elite corrupta. Alberto João Jardim e a sua máfia reinam na Madeira há 35 anos com a cumplicidade ou o apoio direto do PS e do PSD.
Quanto a Joe Berardo, um dos homens mais ricos de Portugal e grande amigo do ex-primeiro-ministro José Sócrates, comprou cerca de mil milhões de euros em ações do Millenium BCP com o objetivo de controlar este banco, com empréstimos da Caixa Geral de Depósitos, BES, Santander e do próprio BCP. Como garantia deu as próprias ações adquiridas e a sua coleção de arte. O problema é que as ações desvalorizaram e valem hoje menos de 73 milhões de euros e a sua coleção está (super) avaliada em 316 milhões. Conclusão: Joe Berardo deve no mínimo 600 milhões de euros aos seus credores, entre os quais um banco controlado pelo Estado, a CGD.
Grécia, o futuro de Portugal?
A Grécia de hoje – um país arruinado – pode ser o futuro de Portugal caso o receituário da troika continue a ser aplicado. As semelhanças são cada vez maiores entre os dois, apesar de os governantes portugueses fingirem serem casos diferentes.
São ambos países da chamada “periferia” europeia, isto é, os primos pobres dos primos ricos alemães e franceses. Aqueles que, em troca de privilégios que engordaram as contas bancárias de grandes empresários e grandes corruptos, cumpriram ao pé da letra tratados europeus que fizeram definhar a economia dos respetivos países.
Os programas de austeridade que estão a ser aplicados nos dois são os mesmos: um brutal aumento de impostos, cortes nos salários, pensões, saúde, educação, benefícios sociais e setor público e privatizações de empresas prestadoras de bens e serviços essenciais, como água, eletricidade, correio e transporte.
Tudo para garantir o pagamento de uma dívida impagável de 350 mil milhões de euros (mais de 140% do PIB), no caso grego, e de pouco mais de 100% do PIB, no caso português.
A diferença mais importante é que a Grécia começou antes e, por isso, já estamos a ver os resultados. Depois de quase dois anos de programas da troika, o Estado está tão quebrado que admite só ter dinheiro até novembro. O temor de que se repita no país o “corralito” da crise Argentina de 2001, quando o governo interditou as contas bancárias da população, fez com que as famílias gregas tenham sacado dos bancos 40 mil milhões num ano.
Há todas as razões do mundo para desconfiar de um governo que mentiu descaradamente para ser eleito e que hoje aplica medidas que estão a destruir a vida da população grega. As últimas medidas anunciadas por esse governo, para garantir a próxima parcela do empréstimo da troika, foram um novo imposto sobre os imóveis, a redução em 20% das pensões acima de 1200 euros e o corte de 30 mil postos de trabalho na função pública. Esses trabalhadores sofrerão um corte salarial de 60% e terão de ser transferidos, no espaço de um ano, para outro sector do Estado ou serão despedidos.
Como forma de pressão sobre um governo covarde e dócil, FMI, BCE e Alemanha ameaçaram com a saída da Grécia do euro. Mas essa é uma solução muito perigosa para a burguesia europeia devido ao envolvimento da banca com os títulos da dívida grega. A saída da Grécia do euro poderá provocar um rastilho de bancarrotas que poderá pôr em causa a própria zona euro, a galinha dos ovos de euro da elite do imperialismo europeu. O presidente da Federação das Indústrias Alemães, Hans-Peter Keitel, por exemplo, reconheceu que a Alemanha tinha de fazer sacrifícios para salvar o euro e resolver a crise da dívida. Afinal, mais de 70% das exportações alemãs vão para a Europa, a maioria delas para países do euro, e à indústria alemã interessa ter uma comunidade estável e uma moeda sólida.
Todos à manif de 15 de outubro
Os trabalhadores e a juventude portuguesa têm outro dia marcado para manifestar a sua insatisfação com os rumos do país. Para o dia 15 de outubro está a ser convocada por vários movimentos uma grande manifestação em várias cidades do país para protestar contra a austeridade. Trata-se de uma manif internacional que terá lugar em vários outros pontos do mundo, como Brasil, Argentina, Espanha, Inglaterra, Finlândia, Estados Unidos, Dinamarca, Croácia, Chile, Canadá, Hong Kong, Alemanha, Itália, República Checa e muitos outros.
É preciso transformar essa manif no ponto de partida para um grande movimento de contestação ao governo e à troika. Um grande movimento que se somará à luta dos indignados e dos professores do estado espanhol; à mobilização nos EUA iniciada em Manhattan com o Ocupar Wall Street; à luta dos trabalhadores do Estaleiro Naval de Viana do Castelo e da Transportadora Nacional de Camionagem (TNC) em defesa dos seus postos de trabalho. Todos ao 15 de outubro!