Há uma nefasta tendência da esquerda, quando obtém maus resultados eleitorais, de culpar a “burrice” do povo. Um dirigente local do Bloco de Esquerda, ao comentar para a imprensa as razões pelas quais, no seu distrito, não se conseguiu reeleger o respectivo deputado bloquista, disse, mais coisa menos coisa: “É nestas ocasiões que me apetece dizer: desculpem que eles não sabem o que fazem”, insinuando a suposta ignorância popular, para justificar a perda (no caso do BE) de perto de 300.000 votos, nas eleições legislativas de 5 de Junho.
É um argumento fraco, pois o (mesmo) povo não passa de inteligente (em 2009, quando concedeu meio milhão de votos e 16 deputados ao Bloco) a “burro” em cerca de 18 meses. O que aconteceu então que explique o tsunami de desgraças ao nosso Bloco de Esquerda?
Todos referem, analistas independentes inclusive, que a apresentação da moção de censura foi um erro, que a recusa da ida à reunião com a troika foi um desastre, e até o próprio e insuspeito Luís Fazenda, recentemente na TV, avançou com outro “erro”: a reunião com o PC pouco antes das eleições. Pode ser que tudo isto tenha alguma razão de ser, e tem certamente, mas estes erros, se o foram, têm uma génese. E é esse processo que os dirigentes do BE pretendem ocultar. E por uma simples razão, vão continuar a persistir no “erro”.
E colocámos entre aspas “erro” porque, se persistirem nele, então não é mais um erro, mas sim uma orientação deliberada, pensada há muito tempo e que agora, sem tibiezas e hesitações vão levar consequentemente à prática. Do que falamos? Das anteriores (António Costa, na Câmara de Lisboa, e Manuel Alegre, nas eleições presidenciais deste ano) e, principalmente, das futuras alianças (e governos) com o … PS.
Na verdade, o principal erro, não só do BE (façamos justiça), mas também do PCP, que contribuiu para a vitória da direita nestas eleições legislativas residiu na orientação comum a estes dois partidos de se negarem sistematicamente (quando ambos tinham ainda há ano e meio cerca de 20% do eleitorado) a criar uma plataforma de unidade. Uma plataforma de esquerda que convidasse socialistas descontentes com Sócrates para que a incorporassem e muitos independentes, certamente disponíveis, de modo a que à esquerda se visualizasse uma possibilidade, por mais remota que fosse, de alternativa ao vira ao disco e toca o mesmo (há mais de 30 anos), ora de governos PS, ora de governos PSD (ou PSD/CDS).
O BE seguiu o conselho (de Jerónimo de Sousa), que afinal também era a sua orientação, como se veio a verificar, de “cada um ir na sua bicicleta”(o que já fazem há cerca de década e meia), e o resultado ficou à vista. Como em 2009 também cada um foi na sua bicicleta, o povo (inteligente, dizemos nós) retirou a maioria absoluta ao PS. E agora como os partidos de esquerda de novo se apresentaram divididos e não estiveram à altura dos desafios que a situação lhes impunha, o povo teve que votar PSD para correr com Sócrates do poder.
E ainda há quem diga que o apoio ao Manuel Alegre, candidato de Sócrates nas presidenciais e apoiante activo deste a um terceiro mandato na última campanha, nada teve que ver com o desastre eleitoral do Bloco. É caso para dizer, o pior cego é aquele que não quer ver. Sabemos pela imprensa que outras vozes próximas da direcção do BE consideram que o BE devia mais cedo se ter mostrado disponível para governar com o PS (talvez por isso, Fernando Rosas tenha dito que tal não ocorreu não porque não quisessem, mas porque este partido teria subscrito o programa da troika para Portugal), deixando antever que essa será a orientação futura.
Com efeito, o que mais tememos não é (já) não se reconhecer que o BE “errou” em toda a linha. A moção de censura e ausência à reunião com a troika, tudo não passou de tentativas desesperadas de o BE descolar da imagem de partido que “esteve ao lado” do governo durante mais de 6 longos meses. Se não tivesse sido este factor o mais importante para a queda do Bloco nestas eleições porque razão o partido mais penalizado foi o BE, mais ainda do que o próprio PS? Se o povo queria Sócrates fora do poder, quais os partidos que tinha que penalizar? O do governo e o que mais lhe esteve próximo? Qual? O BE, naturalmente. É certo que sabemos que o BE fez uma oposição cerrada nos últimos meses contra o governo do engenheiro Sócrates e as medidas da troika, mas já veio tarde de mais. O leite já tinha sido derramado há muito.
Agora há que mudar de rumo. Convocar-se uma convenção, no mínimo antecipada (se não se quiser uma extraordinária), de modo a devolver a voz a todos os militantes. Se não se abre caminho nesse sentido é porque se quer persistir nas mesmas políticas.
Talvez agora se percebam as palavras de Francisco Louçã, ao Diário de Notícias, a cinco dias das eleições (DN,31/5). Pergunta do jornalista: “Está indisponível para um governo socialista. O Bloco vai ser sempre um partido de protesto?” Resposta de Louçã: “Não, a nossa grande aposta dos próximos anos é abrir caminho para que haja um governo de esquerda”. Pergunta de novo o jornalista: “(…) como é que prefigura esse governo [de esquerda]? Resposta de Louçã: “(…) Nesse contexto, vai ser preciso uma esquerda de enorme capacidade, competência e combatividade que ponha como objectivo chegar ao governo, disputar o governo, ter cargos governamentais, orientar a política económica e financeira do país …”.
Está tudo dito. Foram declarações antes de se saber a hecatombe eleitoral que aí vinha. Ou talvez ele até soubesse o que aí vinha. Não pensava é que era tanto. Não que o não tivéssemos avisado.
Gil Garcia