A partir de 15 de Maio, milhares de pessoas, sobretudo jovens, ocuparam a Puerta del Sol, em Madrid, e, a seguir, outras praças nas principais cidades do Estado Espanhol. O objectivo do movimento, inspirado na luta dos povos árabes e na ocupação da praça Tahir, no Cairo, para exigir a demissão do ditador Mubarak, é a “democracia real”. Isto é, demonstrar a enorme insatisfação com um regime que não representa a maioria da população, promove o desemprego e a perda de direitos, enquanto procura canalizar o descontentamento popular para eleições periódicas, como as municipais e autonómicas deste domingo, 22 de Maio. Nem a decisão da Junta Eleitoral Central de proibir os acampamentos nas praças fez os manifestantes desistiram, o que obrigou o governo de Zapatero a recuar e “engolir” as manifestações.
A seguir, em solidariedade com o movimento espanhol, mas também para demonstrar a sua insatisfação com uma situação bastante semelhante em seus respectivos países, realizaram-se assembleias e acampamentos em praças em centenas de cidades do mundo, inclusive em Portugal. Em Lisboa, desde a noite de quinta-feira, 19 de Maio, centenas de jovens reúnem-se em frente ao consulado espanhol, na Avenida da Liberdade, e na Praça do Rossio, para exigir “democracia real” e protestar contra a intervenção do FMI/União Europeia no país, o que trará mais desemprego, precariedade e pobreza para os trabalhadores e os jovens. Em assembleia a 20 de Maio, aprovou-se em assembleia o manifesto da Puerta del Sol, adaptado à realidade portuguesa, a convocação de uma vigília permanente e a criação de grupos de trabalho para dar prosseguimento ao movimento, entre os quais o que proporá nova manifestação. No dia seguinte, as assembleias populares estenderam-se a Porto e Coimbra.
No artigo que reproduzimos de Corriente Roja, partido do Estado Espanhol, é explicada a origem do 15-M e o seu significado. Este artigo foi escrito no dia 18 de Maio, portanto, no início da ocupação das praças.
Dezenas de milhares saíram à rua em 15M (15 de Maio): abaixo os planos do governo e dos banqueiros!
Dezenas de milhares de manifestantes ocuparam as ruas de todo o Estado Espanhol no dia 15 de maio, expressando a raiva acumulada desde que começou a crise. 40 mil em Madrid, 13 mil em Barcelona, 8 mil em Sevilha, 5 mil em Las Palmas, 3 mil em Córdoba, 1 mil em Salamanca…
Estas manifestações, as maiores desde a greve geral de 29 de Setembro, representam um sopro de ar fresco após o bombardear de contra-reformas e corte sociais, de despedimentos em massa, cortes nas pensões, redução do valor real do salário, medidas antiimigração e dependência económica. Demonstra-se, assim, que havia condições para continuar a luta após a greve geral e as grandes manifestações e incorporar a essa luta uma parte importante da juventude e das classes médias.
Trata-se, sem dúvida, do mais sério revés à “paz social” assinada pelo governo de Zapatero, a patronal e a burocracia sindical de CC.OO (Comissiones Obreras) e UGT. Especialmente significativo é o facto de que estas manifestações tenham se dado em plena campanha eleitoral. Sabemos que nenhum dos partidos burgueses aponta uma saída para esta crise que não seja a continuar a nos esmagar, por muito que num rasgo de hipocrisia todos eles falem de respeito e, inclusive, de afinidade com as mobilizações [o próprio Zapatero disse que, se fosse jovem, estaria na Puerta del Sol].
O PSOE vem demonstrando que tem a mais o “S”, de Socialismo, e o “O”, de operário; o PP é por todos conhecido; o CIU estreou na governação com corte gigantescos nos serviços públicos na Catalunha… Os partidos do sistema não têm outro propósito que desviar o descontentamento das ruas para as urnas. Para a sua desgraça, as manifestações do dia 15 foram os maiores comícios deste período eleitoral.
É necessário estender e coordenar o movimento, procurando a máxima unidade e democracia
O ânimo produzido ao ver tanta gente na rua impulsiona a organização. Este grande movimento ocorre enquanto milhares de trabalhadores(as) continuam a sair às ruas para lutar contra o fecho de suas empresas, os despedimentos, os cortes ou os acordos congelados. As manifestações de massa em Madrid e Catalunha contra os cortes na saúde e na educação são um exemplo dessas lutas.
Por isso tem especial importância, em primeiro lugar, que o movimento que se expressou no dia 15 de Maio não se feche em si mesmo. Foi muita gente, mas é necessário que unifiquemos todas as forças que, de uma maneira consciente, ou pela via dos factos, estejam lutando para que a classe trabalhadora e o povo não paguem a crise, mas sim os capitalistas. Lutas contra despedimentos em empresas, professores e trabalhadores da saúde contra os cortes, estudantes contra a privatização, é necessário que se unifiquem num movimento comum que possa transformar o Estado Espanhol num novo Egipto.
É necessário, em segundo lugar, chamar as organizações sindicais, sociais e políticas que têm enfrentado os planos do governo, o pacto social e o “pensionazo”. Organizações como a CGT, CIG, Cobas, CSM, SF-Intersindical, as organizações que se agrupam em “Hay que pararles los pies”, a maioria sindical basca, SAT… organizações que vêm enfrentando os planos do governo, apoiando as lutas e denunciando o papel cúmplice da burocracia de CC.OO e UGT e sua aposta pela desmobilização social. Todas essas organizações devem incorporar-se às manifestações e a este movimento.
Por isso, a decisão de um sector dos organizadores de proibir a presença de organizações sindicais e política ou de cartazes atenta contra a massificação e a unidade do movimento, além de ser um ato antidemocrático contraditório com o espírito das convocatórias. É preciso fazer um esforço nesse sentido, chamando a todas estas organizações e aos trabalhadores(as) que hoje estão em luta, como os professores, os da saúde, os bombeiros, UPS… para organizar planos de luta comuns e a solidariedade permanente entre todos nós.
Desde cada faculdade, instituto, empresa ou bairro, devemos impulsionar reuniões de activistas para organizar a luta em cada local e procurar coordenar-se com o conjunto para organizar planos de luta comuns, com objectivos concretos. É preciso combinar todas as reivindicações ao calor da luta.
Por uma saída operária para a crise
Nem a crise é natural nem existe uma saída neutra para ela. Actualmente, o governo de Zapatero (e com o PP seria igual), a União Europeia e o FMI estão aplicando medidas para sair da crise de forma que os ricos continuem enriquecendo-se, a classe trabalhadora seja mais explorada e a juventude continue sem futuro. Despedem para manter altos os lucros e aplicam a reforma laboral para que seja ainda mais barato o custo da mão-de-obra; aproveitam a necessidade imperiosa das pessoas por emprego para diminuir os salários e piorar as condições de trabalho; injectam dinheiro nas caixas para presenteá-las às grandes entidades financeiras; e retiram esse dinheiro cortando serviços sociais como as pensões ou privatizando-os, como na saúde.
Mas não tem que ser obrigatoriamente assim. Existe outra saída para a crise, uma saída que divida a riqueza dos grandes capitalistas e assegure as condições de vida de todo mundo a custa de tirar dos que mais têm. O movimento posto em marcha a 15 de Maio e as lutas operárias que se expressaram nas greves gerais de Euskal Herria (País Basco), na Galiza, na greve geral de 29 de Setembro ou as que se expressam a cada dia contra a crise devem ter objectivos precisos para que o movimento não acabe num acto massivo de protesto que morra no dia 22 de Maio [data das eleições municipais e autonómicas].
Emprego para tod@s: Nenhum despedimento mais! Os despedimentos devem ser proibidos por lei! Se a empresa se deslocalize, que seja nacionalizada sob gestão operária. Jornada laboral de 37 horas mantendo o salário: trabalhar menos para trabalhar todos(as). Plano estatal para satisfazer as necessidades da população trabalhadora e criar emprego: aumentando as vagas, os materiais e as infra-estruturas em todo o sistema educativo, reforçando o pessoal de serviços sanitários, criando centros de cuidados a pessoas dependentes ou reforçando os controles ambientais e os projectos de adaptação à sustentabilidade a todos os níveis. Subsídio indefinido para todos os desempregados(as) enquanto não lhe seja garantido emprego.
Educação pública de qualidade: nenhum corte orçamental. Nenhuma subida das taxas. Redução dos custos de matrícula, nos auxílios ao transporte e à alimentação para as famílias pobres. Aumento das vagas nas universidades e creches. É preciso tornar públicos os serviços privatizados, como os de idiomas, as cafetarias e a limpeza.
Em defesa da saúde pública. Não ao co-pagamento.
Dinheiro há para todo isto: O tem as grandes fortunas do país, os grandes empresários e banqueiros. É necessário acabar com a fraude fiscal e subir drasticamente os impostos que pagam essa gente. Há que nacionalizar a banca privada e os sectores estratégicos da economia (como o transporte, a grande indústria ou as telecomunicações); para pô-los ao serviço deste plano de resgate social. Não ao pagamento da dívida. Que a paguem os banqueiros e os ricos que a geraram.
Liberdade para os detidos
Finalmente, manifestamos o nosso total repúdio à repressão desencadeada contra os manifestantes e acampados nas praças do país. Exigimos a sua imediata liberdade sem qualquer restrição. A atitude de surdez frente aos protestos e a repressão comprovam a veracidade do clamor: “O chamam de democracia e não o é!”.
Coordenadora Estatal de Corriente Roja
18 de Maio de 2011