Pode dizer-se que tudo começou com a entrada do FMI em Portugal nos anos pós-revolução e com a sua exigência aos governos de turno para que metessem “o socialismo na gaveta”, isto é, acabassem com as nacionalizações e a reforma agrária, extinguissem as conquistas sociais da revolução, destruíssem as convenções colectivas, precarizassem a classe operária. Era preciso que a burguesia reocupasse o seu lugar dominante e que o capital ressurgisse em plena força.
Em 1977, após a primeira intervenção do FMI, o “socialista” Mário Soares, como bom servidor da burguesia que sempre foi, iniciou energicamente o enterro da experiência revolucionária em Portugal. Em 1983 houve nova intervenção do FMI e mais planos de austeridade. Três anos depois veio a União Europeia (UE) para fazer o resto: distribuindo quotas de produção pela Europa conforme os interesses dos imperialismos dominantes (o alemão e o francês) ela organizou de facto a destruição dos excedentes de produção para que o capital recuperasse a sua taxa de lucro média.
A acção destrutiva da UE
Foi assim que a Bruxelas ordenou a Portugal (e a outros países ditos periféricos) que destruísse a sua indústria – minas, siderurgia, da indústria química, da reparação naval – e o essencial da agricultura e da pesca, devendo limitar-se à exploração do turismo, à construção civil e de auto-estradas e à distribuição de bens de consumo nas grandes superfícies. Privatizaram-se as indústrias nacionalizadas (a fatia de leão da grande produção industrial ficou para a Alemanha, a França e outros países seus aliados) e mandou-se queimar barcos, cortar vinhas, enterrar laranjas, deixando que a maior parte da produção da agricultura e da pesca ficasse entregue a países dos quais dependemos hoje, como por exemplo a Espanha. E houve fundos europeus para esta obra de destruição, oferecendo-se dinheiro aos agricultores e pescadores portugueses para queimarem a sua produção e os seus instrumentos de trabalho!
Hoje Portugal é um país que depende do exterior para a maior parte das mercadorias industriais, agrícolas e até pesqueiras. Entre 1999 e 2009, só o défice comercial alimentar aumentou 24%. Esta crescente falta de produção agrava o défice da balança comercial, já que as exportações portuguesas são inferiores às importações, e essa é uma das razões do super-endividamento, quer público quer privado.
A acção dos governos da burguesia
A par da destruição do aparelho produtivo dos anos 80 e 90 assistimos, a partir dos governos de Cavaco Silva, a um modelo de acumulação de capital caracterizado pelas obras públicas e muita construção, com negócios para as empresas do betão e lucros para a banca. As grandes construtoras do regime, financiadoras dos partidos do capital (PSD, CDS, PS) tinham oportunidades de negócio a perder de vista, com um dono de obra, o Estado, sempre disponível para rever em alta os preços das empreitadas e pagar acima do mercado nas constantes derrapagens dos custos das obras públicas; e os bancos emprestavam sem risco com a mais sólida das garantias, o Estado.
Com alguma acumulação de capital surgiu a necessidade de o rentabilizar: foi essa a principal razão das facilidades de crédito desses anos, e não os “maus hábitos” dos consumidores. Em poucos anos 70% das famílias portuguesas transformaram-se em proprietárias das suas casas, i.e., credoras dos bancos. Estes emprestaram dinheiro a baixo custo também para carros, férias, etc.: mais crédito a pagar pelas famílias endividadas (e os bancos a ganhar!). Mas quando ocorrem as crises os juros disparam: os encargos do que se pediu em anos de facilidades duplicam ou triplicam em anos de aflição.
O capital financeiro salvaguarda sempre os seus lucros, e quem vê reduzida a sua capacidade de consumo e agravadas as suas condições de vida são os trabalhadores e pensionistas.
Super-endividamento do Estado português
Durante anos o Estado português foi-se endividando também para construir obras faraónicas como o Centro Cultural de Belém, a Expo 98 e os 10 estádios de futebol do Euro 2004; adquirir submarinos inúteis; financiar a construção de auto-estradas que são das mais caras da Europa; alimentar o regabofe das parcerias público-privadas. Durante anos, o Estado financiou centenas de fundações privadas e institutos públicos de utilidade duvidosa onde se acolheram os “boys” dos vários partidos da burguesia. Sentaram-se à mesma mesa banqueiros, construtores e ministros para saquear a riqueza do país e conduzi-lo ao actual buraco financeiro: não em nome de nenhum interesse público, mas sim de interesses privados bem claros.
Foi assim que, só entre 2000 e 2010, o peso da dívida pública no PIB cresceu 31,7%, um salto que representa uma subida na ordem dos 89 mil milhões de euros, colocando Portugal em 4º lugar nos países que mais se endividaram neste período!
A crise do subprime
Apesar desta situação de quase falência técnica do Estado o governo Sócrates não hesitou em assumir, aquando da crise do subprime em 2008, a salvação do sistema financeiro português, através da injecção massiva de dinheiros públicos em bancos privados: 4000 milhões de euros no BPN, 450 milhões em garantias estatais para o BPP. Nos meses seguintes o capital prosseguiu a sua obra de destruição para recuperar a rentabilidade perdida, multiplicando os encerramentos de empresas e os despedimentos, sem que o governo tomasse qualquer medida de socorro aos trabalhadores. Fecharam dezenas de fábricas, e até empresas de alta tecnologia como a Quimonda.
Hoje o desemprego em Portugal está em mais de 11%, e o desemprego é também uma forma de o capital destruir a principal força produtiva do sistema: a classe trabalhadora, e em primeiro lugar o operariado industrial.
Resgate do FMI, resgate do capital
Ainda não passaram 3 anos da crise mundial do subprime e já nova crise surge… agora chama-se “crise das dívidas soberanas” e as primeiras vítimas foram os povos grego e irlandês. Seguem-se, agora, os portugueses!
Trocada por miúdos, esta crise tem as mesmas características das anteriores: massas enormes de capitais, que se aplicadas na satisfação das necessidades da humanidade dariam para alimentar condignamente toda a população mundial (dados duma organização insuspeita como a FAO) foram emprestadas aos estados, rentabilizando-se com lucros altíssimos. Quando os estados se tornam insolventes – sobretudo os que têm pouca produção, porque é da produção que vem a mais-valia, é o trabalho humano o único que cria riqueza – o capital necessita rapidamente de tomar medidas para se recuperar. Essa recuperação passará novamente por um processo de destruição das forças produtivas e pelo aumento da exploração dos trabalhadores. O plano de “resgate” do FMI e da Comissão Europeia consiste em mais um pacote de recapitalização da banca; mais destruição da força de trabalho (maior facilidade para despedir no privado, despedimentos na Função Pública); aumento do grau de exploração dos trabalhadores (redução dos salários reais); alocação de mais sectores para o capital se rentabilizar (mais privatizações); saque dos recursos do Estado em benefício dos capitalistas (redução das prestações sociais, aumento dos impostos para trabalhadores e pensionistas, benefícios fiscais para o patronato).
A não ser que os trabalhadores resistam e lutem contra este agravamento brutal das suas condições de vida, este plano do FMI/UE será aplicado, por este e pelo próximo governo, para único benefício do capital, ou seja, para manter um sistema que já não tem nada para oferecer à humanidade a não ser destruição e miséria.
Como diz Trotsky, no seu Programa de Transição: “As crises (…) sobrecarregam as massas com sofrimentos e privações cada vez maiores (…). Os governos caminham de bancarrota em bancarrota (…). Sem revolução socialista (…) toda a civilização humana está ameaçada de ser arrastada para a catástrofe.”
A.P. Amaral e J.A. Dias