A VII Convenção do Bloco de Esquerda, realizada neste fim de semana, foi quase que exclusivamente um grande comício para as próximas eleições de 5 de Junho, apontadas como o nosso “referendo” sobre a situação em que se encontra o país. Se correctamente foi denunciado o plano de resgate da troika e os efeitos desastrosos que trará para a economia e a vida da classe trabalhadora, não foram discutidas propostas políticas e de luta para combatê-lo. Frases retóricas, discursos a apelar ao voto – classificado como um “acto de coragem” – e o auto-elogio foram a tónica das intervenções da maioria dos delegados, eleitos pela Moção A, afecta à direcção do Bloco de Esquerda.
Os delegados da Moção C, liderada pelo Ruptura/FER, que intervieram, a começar pelo seu primeiro subscritor, Gil Garcia, recusaram-se a tratar a convenção como um comício e fizeram intervenções políticas, a polemizar com as recentes orientações da direcção do Bloco. Orientações como o apoio dos seus deputados à “ajuda” de Portugal à Grécia, aprovada pela Assembleia da República há um ano, para a concretização de um plano de resgate do FMI/União Europeia semelhante ao que correctamente recusa agora para Portugal; ou como o apoio a Manuel Alegre nas eleições presidenciais de Janeiro deste ano, o mesmo candidato do primeiro-ministro José Sócrates. Esta última orientação, tomada à revelia da VI Convenção, quando foi aprovado que o Bloco não apoiaria o mesmo candidato do governo, seria responsável pela perda de confiança de uma parte dos aderentes e eleitores do Bloco no seu partido e teria tido o efeito perverso de, como sublinhou Gil Garcia, branquear a governação Sócrates/PS.
Governo de Esquerda
Os delegados da Moção C intervieram a alertar para o facto de que até a actual proposta de “governo de esquerda” formulada pela direcção do Bloco pode vir a transformar-se em mais uma repetição da “colagem” ao PS. Ao não deixar claro os parceiros deste “governo de esquerda”, ao recusar-se a propor uma unidade de esquerda com o PCP, o Bloco abre as portas para uma nova unidade com o PS. Durante a convenção, em entrevista à imprensa, Francisco Louçã admitiu a possibilidade de o Bloco participar de um governo com o PS, mas sem José Sócrates. “Não há um governo do BE com o PS, mesmo sem José Sócrates, que alguma vez venha a governar à esquerda”, rebateu Gil Garcia, em sua intervenção de fecho.
Ao não aprovar um chamado à unidade com o PCP e sectores de esquerda com vistas à formação de uma alternativa de governo com um programa anticapitalista, de ruptura com os planos do FMI e da União Europeia, foi desperdiçada mais uma oportunidade de romper com a alternância dos governos PSD/PS. “Sócrates poderá ganhar as eleições, acreditam? Não há ninguém responsável por esta situação? Foi o país que virou à direita? A manifestação da ‘Geração à Rasca’ ocorreu no século passado?”, questionou Gil Garcia.
Dívida externa
Sobre a dívida externa que está a estrangular a economia e a justificar a intervenção da troika, foram aprovadas as propostas da Moção A de reestruturação e auditoria. A reestruturação da dívida foi apresentada como uma proposta realista, que até a burguesia europeia admite como inevitável em países como Grécia ou Irlanda. A Moção C, que defende a suspensão do pagamento da dívida, argumentou que o pagamento da dívida é um verdadeiro aspirador de recursos do país para alimentar os lucros da banca nacional e internacional a provocar recessão e impedir a criação de empregos e o aumento dos salários. “Caso fosse realizado o referendo sobre a dívida externa, como propõe a Geração à Rasca, qual seria a posição da Moção A? Pagar a dívida. A da Moção C seria, como na Islândia, recusar o pagamento”, disse um dos delegados da Moção C.
Resultados da Convenção
A Moção de Orientação da Moção A foi aprovada por ampla maioria dos delegados, mas para esta votação, feita com os cartões no ar, não houve contagem dos votos. Para a composição da Mesa Nacional e Comissão de Direitos, eleição feita por voto secreto depositado em urnas, a Moção A obteve 412 votos (80,63%), o que corresponde a 65 lugares, mais dois do que há dois anos; a Moção C obteve 73 votos (14,29%), elegendo assim 11 membros da Mesa Nacional, o mesmo número que há dois anos; e a Lista D obteve 26 votos (5,09%), elegendo 4 membros da Mesa Nacional (há dois anos elegera 6). Houve 7 votos brancos e nenhum nulo. Para a Comissão de Direitos foram eleitos 6 membros da Moção A e 1 da Moção C.
O resultado obtido pela Moção C, ao repetir o percentual de há dois anos, foi bastante positivo, pois as alterações no regulamento da convenção – aumento do rácio de 1 delegado para 15 aderentes, em vez dos anteriores 10, e a obrigatoriedade de 100 aderentes para cada uma das assembleias eleitorais – penalizam as correntes minoritárias.
Por outro lado, esta convenção demonstrou também um certo esvaziamento da militância bloquista, pois houve menos aderentes a participar da eleição de delegados em comparação com a convenção anterior. Na VI Convenção, em 2009, votaram 1953 aderentes, enquanto nesta votaram 1861. Isso apesar de, formalmente, o partido ter aumentado o número de militantes com a recente campanha de filiação. Em nossa opinião, esses números traduzem um certo desencanto com a política implementada pelo Bloco e a ausência de vida interna. O Bloco está a transformar-se num partido essencialmente eleitoral, em que a actividade militante se limita a reuniões plenárias pontuais, convenções bienais e campanhas eleitorais.
Um exemplo desse desvio eleitoralista foi esta VII Convenção, transformada em comício e onde as propostas de luta necessárias para enfrentar o “plano” da troika – como uma nova greve geral – subordinaram-se à lógica da campanha eleitoral para o 5 de Junho.
Eleições de 5 de Junho
Se a inexistência de uma alternativa unitária de esquerda nessas eleições é uma verdadeira tragédia para a classe trabalhadora, para os reformados e para a juventude precária, pois facilitará a vitória da direita ou do PS, é importante deixar claro que participaremos dessa campanha, como bloquistas que somos, a pedir o voto para o Bloco de Esquerda.