Com a desfaçatez do costume, o primeiro-ministro José Sócrates representou ontem diante do país mais um capítulo do teatro montado pela patronal e os seus partidos, pelo FMI, Comissão Europeia e Banco Central Europeu, para enganar o povo português. Disse ele que o povo não precisa se preocupar porque do pacote de medidas negociadas entre a troika e o governo não constarão cortes nos subsídios de férias e de Natal, nem “mais cortes nos salários da função pública” ou a redução do salário mínimo e a privatização da Caixa Geral de Depósitos.
Desta forma, Sócrates quer passar a mensagem de que ele e o seu governo seriam os guardiões do Estado Social e dos interesses dos trabalhadores portugueses, inclusive nas negociações com a troika. Com eleições à porta, ele quer passar uma esponja no passado recente, de violentos ataques aos direitos da classe trabalhadora e da maioria do povo, transfigurando-se no defensor desses direitos contra as investidas dos seus rivais do PSD.
Mas a farsa do governo Sócrates é facilmente desmontável. Em primeiro lugar, não há nenhuma garantia – e a palavra do senhor primeiro-ministro certamente não o é – de que essas medidas não serão aplicadas, se não agora, mas numa segunda fase do chamado “plano de resgate” imposto pela troika. Numa segunda fase que, convenientemente, só seria iniciada após as eleições de 5 de Junho, seja governo PS ou PSD. Em segundo lugar, o que já foi anunciado como constando desse planos, as medidas do PEC 4 e do Acordo Tripartido firmado entre patrões, governo e UGT, é suficientemente gravoso para os trabalhadores e o povo português.
O PEC 4, chumbado na Assembleia da República, será imposto agora pela União Europeia e o FMI, e o Acordo Tripartido prevêem: cortes ou congelamento das pensões; redução na duração e no valor do subsídio de desemprego; facilitação dos despedimentos, com a redução no valor das indemnizações, que inclusive passam a ser parcialmente financiadas pelo próprio trabalhador; privatização de empresas públicas, como Correios, TAP, EDP e Redes Energéticas Nacionais (REN); redução nos gastos do Estado com saúde e educação; aumento do preço dos transportes, etc. Além disso, parte substancial do empréstimo estimado em 78 mil milhões de euros, do qual ainda não se sabe o valor dos juros a serem cobrados, será destinado à banca, nacional e internacional.
A resposta dos trabalhadores
Depois dos actos do 1º de Maio, Dia do Trabalhador, convocados pela CGTP e apoiados pelos partidos de esquerda (na foto, a faixa do Ruptura/FER no ato do 1º de Maio, em Lisboa), cuja tónica foi o protesto contra a presença da troika em Portugal, está marcada para esta sexta-feira, dia 6 de Maio, uma greve geral da Função Pública. Para 19 de Maio, a CGTP convocou manifs em Lisboa e no Porto contra o FMI e a ingerência da União Europeia em Portugal.
Estas são iniciativas de luta importantes para combater as novas medidas de austeridade planeadas pelo governo, patronal e troika. Mas não bastam. É preciso apontar para a organização de uma nova greve geral, discutida ampla e democraticamente nos locais de trabalho. É preciso mostrar que há uma alternativa à austeridade e à recessão, que passa pela recusa, como fizeram os islandeses em referendo, em pagar uma dívida pública e privada que não é nossa, mas dos capitalistas e da banca; que passa pela exigência da suspensão do pagamento dessa dívida pública, seguida de auditoria; que passa pela apresentação de uma alternativa de esquerda – Bloco de Esquerda, PCP e outros sectores de esquerda – para governar o país e implementar um programa anticapitalista, que retire o país da recessão e da pobreza.