Contra a chantagem da Banca e para evitar a bancarrota do País defendemos a suspensão imediata do pagamento da dívida pública externa, seguida de auditoria da mesma.
Há vários meses que os portugueses vêm-se confrontados com uma chantagem: a chantagem da dívida externa. Depois de endividarem o Estado para aumentar ou manter a sua taxa de lucro, a banca e os grandes empresários, nacionais e estrangeiros, assim como os partidos políticos que os representam, PS, PSD e CDS, querem obrigar o País a buscar “auxílio externo”, isto é, a endividar-se ainda mais para salvá-los da bancarrota.
A esquerda tem de ter uma estratégia para combater este roubo. Mas, antes do debate, é necessário fintar um preconceito: esta não é uma questão técnica, economicista, mas política. Os média, os comentadores profissionais e tecnocratas vários dizem-nos que estas são questões académicas e complicadas, sobre as quais o povo e mesmo os activistas dificilmente poderão opinar, quanto mais decidir… Cabe-nos dizer o oposto: esta é uma questão dos trabalhadores. Falamos do destino do valor produzido pelo trabalho, por isso a política a seguir deve, no país, ser decidida por quem trabalha.
A dívida externa, sendo o resultado de um mecanismo “normal” de financiamento dos países, transforma-se, em tempo de crise, numa arma terrível da burguesia. Visa aspirar grandes somas de mais-valia, transferindo-a do Trabalho para o Capital e da periferia para o centro. Serve para que os grupos económicos reponham os seus lucros, enquanto usam a chantagem da dívida para aprofundar – através do FMI e/ou do FEEF (Fundo Europeu de Estabilização Financeira) – o patamar de exploração, aumentando a taxa de exploração para as próximas décadas.
Encontramo-nos numa encruzilhada: se o país pagar esta dívida, não haverá salários dignos, emprego, estabilidade, saúde ou educação; se quisermos estes direitos, teremos que recusar a dívida. É um facto: todo o dinheiro público necessário para estes direitos está a ser sugado pela banca. E será sugado indefinidamente, pois a dívida não terá fim. O país ficará em recessão permanente, ou por vários anos, por ter de pagar a dívida e não terá crescimento que lhe permita compensar os juros da mesma. As próximas gerações nascerão endividadas, precárias, exploradas e pobres.
Por isso, ou defendemos o pagamento da dívida ou defendemos o Estado Social. Defender a ambos é uma mentira – esse é o discurso do PS e bem sabemos o seu resultado.
O pagamento da dívida não é um dogma. Mesmo a burguesia, em última instância, já advogou a sua suspensão. Mas só o fez perante o abismo, depois de exaurir o povo. Historicamente, também os povos lutaram pelo não pagamento da dívida. Foi assim na Argentina, com a Revolução de 2001, é assim hoje na Islândia e veremos isso acontecer nos países da União Europeia.
Na Argentina, depois de décadas de saque, de desemprego massivo e da destruição de uma das mais fortes economias latino-americanas, o povo impôs outra política para a dívida. As aspirações populares não foram totalmente cumpridas, não houve uma suspensão total, mas parcial, de 50%. Isso permitiu a criação de 3 milhões de postos de trabalho. Na Islândia, recentemente, o povo decidiu, em referendo, não pagar os valores que a banca britânica e holandesa exigem.
Os exemplos contrários, de países que não romperam com a dívida – e que recorreram, para pagá-la, à famosa “ajuda” externa, isto é, aos empréstimos do FEEF/FMI, que impõem pesadíssimas medidas de austeridade sobre a classe trabalhadora e o povo – também são expressivos: a Grécia vê a austeridade aprofundar-se, a economia descer em 6,5% nos últimos meses e os juros cada vez mais altos. Porquê? Pura e simplesmente por teimar em pagar a dívida. O mesmo acontecerá a Portugal se insistir no pagamento.
Os opinadores oficiais, quando ouvem falar em suspender pagamentos, entram em pânico. Não estranhamos, é para isso que lhes pagam. “Seremos expulsos do Euro!”, “Ficaremos sem financiamento!”, “Será o caos económico!” ou “Isso é convidar o FMI!”. Mas não vivemos já no caos económico e não está já o FMI convidado? Não estamos já a ficar sem financiamento ou com um financiamento impagável? E a chantagem do Euro, quanto tempo vamos suportá-la?
A Esquerda não pode dar eco a estas ameaças. Porque, tal como o pagamento da dívida, a precariedade, os baixos salários, a subordinação dos PIGS ou a baixa taxação da banca também são basilares para a Zona Euro. Qualquer medida efectiva contra os “mercados”, como a taxação da banca e das grandes fortunas ou o fim dos offshores, terá como resposta a chantagem, a ameaça da saída do euro ou da fuga de capitais. Por isso, estes assuntos serão decididos, não no terreno económico, mas no da luta de classes.
Sendo claros: não defender a suspensão da dívida é aceitar o seu pagamento. Por isso, não adianta propor, como o fez o coordenador do Bloco de Esquerda, Francisco Louçã, um “plano de emergência” que inclua um pedido de empréstimos a curto prazo ao Banco Central Europeu. Mesmo frisando que esse empréstimo “deve estar totalmente desligado das condições do FMI”, essa proposta não deixa de ser a mesma do empréstimo intercalar apresentada pelos banqueiros.
Diante dos sucessivos cortes de rating da dívida pública portuguesa pelas agências de notação financeira e também da descida de rating da própria banca, nos últimos dias, os banqueiros decidiram deixar de comprar títulos da dívida pública nacional e propor ao governo que peça um empréstimo intercalar à Comissão Europeia (leia-se Banco Central Europeu) até que seja accionado o FEEF. Isto é, depois de especular com a dívida pública – financiavam com o BCE a juros baixos e compravam títulos da dívida a juros bem mais altos – foram obrigados a encerrar esta ala do casino.
Empréstimos ao BCE, empréstimos intercalares, significaram aumentar a dívida, não resolvem o problema, mas agravam-no, e só reforçam os argumentos dos que defendem o recurso ao FEEF/FMI.
Auditar a dívida pública sem suspender o pagamento, como também defende a direcção do BE, também não resolve: é mascarar o problema. Se queremos uma auditoria à dívida é porque a consideramos injusta. Continuaremos a pagar uma dívida injusta? Se sim, o pleno emprego, os serviços públicos e o fim da precariedade serão apenas slogans demagógicos.
Um governo à esquerda, um programa de governo à esquerda, deve ter uma política de responsabilidade com os trabalhadores e a maioria do povo português, de ruptura radical com o abismo a que estamos a chegar com as políticas do PS, PSD e CDS, e essa política deve passar, necessariamente, pela suspensão do pagamento de uma dívida que não foi criada pelos trabalhadores, mas pelos mesmos que agora nos querem cobrar a factura. Só a suspensão da dívida poderá garantir a aplicação de um programa de governo de esquerda que retire o país da crise, crie empregos e promova o crescimento económica a favor da classe trabalhadora.