Moção de Censura: iniciativa correcta, mas esvaziada pela política do BE

O anúncio da apresentação, a 10 de Março, de uma Moção de Censura ao governo PS/Sócrates pelo Bloco de Esquerda é uma iniciativa correcta e como tal deve ser saudada. Razões para censurar o governo e derrubá-lo não faltam; e os trabalhadores e a imensa maioria do povo, a sofrer na pele as medidas de austeridade dos PECs e a recessão, bem o sabem.

O problema dessa iniciativa é que a direcção do Bloco de Esquerda tudo tem feito, antes e depois do seu anúncio, para retirar-lhe eficácia. Antes porque durante todo o ano de 2010, quando o governo Sócrates aplicou PECs que cortaram salários, aumentaram impostos, reduziram prestações sociais e tiveram como consequência o agravamento do desemprego e da precariedade, enquanto assegurava 5 mil milhões de euros para salvar o BPN, o BE não julgou oportuno apresentar uma Moção de Censura. Pelo contrário, apoiou o mesmo candidato do governo PS/Sócrates nas presidenciais, Manuel Alegre, política que teve como efeito desmoralizar uma parcela importante do eleitorado do BE, que acabou – e correctamente – por não acompanhar a indicação de voto do partido.

No dia 5 de Fevereiro, portanto poucos dias antes de anunciar a Moção de Censura no Parlamento, e no seguimento de uma Mesa Nacional do BE que nada discutira sobre o tema, o próprio coordenador do BE, Francisco Louçã, disse a jornalistas que a apresentação de uma moção de censura naquele momento não teria “utilidade prática”. Quando bloquistas afectos à corrente Ruptura/FER defendiam a apresentação de uma Moção de Censura, ou mesmo quando jornalistas perguntavam a dirigentes do BE sobre a oportunidade dessa iniciativa, tinham como resposta que o BE não facilitaria a vida à direita, no pressuposto de que, com a saída do governo Sócrates, a vitória da direita seria inevitável.

Mas não foi apenas antes do anúncio da Moção de Censura que a direcção do BE agiu de forma a retirar-lhe credibilidade e dar argumentos ao PSD para não votar favoravelmente a esta iniciativa, o que seria imprescindível para a sua aprovação. Nos dias seguintes ao anúncio de Francisco Louçã, o líder parlamentar do BE, José Manuel Pureza, afirmou que a moção era “contra a direita e contra quem governa com políticas de direita” e que, caso a direita a aprove, “cairá no ridículo”. Ou seja, o BE não quer que a direita vote a favor da Moção de Censura, o que implicará, necessariamente, na sua rejeição e na permanência do governo Sócrates – como quer a direita (PSD e CDS-PP), a burguesia e, pelos vistos, e de forma explícita, a direcção do próprio BE.

Desta forma, como o BE não quer derrubar o governo Sócrates, esta Moção de Censura acaba por não ter, de facto, qualquer “utilidade prática”, e por parecer uma tentativa de descolar a imagem do BE desse mesmo governo, comprometida com o apoio dado a Manuel Alegre. Desta forma, ainda, a iniciativa do BE torna-se mais susceptível às críticas oportunistas do governo, da direita e de todos aqueles que querem manter Sócrates no poder justamente porque ele está a aplicar a política da burguesia portuguesa, da União Europeia e do FMI.

Derrubar o governo Sócrates não é, ao contrário do que argumentaram dirigentes bloquistas, fazer a política da direita, isso porque a direita quer, pelo menos por agora, manter Sócrates no poder. Tentar derrubar Sócrates é, sim, fazer a política da esquerda e dos trabalhadores. A alternância PS-PSD não deve ser uma fatalidade da política portuguesa, quando existem partidos de esquerda com a força do PCP e do BE; quando existem greves e mobilizações fortes, como foi a greve geral de 24 de Novembro e as actualmente protagonizadas pelos trabalhadores dos transportes (CP, Metro, Soflusa, etc.); e quando existe um ódio imenso da maioria da população contra esse governo e as suas políticas.

O que falta, além de uma Moção de Censura para derrubar o governo e as suas políticas de direita, é a extensão e unificação das lutas e a construção de uma alternativa unitária de esquerda que apresente um programa socialista para combater a crise económica de acordo com os interesses dos trabalhadores e não da banca, dos grandes empresários e da Comissão Europeia.

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