Eleições Presidenciais: urnas chumbam governo Sócrates e dão vitória pífia à direita

Se os grandes derrotados nas eleições presidenciais de 23 de Janeiro foram o candidato apoiado pelo PS e Bloco de Esquerda, Manuel Alegre, e o governo Sócrates, não se pode dizer que a direita e o seu candidato, Cavaco Silva, tenham obtido uma grande vitória. Pelo contrário, apesar de terem conseguido a sua reeleição, esta se deu no marco de uma abstenção recorde – 53,3% – e de um número de votos inferior ao registado nas eleições presidenciais de há cinco anos. Nas eleições de domingo último, Cavaco Silva perdeu mais de meio milhão de votos em comparação com a anterior. Mais: o resultado em votos do candidato da direita (PSD/CDS-PP) é o mais baixo de uma eleição presidencial no pós-25 de Abril.

 

A abstenção recorde somada a uma votação pífia no candidato vencedor, além do aumento dos votos brancos e nulos, sugerem uma leitura política: há um evidente descrédito no regime e nos seus candidatos, e mesmo o candidato vencedor não é depositário da confiança da maioria dos eleitores. Pelo contrário, em relação ao número total de eleitores, Cavaco Silva teve apenas 23,16% dos votos. A abstenção é que ganhou, e o fez por maioria absoluta. E a direita, por mais que cante vitória, não conseguiu capitalizar o descontentamento da população com o governo PS/Sócrates e os seus PECs. Justamente porque tem co-governado com Sócrates, a impor cortes de salários e benefícios sociais, aumento de impostos e a privatização das empresas do estado, tudo isso para permitir o pagamento da dívida pública, assegurando assim uma gigantesca transferência de recursos para banqueiros e grandes capitalistas.

Alegre e o governo PS/Sócrates

Manuel Alegre, sem qualquer dúvida, foi o grande derrotado da noite eleitoral. Além de não conseguir forçar uma segunda volta, perdeu em percentagem e em número de votos em comparação com a eleição presidencial de há cinco anos. Naquela eleição, ele apresentou-se como um candidato independente, enquanto o seu partido, o PS, apoiava uma outra candidatura, a de Mário Soares. Ao apresentar-se como um candidato crítico ao governo PS/Sócrates e sem ter o seu apoio, Manuel Alegre em 2006 conseguiu mais de 1 milhão de votos, 20,74% dos eleitores.

Nas eleições presidenciais de domingo, ocorreu justamente o contrário: Manuel Alegre foi apoiado pelo governo PS/Sócrates, tendo o primeiro-ministro e outras figuras-chave do seu governo participado de comícios do candidato. Resultado: Manuel Alegre viu reduzida a sua votação para 831.959 votos, 19,75% dos eleitores.

A derrota de Manuel Alegre só pode ser explicada pelo facto, elementar, de que os eleitores, inclusive muitos dos que votaram nele em 2006, não o fizeram desta vez porque ele era o candidato do governo Sócrates. Do governo que está a penalizar o povo trabalhador com planos de austeridade para salvaguardar os interesses da banca, dos grandes empresários e do imperialismo europeu. Ao contrário da ideia que o Bloco de Esquerda defendeu, Manuel Alegre não era nem um candidato independente nem representava uma alternativa de esquerda a Cavaco Silva. Ele era o candidato apoiado pelo governo Sócrates, e por isso o povo trabalhador não votou nele.

A responsabilidade pelo fracasso de Manuel Alegre deve ser atribuída, sim, ao apoio do PS e do seu governo à sua candidatura, e também ao próprio candidato na medida em que quis e aceitou esse apoio. Negá-lo, como o fez o coordenador do Bloco de Esquerda, Francisco Louçã, na noite eleitoral, não passa de um exercício retórico para encobrir um erro político. Para justificar o apoio do BE ao mesmo candidato apoiado pelo PS, a direcção do partido afirmou que esta candidatura não seria a candidatura do governo Sócrates. O desastre eleitoral de Manuel Alegre mostra que a maioria da população – e bem – não concordou com isso.

Alternativa a Cavaco Silva

Ao contrário do que também afirmou o coordenador do Bloco de Esquerda na noite eleitoral, Manuel Alegre não era o candidato que melhores condições tinha de apresentar uma alternativa a Cavaco Silva. A votação recebida por Fernando Nobre (quase 600 mil votos), sem apoio partidário, e José Manuel Coelho (189 mil votos), um político conhecido apenas na Madeira, independente da pouca consistência política de ambos, assim como os votos brancos e nulos (votação recorde com mais de 250 mil votos), comprovam-no. Esses dois candidatos, assim como o candidato do PCP, ocuparam, simultaneamente, o espaço de oposição ao governo Sócrates e à candidatura da direita. Somados os seus resultados, obtiveram mais de 25% dos votos, uma votação superior à de Manuel Alegre.

Essa votação demonstra a existência de um espaço político de oposição ao governo e à direita que poderia ter sido ocupado – e, inclusive, garantido uma segunda volta – pela esquerda. Nessas eleições um sector da esquerda, o Bloco de Esquerda, não se apresentou de forma independente, com o seu próprio candidato, e, pelo contráio, apoiou o mesmo candidato do governo Sócrates. Um governo que aplica uma política de direita, a bombardear os direitos dos trabalhadores, a afundar o país na recessão e no desemprego, a destruir o Estado social e a abrir caminho para a entrada no país do Fundo Monetário Internacional (FMI).

A candidatura de Manuel Alegre em 2011 foi um factor de confusão política, de divisão da esquerda e da oposição ao governo e, no final das contas, acabou por ajudar a vitória de Cavaco Silva. A população rejeitou-a pelo facto de identificá-la, correctamente, como a candidatura de Sócrates. Dessa forma, a classe trabalhadora, a juventude e a população pobre do país não tiveram uma alternativa credível para contrapor à direita e ao governo nessas eleições presidenciais.

É preciso retirar lições dessas eleições, para que possamos construir uma alternativa realmente de esquerda para os embates políticos que se avizinham, contra os PECs de Sócrates e Passos Coelho.

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