Comecemos pela afirmativa. Que candidatura fazia falta nestas eleições do próximo dia 23? Pode parecer um chavão, mas não, trata-se de uma dura realidade cada vez mais actual: precisaríamos, no actual período político, de uma candidatura anticapitalista!
E porquê? De onde vêm os as ataques aos salários a mais de meio milhão de funcionários públicos? E você, trabalhador com salário intermédio, vamos supor entre os 1000 e os 1300 euros, que mal dá para pagar as dívidas ou as prestações e manter um nível de vida com um mínimo de qualidade, mas que para o próximo ano vai ver aumentado no IRS, por força das alterações de escalões que José Sócrates e Teixeira dos Santos inventaram para o Orçamento de Estado de 2011, de onde pensa que surgem as exigências para cortar nos seus rendimentos permanentemente?
Dos donos dos bancos, das empresas de rating, do Banco Central Europeu, da Comissão Europeia, dos “mercados”, nome eufemístico para todo o tipo de empresários, capitalistas, accionistas, especuladores, banqueiros, enfim, todos os que vivem já em grande fausto, mas que nunca estão satisfeitos com os lucros e os milhões que já auferem ou encaixam.
Exigências que os mesmos representantes políticos de sempre, e em alternância regular, do PSD/CDS ou das diversas, mas sempre iguais, direcções do PS estão sempre prontos a atender. Para isso, descarregam sobre quem vive só do seu trabalho (para o caso de ainda o conservarem, pois já há mais de 600.000 pessoas que nem isso têm) as despesas da crise… provocada por eles ou por um sistema que persistem em manter e defender.
Deste modo, perguntamos: dá para confiar em qualquer representante político ligado aos partidos centrais que têm governado Portugal e que como saldo só têm para apresentar desemprego, endividamento do Estado e factura da crise essencialmente para “os de baixo”? Voltamos a perguntar: dá para confiar o nosso voto em qualquer um deles? De Cavaco, estamos falados. Apesar de sabermos que, por demérito do PS, da governação Sócrates e por força da memória curta dos seres humanos (potenciada por medias que branqueiam todos os dias a figura de um Cavaco Silva) só uma hecatombe vai evitar que Cavaco se mantenha mais cinco anos na Presidência da República.
Mas poder-se-ia objectar, como o faz o Bloco de Esquerda, partido de que fazemos parte, não será um mal menor votar e apoiar Manuel Alegre? O problema é que este raciocínio é o que tem primado na esquerda, há mais de trinta anos, apoiar e votar no mal menor. E tem sido o “mal menor” que tem dado cabo do país e dos seus trabalhadores, das gerações futuras e do meio ambiente. Com efeito, o PS, todos os seus governos, todos os seus secretários-gerais foram os mais acérrimos executantes da destruição da vida de quem trabalha e os mais acérrimos defensores do capitalismo em Portugal e no mundo.
O próprio Manuel Alegre, o de hoje, não deixa de se reconhecer no PS, não se separa nem um milímetro de José Sócrates, e todas as críticas que aqui e acolá faz são sempre na óptica de poupar o actual governo.
O que nos falta nestas eleições presidenciais não é um Bloco envergonhado, mais ou menos firme ao lado de Alegre, mas um Bloco com coragem, que tivesse afirmado uma candidatura verdadeiramente anticapitalista. Em vez de todos os dias nos tentar convencer que Alegre é contra o FMI ou coisas do género – que em Alegre não passarão de retórica (melhor dizendo, de poesia). O que precisaríamos era que o próprio Francisco Louçã tivesse avançado, como há cinco anos, para uma candidatura que desse voz aos que continuam a não ter voz.
Na ausência de uma candidatura de esquerda que se coloque como uma alternativa de governo ao PS e à direita, não há uma alternativa de voto categórica. Além de Cavaco e Alegre, restam três hipóteses: Fernando Nobre, o candidato do PCP (que ninguém se lembra e sabe quem é) e o voto em branco de protesto contra toda a actual situação.
Sobre Fernando Nobre, se o BE não o apoia hoje, isto só se deve a que há muito que tinha um acordo com um sector do PS (Alegre e não só). Não que Nobre seja um candidato anticapitalista, que o não é nem nunca será. Mas a sua actividade benemérita em prol de causas humanitárias granjeou-lhe alguma simpatia em vastos sectores de esquerda e mesmo em largos sectores do Bloco. Não é o nosso caso, pois sabemos bem que o seu programa ou as suas ideias políticas não são à esquerda e não diferem muito do programa do PS. Essas razões nos fazem afastar claramente dessa opção de voto.
Resta, portanto, o voto em branco ou no candidato do PCP. Admitimos ambos os votos como votos possíveis, dado que no actual quadro político das candidaturas concretas presentes ao sufrágio, a 23 de Janeiro, não existe qualquer outra possibilidade coerente. Ainda que ambas também tenham desvantagens. Votar branco não é a nossa vocação e votar no candidato do PCP, apesar desse partido se colocar ao lado do BE na contestação ao neoliberalismo reinante, também traz problemas. A candidatura do PCP, a exemplo do que já ocorreu no passado, surge fundamentalmente como uma resposta às necessidades internas do aparelho partidário, e não como uma alternativa de oposição ao regime. Só para dar um exemplo recente, o PCP foi o grande mentor da ideia de retirar toda a possibilidade de que a greve geral pudesse ter mais impacto. Como? Eliminando a possibilidade da convocação de uma grande manifestação de massas na capital do país.
Apesar do que afirmámos, somos conscientes que votar branco ou no candidato do PCP será a forma que inúmeros militantes anticapitalistas vão encontrar para manifestar o que lhes vai na alma, ainda que esse seja também um (outro) mal menor. A lição para o futuro passa por criar as condições para que, em próximas eleições presidenciais, possa vir a existir uma verdadeira candidatura anticapitalista, e é nesse combate que colocamos todos os nossos votos.
Gil Garcia