Vazamento de documentos secretos mostra os detalhes da política externa norte-americana e revela ingerência nos países.
A secretária de Departamento dos EUA, Hillary Clinton, antecipou-se ao que viria e passou a disparar telefonemas a embaixadores de todo o mundo. O temor não era infundado. Dias depois, a partir de 27 de Novembro, o site WikiLeaks passou a divulgar documentos secretos da diplomacia norte-americana, revelando segredos de Estado do Império.
São mais de 251 mil telegramas de 274 embaixadas norte-americanas em todo o planeta, grande parte deles confidenciais, que datam de 1966 a Fevereiro último. São revelações como as caracterizações de governos e políticos pelos EUA, assim como a descrição detalhada das actividades dos diplomatas norte-americanos, que transcendem em muito as tarefas quotidianas das embaixadas.
Se é verdade que até agora não apareceu nenhum documento realmente revelador contra os EUA, é também verdade que o vazamento teve efeito devastador sobre a diplomacia norte-americana. As relações dos EUA com uma série de países, que já estavam estremecidas com a crise financeira, tendem a ficar ainda mais complicadas diante do escândalo gerado pelo WikiLeaks.
Entre fofocas e lobbies em favor dos interesses americanos, ficamos sabendo, por exemplo, que a Inglaterra não acredita mais numa eventual vitória militar no Afeganistão, e que se ainda mantém soldados por lá é unicamente em “deferência” aos EUA. Aliás, grande parte das revelações se refere aos países e as suas relações mais que incestuosas com o Império. Inclusive o Brasil.
Relações perigosas
De todos os arquivos abertos, 2.855 são da embaixada dos EUA no Brasil. As primeiras divulgações já foram feitas, e muito mais está por vir. Segundo a coordenadora do WikiLeaks no Brasil, Natália Viana, os arquivos “vão mostrar ao público brasileiro histórias pouco conhecidas de negociações do governo por debaixo do pano, informantes que costumam visitar a embaixada norte-americana, propostas de acordo contra vizinhos, o trabalho de lobby na venda dos caças para a Força Aérea Brasileira e de empresas de segurança e petróleo”.
Os telegramas da embaixada no Brasil mostram uma relação bastante estreita entre o Império e sectores da Polícia Federal e da Abin (Agência Brasileira de Inteligência). Mostram, por exemplo, como os órgãos no Brasil agem a mando do Departamento de Estado norte-americano, vigiando e prendendo suspeitos de terrorismo. A fim de não prejudicar o turismo e a imagem do país, tais prisões são feitas sempre de forma disfarçada.
Os documentos expõem ainda as relações mais que amistosas entre o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e o ex-embaixador Clifford Sobel. Tal relação chegava a ser de delação, já que Jobim, de acordo com os documentos dos EUA, confidenciava segredos ao embaixador e criticava colegas de governo, como o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, chamado de “antinorteamericano”.
Outro telegrama deixa explícita a condição do Brasil de bombeiro dos EUA na América Latina. Nele, o assessor de relações exteriores de Lula, Marco Aurélio Garcia, se dispõe a ajudar os EUA na “moderação” do governo com a Bolívia de Evo Morales, quando do conflito entre o governo e a burguesia da região da Meia-Lua, em 2008.
Terrorismo
Um dos telegramas divulgados pelo site revela a pressão dos EUA para que o Brasil adopte uma legislação específica para o crime de “terrorismo”. O informe, de Novembro de 2008, relembra que o governo, a partir do Gabinete de Segurança Institucional, havia iniciado um movimento nesse sentido em 2004, mas que foi abandonado para evitar desgaste político.
O documento descreve uma conversa entre o embaixador Sobel e o analista da Escola Superior de Guerra André Luis Woloszyn, que teria lhe dito ser impossível detalhar o crime de terrorismo sem que se exclua o MST (Movimento dos Sem Terra). “Não existe maneira de redigir uma legislação antiterrorismo que exclua as acções do MST”, teria dito Woloszyn, segundo o telegrama.
O estabelecimento de critérios para a tipificação do crime de “terrorismo” poderia ser utilizado para criminalizar os movimentos sociais, a exemplo do que já vem ocorrendo no Equador, onde o governo de Rafael Correa processa pelo menos 286 pessoas por terrorismo, grande parte delas dirigentes sindicais e de movimentos indígenas e sociais de oposição ao governo.
Perseguição
O WikiLeaks e o seu fundador, o jornalista australiano Julian Assange (na foto, manif em solidariedade a Assange na Austrália, uma das centenas realizadas em todo o mundo), vêm enfrentando uma dura perseguição liderada pelos EUA. Acusado de agressão sexual na Suécia, Assange tem contra si um mandado de prisão expedido pela Interpol. Além disso, os EUA pressionam os países para que não dêem asilo ao jornalista. Mais recentemente, Assange vem recebendo até ameaças de morte a ele e a sua família.
Ainda sob pressão norte-americana, o site foi obrigado a sair dos EUA para procurar hospedagem na Europa. O WikiLeaks é obrigado a pular de provedor em provedor para escapar da perseguição dos governos e de hackers de todo o mundo. Perseguição, porém, tão brutal quanto inútil, pois é praticamente impossível censurar completamente o conteúdo da rede. Milhares de voluntários já se dispuseram a arquivar e disponibilizar os arquivos secretos.
Por enquanto, os EUA vão se queimando a cada dia. A tentativa de censura e perseguição aberta, com políticos de direita pedindo até a execução de Assange, mostra o verdadeiro carácter da “maior democracia do mundo”. E muita coisa ainda vem por aí.
Os bolcheviques e a diplomacia secreta
O vazamento de informações secretas das embaixadas dos EUA lembra uma antiga reivindicação dos bolcheviques. Logo após a Revolução Russa de 1917 e a tomada do Palácio de Inverno, os bolcheviques revelaram os tratados secretos firmados pela Rússia czarista com as potências durante a Primeira Guerra Mundial.
Com a burocratização do Estado soviético, foi retomada a prática dos tratados confidenciais. Trotsky citou no Programa de Transição o fim da diplomacia secreta como uma das tarefas do internacionalismo proletário. “A política internacional conservadora da burocracia deve ceder lugar à política do internacionalismo proletário. (…) Abaixo a diplomacia secreta!”.
Diego Cruz, do Opinião Socialista (PSTU/Brasil)