Em economia capitalista o Orçamento de Estado (OE) representa o plano anual de receitas e despesas dum país, numa situação em que o poder político-económico pertence ao capital financeiro, estádio supremo da burguesia – a classe que possui os meios de produção. É esta classe que influencia, através dos seus partidos, a elaboração e execução do OE.
As receitas do OE provêm dos impostos pagos pelos trabalhadores e empresas e dos empréstimos bancários. As despesas são constituídas pelos salários dos funcionários e gestores públicos e dos políticos, por despesas de funcionamento do aparelho de estado e dos serviços públicos e pela amortização da dívida e pagamento dos respectivos juros.
Quando as receitas são inferiores às despesas ocorre um saldo negativo, ou défice. A admitir-se défice, admite-se, automaticamente, dívida pública. Pois como pode o Estado fazer face ao excesso das despesas se não contrair empréstimos junto da banca, nacional e internacional?
Défice no OE implica, pois, emissão de dívida pública. A cada ano que passa é abatida uma fatia dessa dívida, mas é preciso lembrar que a ela acresce o pagamento anual dos respectivos juros. Estes representam lucros para os bancos, e são uma grande fatia do que lhes é pago pelos estados.
Quando os défices excessivos eram normais…
A questão do défice só na aparência tem uma racionalidade puramente económica. Medidas de contenção do défice ou de despesismo são uma expressão das necessidades do capital num determinado momento. Por exemplo, nos anos de 1960-70 a economia de armamento era um dos pilares essenciais do sistema, e as despesas dos estados que faziam as guerras eram de tal maneira elevadas que os défices chegavam a atingir os 11%! Mas nenhum governo ou instituição da burguesia se preocupava em impor tectos de redução aos défices: eles eram necessários às empresas de armamento.
O défice de Portugal nos anos da guerra colonial foi muito alto, mas estava fora de questão para a burguesia portuguesa e internacional parar a guerra para… “equilibrar as contas públicas”!
Conquistas sociais e salário diferido
Um outro elemento importante é que, por via da luta da classe trabalhadora, o Estado burguês foi obrigado a aceitar conquistas sociais, principalmente a partir do pós-2ª Guerra: é o chamado “Estado social”. Em Portugal, ele só foi erguido na sequência da Revolução de Abril de 1974.
Subsídios de férias, pensões de reforma e de invalidez, subsídio de desemprego, serviço nacional de saúde, generalização da escola pública, etc. – todos estes benefícios foram conquistadas pelos trabalhadores quando a burguesia estava mais fraca, vendo-se o aparelho de Estado obrigado a aceitá-las…contra-vontade!
Mas o Estado social é apenas a soma dos salários diferidos de todos os trabalhadores dum determinado país, ou seja, exprime a “entrega” duma parte dos nossos salários ao Estado para que tenhamos direito à reforma, ao socorro na doença e no desemprego, à educação para os nossos filhos, etc. Não esqueçamos que quer as receitas do Estado quer os lucros do patronato provêm todos da única força que cria riqueza, a força de trabalho humana.
Atacar direitos e salários para garantir os lucros do capital
O capitalismo na sua fase actual atravessa uma grave crise devido à queda tendencial da taxa de lucro (ver Ruptura nº 108). Por isso, procura contrariar este fenómeno destruindo as forças produtivas (desindustrialização, desemprego), aplicando cada vez mais capitais na especulação (lucros imediatos e astronómicos), apropriando-se das empresas e serviços públicos (privatizações, destruição dos serviços públicos “não rentáveis”) e exigindo dos governos cada vez mais benefícios directos, como isenção de impostos e benefícios fiscais. E, agora, atacando directamente os salários dos trabalhadores (cortes brutais).
Tal como fazem os restantes governos europeus, o governo português põe a máquina do Estado ao serviço das necessidades dos capitalistas. Todos nos lembramos dos milhares de milhões de euros que canalizou para os bancos em 2008, no meio duma crise mundial. Desde então os bancos recuperaram os seus lucros, não criaram mais postos de trabalho e não contribuíram para nenhuma recuperação produtiva do país. E o OE de 2011 – que baixa os salários dos funcionários públicos e aumenta os impostos sobre os reformados e a classe trabalhadora – mantém as benesses a esta casta parasitária, pela via da continuação do aval do Estado à emissão de dívida produzida pela banca, e pela criação duma taxa ridícula de 0,01 a 0,05% de imposto sobre os depósitos dos bancos – e não sobre os seus lucros (ou seja, são os depositantes que a vão pagar).
Todos nos lembramos de como os vários governos PS, PSD e CDS justificaram o “excesso” de despesa pública causada pelas empresas nacionalizadas e privatizaram a maioria delas. Após mais de 20 anos de privatizações a despesa do Estado não diminuiu e as empresas privatizadas reduziram postos de trabalho e despediram dezenas de milhar de trabalhadores. E o OE de 2011 continua este programa destrutivo com um pacote de privatizações que renderá 1870 milhões de euros.
É a mesma política que vem sendo seguida há anos, sempre invocando o défice e sempre aumentando o défice. Sempre prometendo equilíbrio nas contas públicas e nunca o atingindo. Não nos enganemos: a burguesia não tem nenhuma solução para a crise em que está mergulhada a não ser continuar a destruir a classe trabalhadora e as suas conquistas, e a exigir do governo de turno que aumente as despesas públicas a seu favor.
J. A. Dias e A. P. Amaral