Presidenciais: Estas escolhas não são escolha

Quando primeiro-ministro, Cavaco Silva foi o grande promotor da voragem neo-liberal que se apoderou do país nas décadas seguintes. Hoje, Cavaco não seria Cavaco se tivesse levantado alguma objecção às privatizações de Sócrates, ao código patronal de Vieira da Silva, aos vencimentos milionários de “boys” do PS ou do PSD, às prescrições e absolvições massivas de crimes de colarinho branco.

 Para além de arrufos passageiros, Cavaco tem sido um pilar da governação do PS. Ao pragmatismo da colaboração com Sócrates, ele junta as convicções ultramontanas de sempre: o rancor que guardou durante vinte anos contra Saramago e a indulgência distraída que dispensou ao projectado revisionismo constitucional do PSD simbolizam e resumem o seu primeiro mandato. Cavaco Silva é o presidente de todas as direitas e de todos os patrões.

Contra a renovação do mandato presidencial cavaquista, seria necessária uma alternativa que condenasse liminarmente a coabitação cúmplice Sócrates-Cavaco e que pusesse em causa pontos essenciais que esse conluio promoveu: o PEC, os Orçamentos de Estado, a permanência de tropas portuguesas no Afeganistão. Mas Manuel Alegre tem deixado claro que não será essa alternativa e que apoia o governo nestes e noutros pontos decisivos. Ao criticar Cavaco pelo carácter supostamente “conflitual” das suas intervenções, Alegre sinaliza também que pretende exercer uma presidência ainda mais alinhada com o governo.

A orientação de Manuel Alegre não surpreende da parte de alguém que durante décadas apoiou as políticas mais gravosas dos vários governos PS. Ultimamente, ele ausentou-se do hemiciclo em votações que não lhe convinham ou manifestou oposição, nomeadamente ao Código do Trabalho, quando o seu voto não fazia falta para garantir a maioria. A pré-campanha de Manuel Alegre tem-se distinguido por uma mescla de características retrógradas da política portuguesa: a demagogia nacionalista, a nostalgia colonial, a exaltação da disciplina militar, a subserviência aos governos – tudo envolvido em pose marialva e declamado num tom solene e pomposo.

A campanha de Fernando Nobre correu a imitar este registo, tentando ser mais papista que o papa e disputando a Manuel Alegre a palma em matéria de grandiloquência chauvinista, como cabalmente se ilustrou no episódio da proposta para trasladar de Angola os restos mortais de militares portugueses aí sepultados.

A miséria da política portuguesa não é uma consequência inevitável da crise social que se abate sobre a classe trabalhadora. Os países pequenos não estão condenados a sofrer passivamente os efeitos de uma crise capitalista global. Não o está a Grécia, com as seis greves gerais que já fez este ano, e não o está Portugal, com as imponentes manifestações de professores que mandaram para casa a ministra Maria de Lurdes Rodrigues, ou as convocadas posteriormente pela CGTP, com dimensão só comparável aos tempos da revolução.

A luta social que tem sacudido o país merecia um leque de escolhas melhor do que este. Mas o BE enfraqueceu a sua posição de combate ao governo Sócrates quando se precipitou a apoiar um candidato que agora se desdobra em louvores a esse mesmo governo. O PCP, por seu lado, anunciou que lançaria uma candidatura própria, mas a experiência histórica, de várias candidaturas apresentadas e retiradas à boca das urnas, aconselha a encarar com prudência esse compromisso público.

As pessoas que subscrevem a presente declaração não se encontram animadas por um espírito iconoclasta, de fazer fogo em todas as direcções. Constatamos, sim, a existência de um panorama político que nega as aspirações socialistas de 1975 e os melhores momentos das mobilizações de rua dos últimos anos. E reafirmamos a necessidade de ir além do actual leque de escolhas, ou falsas escolhas, se se quiser que a realidade da luta encontre, também nestas eleições e depois delas, uma expressão política.

Lisboa, 26 de Julho de 2010

Assinam:

Adérito Domingues (Marinha Grande); André Pestana (Lisboa); António Louçã (Lisboa); Carlos Patrão (Lisboa); Elsa Sertório (Lisboa); Francisco Furtado (Lisboa) ; Gil Garcia (Lisboa); Isabel Faria (Lisboa); João Almeida (Ovar); João Delgado (Braga); João Pascoal (Lisboa); João Varela Gomes (Lisboa); José Moreira (Faro); Ramiro Morgado (Lisboa); Teresa Alpuim (Lisboa)

Anterior

Revisão constitucional do PSD: burguesia quer aproveitar a crise para liquidar de vez estado social

Próximo

Apoio de Bloco a Alegre repercute na imprensa