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VIH/SIDA – Os pobres, os ricos e as farmacêuticas

money-pillsNo final de Julho realizou-se a XVIII Conferência da OMS sobre a SIDA. A conferência abriu em clima de euforia, um gel microbicida, de aplicação vaginal, que está em fase de teste em humanos previne a infecção pelo VIH em cerca de 54%. Esta suposta vitória da investigação contra o VIH guarda muitas faces obscuras que não nos dão motivos para nos sentirmos eufóricos.

 Este gel está a ser testado na África do Sul, um dos países com maior índice de infecção pelo VIH e também aquele em que mais mulheres estão infectadas: 12,7% de todas as mulheres com mais de 15 anos que correspondem a 60% dos infectados. Esta alta taxa de incidência nas mulheres deve-se a que a juntar à maior susceptibilidade biológica das mulheres para adquirir a infecção existe uma baixíssima adesão ao uso do preservativo entre os homens associada também a um comportamento muito promíscuo da parte destes. Assim é mais fácil que as mulheres aceitem testar uma substância cuja eficácia na prevenção da infecção é desconhecida, em vez de usar um preservativo que previne mais de 99% das transmissões.

Esta situação não é inédita no que toca à investigação da prevenção da infecção pelo VIH. As farmacêuticas aproveitam-se das mulheres que se encontram em situações de maior susceptibilidade de contrair a infecção para testar medicamentos cuja eficácia é desconhecida. Há vários relatos de ensaios em que as mulheres que aceitam participar nos ensaios não recebem preservativos nem lhes explicam o seu uso nem o grau de protecção que oferecem em comparação com o medicamento a ser testado. Estes estudos têm sido realizados em países da África Subsaariana, América Latina e Extremo Oriente, em mulheres altamente desprotegidas e susceptíveis de contrair a infecção (normalmente prostitutas ou toxicodependentes) que aceitam qualquer ajuda que lhes permita diminuir a probabilidade de isso lhes acontecer. Vários estudos que testavam vacinas para o VIH foram cancelados por não respeitarem qualquer norma ética estabelecida internacionalmente e colocarem as mulheres que se sujeitavam a este estudo em elevado risco de serem infectadas.

A maioria dos ensaios clínicos é realizada nos países em desenvolvimento onde os mais pobres, sem acesso a quaisquer cuidados médicos, são usados como cobaias para testar novos medicamentos.

VIH/SIDA: uma infecção que afecta mais as mulheres e os mais desfavorecidos

Apesar do slogan espalhado de que “a SIDA não escolhe, afecta todos” a verdade é que a nível mundial as mulheres representam cerca 51% dos infectados e que as maiores taxas de infecção são registadas nos países mais pobres da América Latina, África e Extremo-Oriente. A situação mais dramática regista-se na África Subsaariana em que mulheres e meninas chegam a ser 2 a 5,5 vezes mais afectadas que os homens em consequência das desvantagens sociais, económicas e legais. Na Ásia, a Tailândia é um dos países em que as mulheres se encontram numa situação mais fragilizada (é também um dos locais onde se realizam mais testes de vacinas contra o VIH) por causa do tráfico sexual.

Nos países ricos as diferenças no acesso a tratamento (fármacos anti-retrovirais) e à prevenção da SIDA também são marcadas por questões de classe. Segundo a própria OMS “As minorias raciais e étnicas são mais afectadas pela epidemia [SIDA] (…). Apesar dos afro-americanos representarem apenas 12,6% da população nos Estados Unidos, contam para cerca de 46% dos infectados (…). Os homens afro-americanos têm 6,5 vezes maior probabilidade de serem infectados que os homens caucasianos, as mulheres negras têm 19 vezes maior probabilidade de serem infectadas que as mulheres caucasianas e os índios nativos têm uma probabilidade 7 vezes maior que os caucasianos.”

No que respeita ao acesso à terapia anti-retroviral, as disparidades entre ricos e pobres são ainda maiores. Segundo a OMS nos países ricos onde há muito que os anti-retrovirais estão amplamente disponíveis, o acesso à terapia teve um impacto extraordinário na diminuição das mortes causadas pelo VIH. Já nos países pobres o acesso à medicação fica-se no máximo pelos 54% na América Latina, chegando a ser de apenas 14% no Norte de África e Médio Oriente.

O capitalismo nunca dará saída ao problema da SIDA

Segundo um artigo da revista médica “The Lancet” se todos os doentes fossem tratados com terapia tripla os casos de novas infecções baixariam para metade[1]. Para que tal acontecesse seriam necessários, no mínimo, 25 mil milhões de dólares para os países mais pobres, onde as necessidades são maiores. Essa quantia corresponde a apenas 33% dos lucros das 10 maiores farmacêuticas. A indústria farmacêutica é uma das mais rentáveis do mundo e o negócio da terapia anti-retroviral é um dos que mais dinheiro movimenta. A par disso milhares de pessoas com SIDA morrem sem acesso a qualquer medicação.

Só com a nacionalização da indústria farmacêutica sob o controlo dos trabalhadores é que é possível garantir o acesso de todos à terapia tripla inclusive com menos custos. É importante garantir um serviço de saúde universal e gratuito para que todos tenham acesso a tratamento e acompanhamento. É necessária também que a investigação no domínio da prevenção do contágio e de novas terapêuticas seja pública para garantir que os ensaios clínicos sejam feitos em condições de segurança e não ponham em risco os mais desprotegidos.

 

[1] A terapia anti-retroviral baixa drasticamente o número de virus em circulação diminuindo a probabilidade de uma pessoa VIH+ infectar outra.

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