O governo Sócrates consegue aplicar o seu plano de austeridade e manter-se no poder. Como e porquê?
Dois factos recentes poderiam ter deixado o governo nas cordas: a manifestação convocada pela CGTP com 200 mil pessoas (a CGTP afiançou 300.000, o que duvidamos) a 29 de Maio contra os planos de austeridade e o escândalo envolvendo o governo na tentativa de compra da TVI pela PT com o objectivo de silenciar o jornalismo mais crítico à sua governação. Mas ambos não tiveram o seguimento que poderia ter proporcionado aquele resultado.
Depois de uma manifestação com a envergadura da do dia 29, a CGTP não passou a organizar uma greve geral, a sequência natural no sentido de radicalizar a mobilização contra o governo. Pelo contrário, em vez de subir o tom da luta social, a CGTP recuou, passando a convocar para 8 de Julho um Dia Nacional de Protesto e Luta, com manifestações e paralisações descentralizadas. Esse dia de protesto acabará por funcionar como um encerrar da luta antes das férias de Verão.
Desta forma, a CGTP proporciona uma trégua ao governo, ao contrário do que está a acontecer em outros países da Europa, como a Grécia, que já tem agenda uma nova greve geral para 29 de Junho, a Itália, com greve geral marcada para 25 de Junho, ou mesmo a Espanha, com greve geral convocada para 29 de Setembro pelas duas maiores centrais sindicais, CCOO e UGT, após uma forte pressão pela base para que tomassem tal atitude.
No plano político, o caso PT-TVI, como sequela do Processo Face Oculta, envolveu directamente o governo Sócrates na tentativa de compra da TVI pela PT para impedir a continuidade do jornal editado pela jornalista Manuela Moura Guedes, bastante crítico ao governo. A prova mais evidente desse envolvimento do governo estava nas escutas telefónicas de arguidos do caso Face Oculta, nomeadamente Armando Vara, ex-administrador do BCP, Paulo Penedos, assessor da PT, e Rui Pedro Soares, administrador executivo da PT.
Mas na Comissão de Inquérito formada no Parlamento para investigar o caso PT-TVI, o Bloco de Esquerda, ao lado do PS, recusou-se a consultar a transcrição das escutas enviadas pela Justiça. O relator da Comissão de Inquérito, o nosso camarada João Semedo, chegou a concordar com a proibição do seu presidente, Mota Amaral (PSD), de que houvesse referências às escutas no relatório final da comissão, argumentando que seria um precedente complicado, já que as escutas são “um instrumento de investigação criminal” e que deve haver uma “separação de águas” (TVI/14/5/2010). Manteve essa posição mesmo depois de o Juiz do Processo Face Oculta, António Costa Gomes, ter enviado um despacho à Comissão de Inquérito a defender que o uso das escutas “não afecta o núcleo essencial do direito fundamental à palavra e intimidade da vida privada” e a afirmar que só as escutas permitiriam perceber o que aconteceu no caso PT/TVI. Apenas os deputados Pacheco Pereira (PSD) e João Oliveira (PCP) consultaram os resumos das escutas telefónicas.
Ao recusar-se a consultar as transcrições das escutas telefónicas, o relatório do deputado João Semedo ficou esvaziado, pois não conseguiu provar a ligação do primeiro-ministro ao caso PT-TVI e sequer chegou à conclusão que este havia mentido. “A CPI não dispôs de condições para identificar a fonte particular que esteve na origem do conhecimento do primeiro-ministro sobre o negócio PT/TVI, nem quando tal ocorreu”, reconheceu o relatório de João Semedo. Desta forma, o PSD conseguiu a justificativa que queria para não apresentar uma Moção de Censura ao governo, apesar de o deputado Pacheco Pereira, com base nas escutas, ter concluído que Sócrates não só mentiu quando disse desconhecer a tentativa da PT em comprar a TVI como interveio directamente nesse negócio. Conclusão: a Comissão de Inquérito apenas continuou a “cozer em lume brando” o primeiro-ministro, mas não a ajudar, de uma vez por todas, a parar os seus ataques a quem trabalha.
A esta conduta, deve-se acrescentar, no caso do Bloco de Esquerda, dois factos muito graves. Um deles foi o voto favorável do nosso partido, na Assembleia da República, em Maio, ao empréstimo português à Grécia, no plano de “ajuda” arquitectado pelo FMI e pela Comissão Europeia. A execução deste plano está condicionado ao cumprimento de duras medidas de austeridade contra os trabalhadores gregos e não foi criado para ajudar a economia desse país, mas para garantir o pagamento da dívida grega junto aos seus principais credores, a banca alemã e francesa. O Syriza, da Grécia, e o Die Linke, da Alemanha, entre outros partidos anticapitalistas que integram o Partido da Esquerda Europeia (PEE), do qual o BE faz parte, foram, correctamente, contra este empréstimo.
O outro facto refere-se à manutenção do apoio (cada vez mais injustificável) à candidatura de Manuel Alegre, mesmo depois de esta ser oficialmente apoiada pelo PS; mesmo depois de este candidato classificar as medidas tomadas pelo governo no PEC 2 como inevitáveis, a demonstrar o seu total alinhamento político ao governo PS/Sócrates e à sua política de ataque brutal aos trabalhadores e à maioria da população do nosso País.
A conclusão a que devemos chegar é que não adianta apenas denunciar as medidas do governo, mas é preciso agir de forma consequente para que elas sejam derrotadas, e, para isso, é preciso derrotar o governo. Infelizmente, não vai nesse sentido a política adoptada pela esquerda parlamentar, Bloco de Esquerda e PCP, e pela principal central sindical do país, a CGTP. A direita não quer, por enquanto, a queda do governo, pois este aplica a sua política e a poupa de um desgaste maior. À esquerda, sim, deveria interessar afastar este governo e impedir que a classe trabalhadora pague pela crise.
Para isso, é preciso mudar de rumo: é necessária a unidade da esquerda (dos que são atingidos pelas políticas de austeridade) para acordar um programa de emergência contra a crise; para lutar contra o governo de forma unitária e eficaz; e para organizar uma greve geral dos trabalhadores e popular contra as medidas do governo. O dia 29 de Setembro, escolhido para a greve geral espanhola, deve pois transformar-se num dia de greve geral europeia ou, pelo menos, ibérica, contra os planos de austeridade dos respectivos governos e da Comissão Europeia. É neste sentido que deve caminhar a esquerda.