Acaba de começar o Campeonato do Mundo de futebol na África do Sul. O torneio mais importante do desporto mais popular do mundo. Mas aquilo que poderia ser uma festa de diferentes povos é, em vez disso, um imenso veículo de alienação, com miúdos de 20 e tal anos que “valem” 96 milhões de euros, empresários e magnatas a trocarem entre si milhões que, como sempre, vêm de quem trabalha. Mas não é sempre assim nem tem que ser sempre assim.
O futebol não é só o “ópio do povo”, podendo também ser “o suspiro do oprimido”. Nas bancadas de Old Trafford, estádio do Manchester United, em vez do habitual vermelho, milhares usam orgulhosos cachecóis verde e amarelos, em honra ao equipamento original do clube que foi fundado em 1878 por trabalhadores ferroviários e em protesto contra a administração da família Glazer que dirige o clube. E nem as vitórias dos últimos anos abafam o protesto dos adeptos que, segundo os seus cânticos nas bancadas, querem o clube de volta.
Relvados vermelhos
E há vários exemplos de luta de classes nos relvados. Desde a heróica equipa do Dínamo de Kiev que, com o nome de FC Star, enfrentou em 1942 o Flakelf, uma equipa que representava a força aérea alemã em São Petersburgo para servir de exemplo da superioridade alemã. Foram previamente avisados que deveriam perder. No entanto, apesar de todas as ameaças, venceram 5-3 e, no último minuto, o avançado da equipa soviética, após fintar o guarda-redes alemão, resolve voltar ao meio campo em vez de marcar golo, para maior humilhação nazi. O árbitro, oficial das SS, acabou com o jogo imediatamente. Os jogadores foram torturados (um morreu sob tortura) e enviados para campos de concentração. A história acabou por entrar no imaginário de resistência ao fascismo e ainda hoje, no estádio do Dínamo de Kiev, há uma placa que comemora essa equipa.
Em 2006, a guerra civil na Costa do Marfim parou com o apuramento da sua selecção para o Mundial e, quando Diego Maradona derrubou a Inglaterra em 1986, foi como se a Argentina, durante 90 minutos, tivesse ganho a guerra nas Falkland.
Na África do Sul, a classe trabalhadora vai ver os seus ídolos a jogarem à bola. Com o mundo inteiro a ver, é uma oportunidade única para que se batalhe contra a pornográfica relação entre o dinheiro e o futebol e que, num mundo que vive em guerra e com milhões de explorados, se levantem as bandeiras da justiça e da paz. Para que a bola, um dia, esteja do lado do povo.
Manuel Neves