De olhos bem abertos

A Grécia dá o exemplo

A situação política e económica grega está de tal modo interligada à situação de toda a Europa (desde logo ao espaço da actual União Europeia) que da dinâmica do conflito aberto no seio da nação que “fundou” o mundo ocidental resultará o destino de todos, pelo menos a curto e a médio prazo. E porquê?

A ofensiva do mundo dos negócios, da especulação financeira, da burguesia grega e europeia (principalmente francesa e alemã) sobre as dívidas internas e externas dos chamados PIGS (Portugal, Itália, Grécia e Espanha) resultou em violentos planos de austeridade, agora conhecidos por PECs. Ou seja, trocado por miúdos. Nos EUA rebentou uma mal classificada crise financeira que rapidamente se transformou numa crise económica e que velozmente se alastrou a todo o mundo, incluindo a Europa. Resultado? Os poderosos do globo colocaram os orçamentos dos estados nacionais (os tais Estados que diziam que estavam a atrapalhar a economia) a pagarem as crises do capitalismo moderno.

Em Portugal, por exemplo, durante anos foi-nos vendida a ideia que não haveria dinheiro para aumentar os magros salários dos nossos funcionários públicos (onde se incluíam os professores), mas sempre houve 4.000 milhões de euros para acudir a um banco privado, o BPN que era conhecido por banco laranja, tal a conotação partidária a que estava ligado. O roubo foi deles mas a conta pagamos nós. Na Grécia, algo semelhante se passa com uma diferença: primeiro a sua juventude (2008) e depois a larga maioria do povo resolveu ser actor ou protagonista do seu próprio destino e entrou em cena. Tal como o povo português o fez há 36 anos com a revolução portuguesa de Abril de1974.

Não dizemos que a situação grega seja idêntica à revolução portuguesa, mas convenhamos que não é “normal” um país assistir à convocação e concretização de 5 greves gerais e de enormes (e em alguns casos, a 5 de Maio, de gigantescas) manifestações de rua.

Quando o autor destas linhas aterrou em Atenas e pôde assistir e participar em várias reuniões e actos públicos da esquerda grega notou que é (ainda) “normal” na Grécia o ensino público ser completamente gratuito, um luxo a que os portugueses pagam a 900 euros/ano. E com refeições completamente gratuitas nas cantinas para todos os estudantes. Lá é “normal” as manifestações acompanharem as greves gerais, e começam logo pela manhã cedo. Em Portugal ainda se convocam manifestações (a do dia 29 de Maio) para sábados e na parte da tarde.

A última greve geral convocada em Portugal, em Maio de 2007, não só não foi geral como não contou com nenhuma manifestação de massas a suportá-la nas ruas. E tudo isto porque os seus responsáveis cá o não quiseram. A direcção da CGTP é merecedora do nosso aplauso quando convoca as manifestações como a do dia 29, em que participámos activamente, mas é igualmente merecedora de crítica (ninguém está nunca isento de crítica) quando escolhe os timings errados, como foi o caso em 2007.

Agora voltamos ao mesmo: Portugal está ou não amadurecido para a convocação de uma greve geral? Cremos que sim. Inúmeras lutas e protestos se têm destacado desde o início deste ano e as actuais medidas de saque aos salários de quem trabalha torna urgente um forte protesto nacional.

Na Grécia, a dinâmica dos protestos aponta no sentido de ainda estar longe de recuos. É certo que a última manifestação de massas (a que ocorreu durante a greve geral do dia 20 de Maio) foi bem menor (calcula-se que perto de 85.000 manifestantes) que a do dia 5 de Maio, em que estiveram 350.000 pessoas. Mas atente-se a que foram duas greves gerais num espaço de quinze dias. E, no essencial, a população trabalhadora parou mesmo o fundamental da vida nas cidades.

Só em Atenas pudemos testemunhar que não circulou um só autocarro, nem um só metropolitano, e os transportes são sempre um bom indicador da adesão dos trabalhadores, da sua combatividade e da simpatia do coração da classe trabalhadora à decisão de convocar um greve geral. Podemos discutir se a situação grega já vive uma conjuntura ou etapa pré-revolucionária ou se já esteve ao bordo até de crises deste tipo, como as vividas no verão quente de 1975, em Portugal. Mas o que é inegável é que está longe de se normalizar a situação grega. E se os trabalhadores gregos e a sua juventude persistirem em manter em alta temperatura a resposta às mediadas de assalto aos salários de quem trabalha para pagar crises é porque toda a Europa estará sobre a influência de tão importante processo político.

Gil Garcia

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