arton306

Acordo entre direcções sindicais docentes e Ministério da Educação ajuda política do governo

arton306O acordo assinado no passado dia 7 de Janeiro entre as principais direcções sindicais docentes (FENPROF/CGTP, FNE/UGT) e a ministra da Educação, Isabel Alçada, do governo PS, apesar de ser elogiado e apoiado pela quase totalidade das forças políticas e personalidades de esquerda e direita, deve ser claramente repudiado não só pelos professores e respectivos activistas sindicais – assim como de outros sectores dos trabalhadores – e, ainda, analisado como um importante acontecimento da actual situação política. Este foi um acordo que salvou o essencial da política governamental e mais uma vez ao arrepio da democracia de base.

Uma história de luta e conciliação

A luta unida da classe docente marcou nos últimos anos, de forma decisiva, a resistência do conjunto da classe trabalhadora portuguesa e, em particular, da Administração Pública à ofensiva liberal e feroz do governo Sócrates e da ministra Lurdes Rodrigues com as suas medidas contra a Escola Pública e os direitos e conquistas dos professores.

Foi com razão que aquela resistência foi várias vezes considerada histórica: duas grandes manifestações com cerca de 100 mil presenças, a 8 de Abril e 8 de Novembro de 2008; duas greves com cerca de 90% de adesão a 3 de Dezembro de 2008 e 19 de Janeiro de 2009; uma outra manifestação com 40 mil professores nas vésperas das eleições europeias de Junho passado.

A massiva resposta e a autoconfiança adquirida pela base em luta trouxeram também desconfiança perante as direcções sindicais conciliadoras e burocráticas e a procura e o reforço de alternativas: multiplicaram-se as acções e os movimentos independentes e chegou-se mesmo a realizar uma manifestação independente com 15 mil professores no dia 15 de Novembro de 2008, convocada por diversos movimentos e activistas independentes, o que foi de facto uma excepção à “normalidade” do movimento sindical português das últimas décadas.

É comparando com aquela resistência extraordinária que o acordo de 7 de Janeiro de 2010 deve, em primeiro lugar, ser condenado e combatido; ainda por outras palavras, quem luta mal, quem desmobiliza e até trai mobilizações como fizeram as direcções sindicais dos professores (veja-se o “Entendimento/Memorando” de Abril de 2008), não tem moral para evocar o direito de negociar e fazer cedências.

Naturalmente, tal movimento de luta e resistência não podia deixar de ser o motor da mobilização política nacional contra o primeiro-ministro José Sócrates: o PS perdeu a maioria parlamentar, toda a “oposição” foi obrigada a radicalizar o seu discurso e a evocar os direitos da classe docente (reforçando por esta via os respectivos grupos parlamentares nas eleições de Outubro), e José Sócrates passou a ter que governar em minoria. Na verdade, toda a oposição proclamava então que o seu objectivo era apenas retirar a maioria a José Sócrates, preparando assim a continuidade do seu governo, pois até o Bloco de Esquerda e o PC recusavam apresentar uma alternativa que fosse para além de um “governo minoritário PS”. A oposição tem agora o governo que pediu.

Unidade para salvar a economia dos banqueiros?

Contudo, perante a grave crise económica e social e a explosividade contida numa taxa de desemprego que ultrapassa os 11%, a burguesia e o patronato nacionais e internacionais exigem medidas para salvar o seu capitalismo e não se compadecem com os soluções instáveis e governos minoritários e pressionam no sentido da “pacificação e união de esforços para salvar o país”. Por exemplo, tem sido esta união que, em momentos cruciais, permitiu aos governos PS – na forma maioritária ou minoritária, ora com a ajuda dos deputados “alegristas”, ora com o apoio de todos os deputados do PSD – aprovarem no Parlamento a sua política educativa, nomeadamente a avaliação do seu Estatuto da Carreira Docente (ECD), e a impelir o PSD e o CDS a segurar o governo de José Sócrates, adiando o mais possível o cenário de uma crise política e eleições antecipadas.

Vejamos alguns títulos dos jornais de 16 de Janeiro: “Toda a gente tem de ceder um pedacinho”, Paulo Portas, {Expresso}; “PS e PSD admitem congelar salários da Função Pública”, {Sol}. É esta “união de esforços” que une o CDS, o PSD e o governo PS em torno do Orçamento Geral do Estado (OGE) e o mesmo governo PS com outra área política, sectores da esquerda, em torno da candidatura presidencial de Manuel Alegre. O governo PS agradece e governa.

No mundo laboral e sindical cabe ao PC e ao forte aparelho burocrático da CGTP – e da FENPROF –, que ainda controla e dirige, “resolver” os conflitos latentes, arrefecendo as mobilizações através da negociação, quer dizer, das cedências das reivindicações da classe, procurando assim afastar o cenário de uma radicalização social e crise política e contribuindo, à sua maneira, para uma “solução governativa”.

Os três dias seguidos de greve dos enfermeiros marcados para final de Janeiro, afinal, fazem lembrar que a paz social pode não ser duradoira e o perigo da faísca ainda espreita. Muitos professores já experimentaram aquela “força apaziguadora” ao longo dos últimos anos: veja-se a assinatura do “Memorando/Entendimento” com Lurdes Rodrigues em Abril de 2008, logo após a primeira grande manifestação de 100 mil, e, consequentemente, o atraso das direcções sindicais da FENPROF em aderir ao movimento que se seguiu nas escolas em Outubro do mesmo ano em torno da exigência “Suspensão Já!”; a convocação de um dia de greve de 2 em 2 meses, recusando-se assim a radicalizar a luta; a orientação “Agora a luta está em cada professor e em cada escola” após Lurdes Rodrigues decretar o “Simplex I” e depois das grandes acções unitárias anteriores.

Definitivamente, estes dirigentes não merecem a extraordinária mobilização da classe que varreu o país nos últimos anos e fica-lhes bem o epíteto de “dirigentes das oportunidades perdidas”. É também,quando comparada com aqueles “memorandos e entendimentos” em plena luta que a sua promessa de que a “luta continua” – parangona a que recorrem particularmente agora para se protegeram das críticas e denúncias – não merece nenhuma credibilidade.

Governo cede para salvar a sua política

O acordo de 7 de Janeiro é mais um episódio daquela estratégia e também uma expressão da natureza das direcções sindicais reformistas integradas no actual regime democrático burguês, que fazem do apaziguamento da luta, negociação e cedências a sua principal política. É verdade que, perante a ausência de uma alternativa combativa, a força da classe manifesta-se – e assim sucedeu também durante a luta e em particular neste acordo, naturalmente de forma distorcida e enfraquecida – através daqueles aparelhos burocráticos, que assim podem se apresentar perante a classe e distribuir as cedências do governo.

Entretanto, e por agora, aqueles dirigentes podem aspirar a alguma tranquilidade, pois, ao contrário da reacção da maioria da base contra o “Entendimento/Memorando” de Abril de 2008, é difícil que tal movimento se repita, desta vez contra este acordo por causa da sua própria influência desmobilizadora, das medidas divisionistas desde já inseridas no acordo ou que foram sendo, apesar da luta, aplicadas durante o consulado de Lurdes Rodrigues e, finalmente, por causa do relativo refluxo da situação política global. Infelizmente, é esta dificuldade da base que afinal pode dar credibilidade ao propósito e declaração dos dirigentes sindicais que “com este acordo entrou-se numa nova fase, a da negociação” ou mesmo, como diz António Avelãs, presidente do SPGL, de “pacificação relativa” (Editorial do Jornal do SPGL de Janeiro).
 
Por seu lado, o governo de José Sócrates teve que ceder, como vinha fazendo desde o “Simplex I” e como fez ainda mais com a versão última do ECD de Lurdes Rodrigues (DL 270 de 30 de Setembro passado) no momento em que estava a ser derrotado nas urnas pela mobilização político-eleitoral. Cedeu agora, e vinha cedendo anteriormente (toda a gente se recorda dos vários ajustes e “simplificações da avaliação” que sucessivamente vinham sendo introduzidas no ECD de Janeiro de 2007 de Lurdes Rodrigues e da confusão e situações díspares que provocavam nas escolas), por causa da mobilização da classe docente, do seu eventual “mau exemplo” para outros sectores sociais atacados pela feroz política liberal e, como dissemos acima, para dar o seu contributo para a tal “união de esforços para salvar o país”. Isto é, prevenir o mais possível eventuais crises políticas graves.

A perspectiva de um governo minoritário no Parlamento no meio de uma profunda crise económica impeliu-o ainda mais para novas cedências e negociações: abandonou a contingentação e a divisão professores-titulares, alguns milhares de professores dos últimos escalões subirão no índice de vencimentos, etc. Isabel Alçada, a personalidade escolhida para aplicar na Educação e na nova fase política o velho economicismo de Sócrates, sossegaria os defensores mais radicais da contenção das despesas em entrevista ao jornal I do dia 10: “É perfeitamente sustentável o aumento da despesa pública derivado deste acordo”. Ou seja, cedeu, mas salvando o essencial do seu “economicismo liberal e duro” que nos últimos quatro anos fez com que as condições de trabalho tivessem piorado para a generalidade dos professores.

O acordo de 7 de Janeiro

O terreno político para o acordo vinha sendo preparado desde há algum tempo: enquanto José Sócrates despedia a “dura” Lurdes Rodrigues e chamava ao governo a “sorridente” Isabel Alçada, os dirigentes sindicais baixavam, durante todo o primeiro período, o tom das exigência e não promoviam nenhuma acção de luta.

É importante referir novamente que o governo PS de “maioria absoluta” e Lurdes Rodrigues, apesar do seu discurso duro e antinegocial, vinham desde há algum tempo cedendo e alterando o ECD original de 2007, ainda que em aspectos secundários, e que foram reconhecidos na negociação de Janeiro de 2009, procurando dividir a classe docente e travar o ímpeto da luta, e reconhecer de forma concreta o papel decisivo daquela, colocando no seu devido lugar o papel das direcções sindicais, que tudo fazem para se apresentarem como os seus únicos e absolutos representantes e por isso assinam acordos conciliadores sem consultar a classe.

Assim, e referindo-nos apenas ao DL 270 de 30 de Setembro (sim, publicado duas semanas antes da derrota de 11 de Outubro) o índice de topo passou de 340 para 370 (mais 270€); o tempo de serviço exigido em cada um dos módulos iniciais foi diminuído; os professores que não teriam vagas na categoria de titular por força da famigerada divisão e quotas e que tivessem feito a candidatura evoluiriam para o mesmo índice que o “professor 1º titular”.

Como já dissemos, a derrota da anterior maioria e as exigências da nova situação social e política obrigaram o governo a ceder ainda mais. Assim, a divisão imposta ao sector pelo ECD de Lurdes Rodrigues entre “professores” e “titulares” que foi politicamente desbaratada nas ruas e escolas, e as respectivas quotas para a transição ao 7º e seguintes escalões a decretar anualmente por despacho do Ministro das Finanças e que deveriam travar a progressão a mais de 60% da classe, desapareceram para dar lugar a um novo sistema de quotas cujos efeitos de travagem podem durar no máximo 3 anos nos momentos da transição para o 5º (50%) e 7º (33%) escalões; uma parte dos professores que já deu aulas ficou dispensada da prova de ingresso na carreira, embora se mantenha esta medida de Lurdes Rodrigues; os professores avaliados com “Muito Bom” ou “Excelente” em dois anos seguidos beneficiarão de acelerações de 6 meses a 1 ano no escalão seguinte; os professores actualmente colocados nos últimos escalões da carreira beneficiarão de um impulso significativo, aproximando-os do índice de topo (aberto pelo tal DL de 30 de Setembro…) ou mesmo garantindo que aqueles que se aposentarem nos próximos anos e que estão naquelas situações poderá fazê-lo com aquele índice.

Mas Isabel Alçada, José Sócrates e o cortejo dos defensores da austeridade para a educação pública e quem ali trabalha podem continuar sorridentes, pois o essencial da sua política economicista mantém-se – agora coberta com o acordo das organizações sindicais – e clamar por vitória especialmente se se recordarem o pesadelo das históricas e unitárias mobilizações dos últimos anos que tornaram as escolas quase ingovernáveis e penalizaram irremediavelmente o governo liberal de turno, visto que:

O novo sistema de quotas aceite como uma vitória pelos dirigentes sindicais impõe agora uma travagem de 0 a 3 anos (com os correspondentes ganhos para os cofres do governo) para os acessos aos 5º e 7º escalões para 60 mil ou 70 mil professores (cerca de 54% ou 60% dos inseridos na carreira…) conforme se situam neste momento relativamente àqueles escalões, e mesmo mais se contarmos com a entrada futura na carreira de novos professores. Recorde-se que no ECD de Lurdes Rodrigues a progressão até ao 6º/7º escalão estava livre de quotas, embora sujeita ao burocrático sistema de avaliação cuja essência divisionista mantém-se;

Os professores que conseguirem escapar à “travagem” alcançarão o topo da carreira ao fim de 34 anos de serviço, mais 7 anos que a carreira existente até MLR e mais 2 que a desta, ou mesmo 40 anos se o governo de turno assim decidir e forem travados ao máximo nos dois momentos (mais 2 x 3 anos…). Contudo, para os milhares de professores contratados que por casua da precariedade vêem cada ano da sua vida profissional contar como tempo inferior de serviço efectivo, o topo – e as famosas vantagens do acordo. – não deixará de ser uma miragem;

Com o reposicionamento nos escalões da nova carreira milhares de professores perderão (mais uma vez…) vários anos de serviço;

As sementes da divisão da classe continuarão a germinar por efeito nas novas “categorias” de “professores muito bons e excelentes” e respectiva corrida para as suas contrapartidas e avaliações que as garantem;

Os professores contratados, nomeadamente os jovens, que estão neste momento fora da carreira e que com o acordo ficaram dispensados da prova de ingresso, não deixarão por isso de permanecerem na instabilidade e precariedade pois não foi decidida nenhuma obrigação formal de o governo abrir as correspondentes vagas;

Os 2 anos e meio de trabalho perdidos pelo famigerado congelamento ocorrido entre Agosto de 2005 e Dezembro de 2007 para o sector docente e restante AP, continuarão congelados.

É deplorável, e denunciamos como estranho a um movimento sindical de base e unitário, que as cedências governamentais perante um sector da classe, ou as promessas a alcançar daqui a 15-20 anos, sejam considerado pelos dirigentes sindicais como uma vitória ou conquista, apesar do retrocesso imediato das condições de trabalho para a maioria e da luta exemplar e verdadeiramente unitária dos últimos anos da esmagadora maioria da classe.
 
Prosseguir a luta construindo uma alternativa às direcções conciliadoras

A principal contrapartida que as direcções sindicais deram ao governo em troca das suas cedências foi o seu compromisso e maior envolvimento para com “a nova fase de negociação”, quer dizer, a garantia de que se esforçarão para fazerem parte da “pacificação das escolas” e integrarem, assim, o tal “esforço comum para salvar o país da crise”. Por isso a sua promessa de que a “luta continua” são palavras ocas usadas para esconderem mais esta capitulação, de quem não hesitou em pactuar com Lurdes Rodrigues em Abril de 2008 para a pacificação das escolas logo após a então primeira grande manifestação de 100 mil professores.

E tal como aquele “Memorando/Entendimento” acabou por ser derrotado pela mobilização da classe nas escolas, e apesar de termos consciência de que o ânimo da classe é actualmente mais recuado que então e que os termos do próprio acordo estão desde já a contribuir para a desmotivação, apelamos novamente ao conjunto dos professores a repudiar este acordo e retomar as bandeiras que uniram na luta milhares de professores: uma só classe, uma só luta, uma só carreira sem quotas e sem professores de primeira ou de segunda, uma Escola Pública solidária, democrática e justa… Este repúdio deve-se concretizar nas diversas formas democráticas possíveis: abaixo-assinados, declarações, referendos e votações por escola ou mesmo a nível de cada sindicato.
 
Apelamos igualmente a todos os activistas de base dos diversos sindicatos da FENPROF e movimentos independentes de professores para convergirem para esta mobilização da base e nas escolas e construírem uma plataforma reivindicativa e de acção que inclua não só o repúdio deste acordo e a luta por uma carreira sem quotas e sem prolongamentos artificiais e economicistas, mas também a revogação do decreto sobre a gestão das escolas que impõe os directores, a diminuição dos alunos por turma que obrigue o governo a criar novos postos de trabalho e vagas nas escolas para mais professores dando assim um passo importante na construção de uma escola pública de qualidade mais democrática e mais justa, a contagem de todo o tempo de trabalho, a exigência ao governo de medidas para uma solidária, democrática e mais justa, etc.

Um Encontro Nacional de Activistas Anti-Acordo seria um passo importante na mobilização da classe, na construção daquela plataforma e de um movimento unificado de luta alternativo às direcções sindicais tradicionais, imprescindível para levar à vitória as futuras mobilizações.  

Enquanto militantes bloquistas apelamos aos restantes camaradas professores bloquistas para juntos não só mobilizarmo-nos com a classe contra este acordo, como também para construir nas escolas um movimento de luta que quebre de vez o ciclo do mal menor que recua constantemente perante as políticas liberais e práticas burocráticas desmobilizadoras que têm levado à vitória os inimigos dos direitos de quem trabalha nas escolas e da própria Escola Pública.

Eduardo Henriques,
ES Emídio Navarro, Almada

Anterior

A luta dos professores deve esperar pelas eleições?

Próximo

Qual a resposta do movimento sindical docente a mais uma ofensiva do governo?