“A existência de uma corrente trotskista ortodoxa é um facto”: intervenção de Nahuel Moreno na Conferência de Fundação da LIT-QI (1982)
“Que Lambert [Pierre Lambert (1920-2008), dirigente trotskista fundador da corrente que em Portugal é representada pelo POUS] e Mandel [Ernest Mandel, (1923-1995), dirigente trotskista fundador da corrente que em Portugal é representada pela APSR] possam fazer o que estão fazendo na França se deve a que nossa corrente internacional não seja muito forte, mas não que não seja necessária. Ao contrário, é indispensável.
Uma política trotskista consequente não pode ser aplicada na França ou no Peru pela debilidade da Internacional e de sua direção e pelo revisionismo de Lambert e Mandel. Para responder a estes desafios é necessário mais do que nunca uma organização com uma direção internacional. E agora passemos ao problema dos erros.
Muitos dizem: “Equivocaram-se muito, quem nos garante que não se vão equivocar novamente”? Olhemos os factos porque, como todo marxista, começamos deles. Equivocamo-nos muito, é um facto, e vamos nos equivocar muito, o que também é outro facto, não uma hipótese ou futurologia. Garanto que como direção internacional e, como direções nacionais, continuaremos a errar. Se alguém acha que não será assim, lamentamo-nos por ele. Nós não fazemos demagogia: vamos errar. Menos que antes, mas nos equivocaremos. Disso estou seguro.
Achamos que temos uma direção superior à que tínhamos antes, mas não nos peçam a garantia de não nos equivocar bastante. Essa garantia poderia ser dada por direções trotskistas que tomem o poder à frente de grandes partidos, mas não nós, produtos da crise da Quarta [Quarta Internacional]. O nosso mérito é ter resistido – mau ou bem – à ofensiva revisionista. Somos marxistas e não cremos em bruxas nem em milagres.
Para dar somente dois exemplos do Cone Sul, na Argentina tivemos grandes possibilidades de fazer um forte partido e não pudemos, pelos graves erros que cometemos; no Peru ocorreu o mesmo. Não sei se o companheiro Napurí [Ricardo Napurí (1924), militante trotskista peruano] compartilha esta opinião. Corretamente, o companheiro insistiu na força da Vanguarda Revolucionária. Eu o corroboro.
Se Napurí, quando dirigia a Vanguarda, fosse trotskista e se tivesse uma verdadeira Internacional, o poder no Peru já teria sido tomado. Algo parecido ocorreria na Argentina se tivéssemos visto a importância do partido trabalhista, nos anos 45.
Naquele ano ocorreram quatro fenómenos sociopolíticos: a liquidação do sindicalismo estalinista e socialista e o surgimento do sindicalismo peronista; o surgimento de um partido trabalhista, de uma esquerda socialista e de uma grande esquerda estudantil. Destes quatro fenómenos decisivos, só vimos o do sindicalismo peronista e nenhum dos outros três. Eu fui contra o partido trabalhista porque considerava que se tratava de um partido conservador. Isto é, sou o responsável por não ter visto três processos fundamentais, perdendo assim oportunidades decisivas.
Devemos reconhecer os erros que cometemos para que os jovens trotskistas aprendam a pensar e a nos criticar com sua cabeça, sem deixar por isso de nos respeitar. E, nesse sentido, reivindicamo-nos, porque desde jovenzinhos fizemos uma propaganda “subliminar” em relação a isto. Então não víamos os novos problemas, salvo exceções.
De facto, a IV Internacional não existia para nos apoiar e nos orientar. Felizmente demo-nos conta de nossa orfandade e incapacidade para dar respostas corretas e rápidas. Por isso, chamávamos a nossa formação e o nosso trotskismo de “bárbaros”. Formamo-nos num país semicolonial localizado num canto do mundo, que não era centro revolucionário nem cultural, como a China e a Europa. Existiam poucos livros marxistas em espanhol quando começámos.
Seja como for tivemos um verdadeiro sentido das proporções. Víamo-nos como éramos: uma insignificância no movimento trotskista. Talvez o que mais nos tenha assustado foi ler e ouvir Posadas [J.Posadas (1912-1981), trotskista argentino]. Ele era um ignorante e medíocre, bem mais que qualquer um de nós, e se dava ao luxo de falar sobre tudo, sobre os valões e flamengos ou sobre a lei da relatividade, convencido de que tinha uma razão absoluta. Assustamo-nos e dissemos: devemos tratar por todos os meios de não nos transformar jamais em idiotas como Posadas, que não sabe nada e se acha perfeito.
Depois fomos conhecendo os grandes dirigentes trotskistas. Os do SWP [partido trotskista norte-americano], que admirávamos tanto, nunca mencionavam seus erros. A sua história era a de uns génios, cheios de acertos, Mandel atuava de forma similar. Os dirigentes do movimento trotskista mundial consideravam-se colossos que não erravam nunca. No entanto, o trotskismo, dirigido por eles, era lamentável.
Resolvemos, então, inverter o problema: trataríamos de preparar a mentalidade dos que vêm ensinando-lhes os nossos erros, as nossas colossais limitações. Mudamos por isso a forma de fazer a história de nosso partido, para assim obrigá-los a pensar por conta própria. Os partidos e as direções faziam a sua história para demonstrar que sempre acertavam. Nós a fizemos mostrando a enorme quantidade de erros cometidos.
Por isso, os cursos sobre o PST argentino dividem-se por erros e não por acertos: a etapa centrista pequeno-burguesa (em 1948); a 2ª etapa, propagandista, sindicalista e sectária no terreno nacional; e assim sucessivamente. Definições todas negativas, porque achamos que progredimos através de superações e negações.
Esta experiência aborrecida de andar sempre entre génios levou-nos a fazer propaganda indireta sobre a nossa base para convencê-la por todos os meios que nos equivocamos muito, que devem pensar e pensar por conta própria, já que a nossa direção não é garantia de genialidades. Queremos, por todos os meios, inculcar-lhes espírito autocrítico, marxista e não unção religiosa para uma modesta direção, provinciana por sua formação e bárbara por sua cultura. Por isso, cremos na democracia interna e a vemos como uma necessidade tremenda.
Vivemos e aprendemos muito batendo contra a parede. Um processo muito parecido ao de Napurí, mas dentro do trotskismo. Avançamos através de erros e de golpes. Não temos vergonha de dizer. Mas por isso, não nos peçam, à nova organização nem à sua direção, que acertemos sempre, porque vamos nos equivocar, e muito.
O problema é, qualitativa e quantitativamente, de que maneira se cometem menos erros. A meu modo de ver, a marcha é de cada vez menos erros dentro de uma organização internacional, com uma direção e sobre a base do centralismo democrático. Isso sim para mim é um facto. Afirmo categoricamente que todo partido nacional que não esteja numa organização internacional bolchevique, com uma direção internacional, comete cada vez mais erros e um erro qualitativo: todo nacional-trotskista termina inevitavelmente renegando a IV Internacional e passando a posições oportunistas ou sectárias, para depois desaparecer. Ou se é trotskista e se vive numa internacional ou se desaparece.
Nín [Andrés Nín (1892-1937), revolucionário catalão] achava-se um marxista revolucionário, mas, por ser nacional-marxista, levou o POUM (Partido Obrero de Unificación Marxista) à liquidação. Os seus 30 ou 40 mil militantes, hoje em dia, onde estão? Em troca, os dez trotskistas espanhóis filiados à Internacional no fim dos anos 30 multiplicaram-se, existem.
O trotskismo internacional é uma realidade. Débil, com uma infinidade de erros, mas existe graças ao método, ao programa e à organização. Porque não pode haver programa em abstrato, como não pode haver um ser humano com cérebro e sem corpo.
Resumindo: não pode existir um programa internacional sem partido do mesmo tipo. A fundação da Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (LIT-QI) é a mais urgente e imperiosa de nossas necessidades. Se não a fundássemos, isso significaria que o revisionismo internacional está organizado, estruturado no SU [Secretariado Unificado, antiga direção da Quarta Internacional] ou ao redor de Pablo [Michel Pablo (1911-1996), trotskista grego] e Lambert, enquanto nós, os trotskistas ortodoxos, não estamos. Seria uma forma de facilitar o triunfo do revisionismo e de assegurar a nossa derrota, já que sem organização centralizada não há nenhuma possibilidade de derrotar os nossos inimigos revisionistas e muito menos os grandes aparelhos burocráticos.”
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