Catalunha: Um voto crítico na CUP

Entre as diferentes candidaturas que se apresentam às eleições catalãs, a CUP-AE (Candidatura de Unidade Popular – Alternativa de Esquerda) é a mais à esquerda. É uma candidatura que não carrega o estigma de ter participado em qualquer governo e a que receberá o voto radical e combativo de uma parte importante da juventude do país. É por isso que Corrent Roig (Corriente Roja), ante a necessidade de repudiar o espanholismo reacionário e de impedir a maioria absoluta de Artur Mas, chama a votar “contra os cortes e pela autodeterminação” e, em particular, pela CUP-AE, a candidatura da esquerda independentista [na foto, a assembleia nacional da CUP-AE em Molins de Rei, realizada em outubro deste ano, que decidiu pela participação à eleições ao Parlamento da Catalunha]

Um voto crítico na CUP

Temos muitas reivindicações comuns com os companheiros e companheiras da CUP e um longo percurso para continuar lutando juntos (contra os cortes e em defesa dos serviços públicos, pela suspensão do pagamento da dívida pública aos banqueiros, pelo direito à autodeterminação, em defesa da língua, contra a opressão patriarcal …). Damos o nosso voto à CUP, mas não queremos deixar de lado as importantes diferenças que nos separam.

Há companheiros e companheiras que pensam que exageramos nessa demarcação ou procuramos diferenças a qualquer custo. Não é esta nossa intenção. Pelo contrário, se propomos estes pontos é porque estamos convencidos que os problemas de programa e de estratégia acabam passando faturas muito pesadas.

A CUP e a União Europeia

Um primeiro aspeto que acreditamos essencial clarificar é a atitude da CUP em relação à União Europeia. Acima de tudo, a soberania catalã, a atual catástrofe social, o futuro da classe trabalhadora e o destino de Europa dependem da saída da crise da UE.

Antes de mais nada temos que dizer que nos alegramos muito quando lemos no programa da CUP-AE que a candidatura “recusa fazer parte da União Europeia, do Euro, da NATO e do “Euroexército”. É importante esta rejeição quando Artur Mas não se cansou de repetir que o seu projeto de Estado próprio baseia-se na permanência na UE e que sem isso não faz sentido e teria que o revisar. É importante porque o Estado próprio de Mas não é outra coisa que uma falsa independência, uma mudança de amo, um passar a receber diretamente as ordens de Berlim e Bruxelas. O projeto de Mas só favorece a uma pequena minoria e implica duas coisas: uma, que a soberania catalã ficaria anulada, reduzida a uma caricatura grosseira, e duas, que a espiral infernal da atual catástrofe social continuaria sem travão.

O referendo de Artur Mas: “A única fração de segundo em que coincidiremos”

O problema surge quando se trata de concretizar o programa. Estamos a referir-nos às declarações que David Fernández, cabeça de lista da candidatura por Barcelona, fez a 6 de novembro à publicação O singulardigital.cat. Quando o jornalista lhe questiona: “Se a pergunta no referendo fala da Catalunha como novo Estado da União Europeia, apoiariam o governo na consulta?”, responde: “Primeiramente, sim, votaríamos que sim, mas não com Mas, mas junto ao nosso povo”.

Poder-se-ia pensar que estas declarações, contraditórias com o programa, significam um lapso do candidato, mas não parece este o caso quando têm sido reiteradas sem nenhuma retificação pública. David Fernández deu a mesma resposta ao diário Ara de 22/10 e repetiu-a quatro dias mais tarde à publicação eletrónica sintesisianalisis. Nos dois casos assinalou que “será a única fração de segundo em que coincidiremos com Mas”. Na realidade, a resposta de David Fernández concretiza de maneira explícita o que o diário de campanha da CUP-AE deixa mais nebuloso: “Não seremos um obstáculo para a convocação de uma consulta ou referendo ainda que não se faça nos termos de nosso projeto político, mas não daremos um cheque em branco na forma de um ‘Sim’ incondicional”.

David Fernández fala de uma “fração de segundo”, mas é justo a que marca a independência política de uma organização.

Então os ativistas poder-se-ão perguntar legitimamente qual é a utilidade do programa se na hora da verdade, em nome de uma independência formal, a CUP cede no fundamental e acaba cobrindo pela esquerda a falsa independência de Artur Mas. Em vez de votar “Sim” com Mas durante essa fatídica fração de segundo não ter-se-ia que denunciar o seu referendo como uma fraude em que a única opção que se oferece é continuar como agora ou nos convertermos numa província de Berlim e Bruxelas? Não poder-se-ia, por exemplo, ir a um grande embate político e criar um grande movimento pela base, com o sindicalismo combativo, os estudantes, os movimentos sociais, os bairros e povos, para organizar uma consulta alternativa onde o povo pudesse optar realmente entre as diferentes alternativas?

Estaremos a favor do novo Estado, pedimo-lo, mas como passo transitório”

Mas o problema vai para além do referendo. De facto, David Fernández declarou à publicação sintesisanalisis: “estaremos a favor do novo Estado, pedimo-lo, mas como passo transitório”. Mas então como encaixa isso com a “rejeição a fazer parte da União Europeia”?

De facto, o próprio confronto com a UE fica muito matizado. Há um abismo entre o diagnóstico (“uma Europa de bandidos com gravata, profundamente antidemocrática”, “uma máquina de guerra neoliberal”) e a alternativa que propõe: não a sua destruição, senão a sua reforma num sentido democrático: “estamos por outra União Europeia que traga a democracia não só aos povos da Europa, mas de todo mundo”,

Mas esta é, na realidade, a postura tradicional de forças como ICV (Iniciativa per Catalunya Verds) ou IU (Izquierda Unida), que criticam à UE, mas reconhecem sua legitimidade e pedem uma reforma impossível. Desde outro ponto de vista, é também a posição da esquerda abertzale, que reconhece à UE e propõe o Estado basco como parte integrante (também se negou a secundar o 14N, a primeira greve geral com carácter europeu). Mas não têm sido suficientes todos estes anos para deixar em absoluta evidência que a UE é um arma de guerra do capital impossível de reformar a nosso favor e que tem que ser destruída se queremos evitar a catástrofe e construir uma Europa dos trabalhadores e dos povos?

“Defendemos a permanência dentro do euro, mas não a qualquer preço”

Mas a coisa não acaba aqui, porque ao posicionamento sobre a UE se acrescenta outro, saído do mesmo molde, sobre o Euro: “defendemos a permanência dentro do euro, mas não a qualquer preço” (entrevista a sintesisanalisis). Também neste caso estas declarações teriam podido vir de políticos como Joan Herrera ou Cayo Lara, experientes em jogar com as palavras.

Mas o euro não é um instrumento neutro, senão uma peça central da hegemonia do capitalismo alemão e do submetimento da periferia europeia. Para o capital financeiro espanhol e catalão, o euro é uma condição necessária para manter-se como sócios menores e continuar rapinando. Para a classe trabalhadora da periferia, ao contrário, a permanência no euro implica um retrocesso social traumático de 50 anos.

Por outro lado, alguém pensa que é possível avançar numa reivindicação essencial para parar os cortes, como é a suspensão do pagamento da Dívida pública ilegítima aos banqueiros, sem se propor a rutura com o euro e a UE? Não há taticismo que valha. Tem-se que romper com o euro, e quando dantes o façamos, mais sofrimentos pouparemos.

A aliança com os povos do Estado Espanhol, a unidade da classe trabalhadora e e luta por uma Europa socialista

Pelo nosso lado, pensamos que a rutura com a UE é condição necessária para a libertação social e nacional, mas não é condição suficiente. E não o é porque neste mundo globalizado e sob o domínio imperialista, nem um só de nossos grandes problemas têm saída no marco nacional, senão no marco europeu (e mundial). Artur Mas, com seu Estado próprio da UE, expressa-o desde o ponto de vista da burguesia e nós o temos que fazer desde o ponto de vista da classe trabalhadora: levantando a bandeira da destruição da UE e a construção de uma Europa socialista dos trabalhadores e dos povos. Só em seu seio o povo catalão poderá desfrutar de soberania real, progresso e uma vida social plena.

Mas esta não é nenhuma tarefa à margem da classe trabalhadora e dos povos do resto do Estado espanhol. A batalha pelo direito à autodeterminação e a República Catalã é parte da luta comum para derrubar o regime surgido da Transição e por levantar uma União de Repúblicas ibéricas, comprometida na batalha por uma Europa Socialista.

A luta pelo direito à autodeterminação (isto é, pelo direito à secessão) não é um elemento separador senão a base democrática sobre a qual construir a unidade dos trabalhadores catalães e do resto do Estado e assegurar a fraternidade entre os povos.

Confundir à classe trabalhadora e os povos do Estado com a classe dirigente espanhola, esquecer os vínculos de luta tecidos ao longo da história e a própria origem da maioria da classe trabalhadora catalã, desconhecer a necessidade vital de combater unidos contra aqueles que nos condenam à miséria social, seria uma aberração imperdoável.

Debates fundamentais que é preciso aprofundar

É possível que sectores da CUP defensores da Frente Patriótico com a burguesia catalã considerem que estas apreciações não merecem maior consideração. Pensamos, no entanto, que não será o caso daqueles que se reivindicam da tradição comunista.

Cremos, além disso, que desde esta tradição há toda uma série de pontos que merecem debate e reflexão. Antes de mencioná-los, queremos esclarecer que quando dizemos tradição comunista nos referimos à tradição de Lenine e da Terceira Internacional enquanto ele viveu e não à brutal degeneração estalinista posterior, antítese do leninismo.

Um dos pontos de reflexão é sobre o que entendemos por socialismo: se estamos a falar de algum tipo de “socialismo num só país”, neste caso restrito ao âmbito dos Países Catalães, ou de um regime social que só faz sentido e futuro como socialismo internacional, começando por uma Europa socialista. O desastre resultante das experiências estalinistas de “socialismo num só país” demonstra à exaustão a sua inviabilidade histórica.

Outro aspeto deste problema é se entendemos que a transformação socialista da estrutura produtiva passa por “instalar os trabalhadores nos conselhos de administração das empresas onde trabalham. E por fomentar o cooperativismo”, como diz o diário de campanha da CUP (“Cap als Països Catalans que anhelem”). Ou se passa, ao contrário, pela expropriação do capital, a nacionalização dos grandes meios de comunicação e transporte, o controle operário da produção e o planeamento económico democraticamente centralizado. Seria conveniente, neste sentido, recuperar as polémicas de Rosa Luxemburgo com Eduard Bernstein (“Reforma ou revolução”) contra as teses reformistas deste teórico social-democrata, defensor da transformação gradual e pacífica do capitalismo através de uma combinação entre luta parlamentar e cooperativismo.

Inseparável do que entendemos por socialismo é a estratégia para chegar a ele: se é através de uma evolução pacífica e progressiva, baseada numa combinação de “democracia municipalista”, parlamentar e “participativa” ou se é mediante uma estratégia leninista de tomada de poder, baseada na democracia direta das massas trabalhadoras. A resolução do segundo congresso da Terceira Internacional sobre “O partido comunista e o parlamentarismo” é uma boa fonte de inspiração neste debate.

Para concluir, cremos muito importante retomar o debate sobre o património leninista a respeito da questão nacional, um património tão vital como, a nosso entender, escassamente valorizado na esquerda independentista. Uma reflexão necessária sobre como entendem os marxistas revolucionários a relação entre a revolução social e a libertação nacional, sobre o sentido leninista do direito à autodeterminação, a centralidade da classe operária e a batalha intransigente por preservar sua unidade. A mesma formulação de Països Catalans ver-se-ia de forma diferente desde esta ótica.

Felipe Alegría (Corriente Roja)

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