A proposta de orçamento para 2013 apresentada no dia 15 de outubro pelo ministro das Finanças, Vítor Gaspar, é mais uma prova de que a manutenção do governo e da intervenção da troika levarão o país a um beco sem saída. Enquanto o orçamento era entregue no Parlamento, milhares de pessoas manifestavam-se do lado de fora contra mais cortes nos seus salários e pensões. O “Cerco a S. Bento! Este não é o nosso Orçamento!” foi organizado pela Plataforma 15.O e o Movimento Sem Emprego, entre outros movimentos e pessoas.
Tirar dos assalariados para dar à banca e a Merkel
Este é o lema do orçamento do governo: cortar salários e empregos para pagar a dívida pública, isto é, desviar renda obtida com o trabalho dos portugueses para a banca e os patrões, principalmente os dos países mais ricos da Europa. O orçamento 2013 traduz-se num brutal aumento de impostos em sede de IRS (30,7% ou 2.800 milhões de euros a mais do que em 2012); no despedimento de 50% dos funcionários com contratos a prazo (calcula-se cerca de 50 mil pessoas); na redução de 6% no subsídio de desemprego e 5% em caso de doença; na manutenção do corte no subsídio de férias dos funcionários públicos e no pagamento dividido em 12 vezes do subsídio de Natal; na privatização da TAP, ANA e CTT; em cortes nas áreas da saúde, educação e solidariedade e segurança social, enquanto aumentam as verbas para a Defesa; e muitas outras medidas que provocam o empobrecimento da população.
Mas tem mais: ao contrário do que o governo disse, os cortes proporcionalmente maiores provocados pela alterações no IRS penalizarão as famílias com menores rendimentos. De acordo com simulação feita pelo jornal Público, um trabalhador com um dependente a cargo que receba 14 mil euros ao ano (mil euros por mês) terá um desconto de mais 178% de IRS, isto é, passará de 254 para 706 euros de desconto. Por outro lado, um assalariado com um dependente que receba 100 mil euros de renda anual (7 mil euros por mês) terá um aumento de IRS de 21,8%.
Mas tem mais – e, neste caso, o nível de maldade desses verdadeiros psicopatas que governam o país chega a um nível assustador: os mais penalizados serão os pensionistas mais pobres. Ainda segundo simulação divulgada pelo Público, um pensionista que receba 485 por mês e descontou 47,64 este ano vai passar a descontar 175,71, o que representa um aumento de 268,8%.
É praticamente consensual entre os comentaristas económicos e políticos a conclusão de que este novo orçamento repetirá os efeitos do anterior, mas de forma ainda mais agravada: mais recessão, mais desemprego e mais pobreza. Além de não cumprir a meta de 4,5% de défice acertada com a troika e aumentar a dívida pública, que já ronda os 120% do PIB. Conclusão: só serve mesmo para acabar de afundar o país e a população e canalizar os seus recursos para o pagamento de uma dívida que não foi o povo que fez nem usufruiu.
Dentro do PSD, os chamados “barões”, como Manuela Ferreira Leite, continuam a criticar duramente o caminho escolhido pelo executivo de Passos Coelho – mas sem querer romper com a troika e com o mesmo modelo de continuar a pagar a dívida, como é óbvio. A alternativa que apresentam é a renegociação. Aliás, a mesma do PS. Também crítico tem sido o outro nome forte da direita, Bagão Félix, da área do CDS-PP. Paulo Portas chegou a deixar vazar para a imprensa a possibilidade de romper a coligação, mas o certo é que, até agora, fora as suas caretas e a declaração do vice-presidente do CDS-PP a pedir o chumbo do orçamento, não há nada de concreto nesse sentido. O PS de António José Seguro reafirmou o seu voto contrário ao Orçamento, mas não concordou até agora com a participação da UGT na greve geral convocada pela CGTP.
Numa situação extremamente instável, em que o povo está contra o governo e este perde cada vez mais apoios entre a patronal e os políticos da sua própria coligação, tudo pode acontecer de uma hora para outra. Inclusive o chumbo do orçamento, com a consequente queda do governo. Uma hipótese cada vez mais provável, quando até a remodelação do governo, apontada como uma solução pelos seus críticos da direita, deixa de sê-lo quando fica patente que essa remodelação passa pela troca de primeiro-ministro.
O que fazer?
Há uma coisa que os trabalhadores, os pensionistas e a juventude estão a perceber: não dá para dar trégua a este governo até que ele vá embora e carregue a troika junto com ele. Desde a manif de 15 de setembro, a maior desde o “25 de Abril”, até o “Cerco a S. Bento”, a população tem respondido positivamente às várias convocatórias de protesto que lhes têm sido feitas. Ou mesmo organizado outras para demonstrar a sua indignação contra este governo, cujos ministros não podem sair à rua sem enfrentar estrondosas vaias e apupos.
Greves também estão a ser feitas, como as dos transportes (metro, ferrovia e autocarros) e, em especial, a dos pilotos de barra, estivadores e trabalhadores das administrações portuárias, que desde 17 de setembro vêm paralisando os portos portugueses. O seu objetivo é destruir o acordo feito entre o governo e setores sindicais ligados à UGT para reformar o trabalho portuário, de acordo com o acertado no memorando de entendimento com a troika.
O que está a fazer falta para elevar a luta a um patamar mais avançado e encostar o governo à parede é uma grande greve geral em que participe toda a população prejudicada pelas medidas e orçamentos de austeridade, dos trabalhadores organizados aos desempregados e precários; dos pequenos e médios empresários e comerciantes aos pequenos e médios agricultores; dos pensionistas aos profissionais liberais; enfim a larga maioria da população. A CGTP só convocou uma greve geral para 14 de novembro, dois meses após a grande manif de 15 de setembro e depois que o orçamento já tiver sido votado, numa demonstração de que está a reagir frente ao novo quadro político e social da forma rotineira de sempre. Isto é, convoca greves gerais que não servem para nada de concreto, a não ser marcar posição e desgastar uma forma de luta essencial.
Outra debilidade no lado da luta popular relaciona-se com a unidade da esquerda. PCP e Bloco de Esquerda apresentaram de forma articulada as suas respetivas moções de censura ao governo. É certo que foi uma iniciativa importante, mas insuficiente frente à urgência imposta pela nova realidade do país. Enquanto estes dois partidos não se resolverem a deixar de lado as respetivas agendas políticas e organizar a unidade para lutar saltará à vista de todos a falta de alternativa para substituir a rotatividade PS-PSD-CDS-PP no poder. E, diante do vazio, acabará reforçando-se a política do mal menor, isto é, o reforço do PS ou do PSD, consoante qual esteja no poder.
O Congresso Democrática das Alternativas, pelo seu lado, demonstrou, pela grande participação que obteve (cerca de 1.700 pessoas, segundo os seus organizadores), a força do apelo da unidade da esquerda para se criar uma alternativa ao modelo da austeridade e de memorandos com a troika. A principal debilidade deste congresso, como é evidente, foi a ausência do PCP. O MAS esteve presente ao congresso a defender a unidade entre PCP, BE, partidos de esquerda sem assento parlamentar, socialistas e independentes, mas sem o PS, pelo facto deste partido apoiar a intervenção da troika e ter sido responsável pela situação em que se encontra o país.
O calendário de luta
Mesmo que com atraso, a greve geral marcada pela CGTP para 14 de novembro deve ter o empenho de todos para tentar que se transforme numa paralisação nacional e popular contra o governo, a troika e a austeridade. Para antes da greve estão convocados dois protestos pela central sindical: no dia 12 de novembro, para receber a primeira-ministra alemã, Angela Merkel, em Lisboa; e no dia 31 de outubro, data da votação na generalidade do orçamento, em frente à Assembleia da República.
Não podemos esquecer também que não estamos sozinhos nessa luta contra a austeridade imposta pela União Europeia, o FMI e os seus governos lacaios de plantão. Ao nosso lado estão, principalmente, o povo grego e os povos do Estado Espanhol. É preciso organizar com eles, através das suas entidades representativas, ações comuns que darão mais força à mobilização. Não é preciso muita imaginação para descrever o impacto que teria, por exemplo, uma greve geral convocada nesses três países.
Não podemos esperar pela iniciativa do presidente Cavaco Silva para trocar de governo, porque o governo que ele vai querer colocar no lugar do de Passos-Portas não será uma verdadeira alternativa para interromper a destruição do país, mas, sim, uma receita menos desgastada do mesmo princípio ativo: a austeridade a serviço do projeto europeu dos banqueiros e do grande capital. Não podemos esperar que os cálculos políticos do CDS-PP dê sinal verde para a rutura com o governo, a forçar uma remodelação ministerial ou mesmo a sua dissolução, porque vai no mesmo sentido do projeto do presidente.
É preciso forçar, na luta, a queda do governo e da política de austeridade, para substituí-la por uma política de crescimento; de investimento na criação de emprego e no aumento dos salários; de recuperação dos serviços públicos, e não na sua destruição e privatização; no fim dos privilégios e da impunidade dos que roubaram o país com BPNs, Parcerias Público-Privadas e submarinos; na reativação da economia nacional com a nacionalização da banca e dos serviços essenciais. Para isso, é preciso suspender o pagamento da dívida e realizar uma auditoria para verificar como essa dívida foi contraída, quem são os responsáveis por ela e que parte dela deve ser realmente paga. Mantermo-nos na União Europeia e no Euro não pode ser uma desculpa para continuar a austeridade: é preciso discutir, inclusive, as vantagens em manter o país nessas duas instituições, transformadas em verdadeiros tabus por grande parte da esquerda.
É um novo governo, com um programa de corte da austeridade e investimento no crescimento, que precisamos para o país. Um governo de esquerda.