Há várias perguntas impostas pela atual conjuntura. A principal delas é porque o governo de Passos Coelho não cai. Centenas de milhares de portugueses foram às ruas no dia 15 de setembro, na maior manifestação depois do 1º de Maio de 1974 e forçaram o governo a recuar nas alterações feitas no financiamento da Segurança Social e na descida da Taxa Social Única (TSU). No dia 29, outros milhares encheram a Praça do Comércio, em Lisboa, convocados pela CGTP, para novamente demonstrar que não querem este governo nem a sua austeridade. Para que não haja dúvidas sobre o desgaste do governo entre a população, temos ainda as últimas sondagens eleitorais, a revelar uma queda de 12 pontos percentuais do PSD.
É verdade também que o anúncio das alterações na TSU provocou fissuras entre a burguesia e o governo que ainda se mantêm, como o comprovam o “diálogo” entre o consultor para as privatizações, António Borges, a chamar os empresários de “ignorantes”, e o presidente da CIP, António Saraiva, a responder que a maioria das empresas não lhe daria emprego. Até o enfadonho António José Seguro disse que o seu partido votará contra o Orçamento de 2013 e ameaçou com uma moção de censura. Ameaçou, porque entretanto já mudou de ideia e já se disse disposto a manter o “diálogo político” com o governo.
No comportamento do PS e da sua colateral sindical, a UGT – com João Proença a dizer que discorda da palavra de ordem de “Fora com a troika!” porque continuamos a precisar do “apoio externo” – está parte da explicação de porque o governo ainda não está “morto” como pretendeu o deputado Francisco Louçã no Parlamento. Não “morreu” não porque o povo não o queira bem “morto” e “enterrado”, mas porque há ainda quem prefira que Passos Coelho fique por lá.
Querem-no lá como testa-de-ferro da troika não só a Comissão Europeia e o FMI como a banca portuguesa. Sobre este tema o presidente do BPI, Fernando Ulrich, ao considerar “notável” o ajustamento feito pelo governo ao país, foi bastante esclarecedor. O tal ajustamento que se traduziu no corte de mais de 13 mil milhões de euros nas despesas públicas, isto é, nos salários da função pública, na saúde e na educação públicas e nas prestações sociais, merece o aplauso dos banqueiros, mas também da burguesia. A Confederação Empresarial de Portugal (CIP), apesar do seu desacordo tático em relação ao momento da mudança na TSU, cuja redução sempre defendeu, concorda com a austeridade, com a troika e com a destruição das conquistas sociais.
Portanto, temos o PS a querer manter o PSD e o CDS-PP de Paulo Portas no governo a fazer o trabalho sujo, enquanto se recupera do desgaste eleitoral provocado pela governação Sócrates; temos a burguesia a querer o governo lá para fazer com que sejam os trabalhadores e o povo a pagar a crise; por último temos a troika a também querer mantê-lo para que continue a transferir recursos do trabalho – através do pagamento da dívida pública – para o grande capital e a banca, nacional e internacional, leia-se alemã e francesa. Esses senhores só vão mudar de ideia quando a contestação social se tornar de tal ordem que impeça ou atrapalhe a aplicação das medidas de austeridade, como aconteceu com a alteração da TSU. Quando isso acontecer, quando a revolta se tornar “incontrolável”, é que a burguesia não vai querer mais este governo e vai tentar substituí-lo… por um outro do PS, para que tudo permaneça igual.
E aí que entra a esquerda.
Por que razão a CGTP só quer a greve geral no fim do ano? Por que o PCP e o BE não tomam qualquer iniciativa para impulsionar a unidade de esquerda?
No dia 15 de setembro, o poder esteve na rua, numa demonstração do que o povo é capaz quando sabe o que quer. Naquele dia, impôs a rejeição a uma medida que foi a gota de água que acabou de desmascarar o discurso da austeridade, ao tentar a transferência direta do salário do trabalhador para o bolso do capital. Além de manif’s gigantescas em todo o país, tem havido greves importantes (no setor dos transportes, nos portos, na Galp, no setor da saúde, etc) os pequenos empresários e agricultores têm demonstrado o seu descontentamento, as forças de segurança estão a participar ostensivamente dos protestos como ficou evidente no 29 de setembro e não há um ministro que vá para a rua sem ganhar uma sonora vaia. O país está-se a mexer.
Diante desse quadro, o que faz a CGTP? Aponta para uma greve geral para mais de um mês depois do 15 de setembro, para algures em novembro. É caso para se dizer: já vimos este filme antes! Desta forma, o governo ganha tempo para se recompor, e a greve acaba por se transformar num protesto rotineiro em cuja eficácia o trabalhador desconfia. Por que não convocar uma greve geral de dois dias, com a participação do conjunto da sociedade que está contra as medidas de austeridade e o governo que a aplica – trabalhadores, recibos verdes, contratados, pequenos comerciantes, agricultores, desempregados, população nos bairros, etc. -, numa grande mobilização nacional? Porque não organizar assembleias nos locais de trabalho e moradia, ouvir as pessoas e criar movimentos sociais para fortalecer a greve?
Diante desse quadro, o que fazem o Bloco de Esquerda e o PCP? Ambos têm afirmado que é preciso um governo de esquerda, mas que iniciativa tomaram até agora – além dos tradicionais acordos parlamentares – para impulsionar a unidade de esquerda? O atual coordenador do BE, Francisco Louçã, e o futuro, João Semedo, têm dito que querem um governo de esquerda com PCP e PS. Têm o cuidado de dizer que é um PS em rutura com a troika, desafiam o PS para isso. Mas será possível que esses experientes políticos acreditem seriamente na possibilidade de regeneração do PS? O que conseguem com esses apelos além de alimentar a ilusão de que é possível reformar o PS? Ou será que querem repetir a experiência do apoio a Manuel Alegre numa variante de governo?
É preciso intensificar a luta para derrotar o governo
O governo recuou, mas não está morto. Já deixou claro que não haverá trégua: novas medidas serão impostas para, supostamente, compensar a retirada da TSU. Esta e aliás outra das suas mentiras porque o aumento do desconto para a Segurança Social dos trabalhadores significaria uma entrada muito pequena para os cofres do Estado, pois praticamente só serviria para compensar a redução da TSU dos empresários. As novas medidas de austeridade que o governo está prestes a apresentar – como o aumento do desconto no IRS para compensar o corte dos subsídios da Função Pública chumbado pelo Tribunal Constitucional – só servirão para tapar parte do buraco orçamental criado pela recessão e a necessidade de cobrir o défice da Segurança Social.
Esse défice é outra consequência de uma governação desastrosa. Foi o primeiro défice da Segurança Social em 11 anos, e o maior dos últimos 17 anos. Ele foi gerado porque o governo terá de começar a pagar as pensões dos bancários do setor privado, cujo fundo de pensões foi transferido para o estado em 2011 com a finalidade de fazer com que o governo conseguisse baixar o défice naquele ano. O défice estimado para a Segurança Social este ano é superior a 700 milhões de euros. Para encaixá-lo e cumprir a meta acertada com a troika de estabilizar o défice orçamental em 5% do Produto Interno Bruto (PIB) este ano é que o governo acena com novas medidas, pois, só no primeiro semestre, o défice fechou em 6,8%. A crescer está também a dívida pública, que, segundo previsões do próprio governo, chegará a 119,1% do PIB este ano, um aumento de 13,4 mil milhões de euros face a 2011.
Para mandar embora este governo e a troika é preciso que a esquerda mude de orientação. São necessárias lutas ainda mais fortes, com uma greve geral de dois dias que paralise o país e é necessário buscar unidade com as organizações de trabalhadores europeus, nomeadamente do vizinho Estado Espanhol e da Grécia, que também estão a reagir de maneira heroica à investida da troika e dos seus governos. A unidade de esquerda – com BE, PCP, socialistas e partidos e movimentos de esquerda – tem de saltar dos discursos genéricos para a prática e criar uma alternativa de governo para acabar com a destruição do país e recuperar os ideais de Abril.