Neste fim de semana, um soldado americano deixou a sua base em Kandahar, no Afeganistão, para matar 16 civis numa aldeia próxima, nove dos quais crianças. Em Gaza, bombardeios feitos por helicópteros Apache, caças F16 e drones israelitas causaram a morte de 25 palestinianos, entre as quais crianças. A justificativa de Israel foi a habitual: seriam ataques “cirúrgicos” em resposta ao lançamento de morteiros desde Gaza contra Israel, que, como é habitual, não fizeram vítimas. Esta é a rotina da intervenção militar da NATO naquele país da Ásia e de Israel na Palestina ocupada. O terror faz parte da vida quotidiana das suas populações.
Em fevereiro, cerca de um mês antes do massacre em Kandahar, outros soldados americanos haviam queimado exemplares do Corão e, em janeiro, um vídeo causou escândalo ao mostrar fuzileiros navais americanos a urinar sobre cadáveres de militantes taliban mortos. Tudo isso no quadro de um aumento ano após ano do número de vítimas afegãs civis: 3021 civis foram mortos em 2011, mais 231 do que em 2010.
Os mortos civis são o resultado mais cruel da intervenção militar imperialista, mas existem outras consequências. O Afeganistão dez anos após a entrada da NATO é um país devastado. Segundo relatório recente do International Institute for Strategic Studies, quando as tropas da NATO forem embora, o que está previsto para o final de 2014, deixarão um país em que a corrupção atinge todos os escalões do regime, a produção de heroína bate recordes e a dependência da ajuda externa é cada vez maior.
Se no Afeganistão a maioria da população há muito que combate as tropas imperialistas e o governo corrupto de Hamid Karzai, tornando-se em grande medida aliada dos taliban (que na prática controlam uma parte do país), nos Estados Unidos os governos pró-intervenção de Bush e Obama também estão a perder a guerra. Pesquisa recente revelou que 60% dos americanos consideram que a guerra no Afeganistão não vale a pena e quase o mesmo número defende uma retirada antecipada das tropas.
Atualmente, há 90 mil soldados americanos no Afeganistão, dos quais 22 mil sairão ainda este ano. Há divisões dentro do governo sobre o ritmo com que o resto das tropas abandonará o país, inclusive com comandantes militares a defender a permanência, mas Obama sabe que não lhe resta outra alternativa – política ou militar – do que sair do atoleiro antes que este fique insustentável. Mas o problema é que ele quer sair de lá de forma a demonstrar o indemonstrável, isto é, que a intervenção militar foi positiva, que os taliban estão enfraquecidos e que as forças armadas afegãs estão prontas a assumir o controlo militar do país. Na verdade, o xadrez político está a ser jogado nas negociações entre o governo americano e os taliban, com estes últimos a dizer que as negociações para valer só começarão após a libertação dos seus principais comandantes detidos em Guantánamo.
Como analisou o editorial do jornal britânico Guardian em 11 de março, Barack Obama não será julgado tão gentilmente pelo que está a acontecer no Afeganistão como o foi no caso do Iraque. Obama intensificou a guerra no Afeganistão com o envio de mais tropas, continuou com as incursões noturnas e os ataques com drones para matar comandantes taliban cuja presença é necessária para conseguir a paz e apoia um regime em Cabul dos mais reconhecidamente corruptos.
Fábrica de assassinos
Outro aspeto do assassinato em massa em Kandahar é a proveniência do seu autor. O assassino é um homem de 38 anos, sargento do exército, casado e pais de dois filhos. Antes de ser deslocado para o Afeganistão, esteve por três vezes no Iraque, enviado pela base onde estava sediado, a Lewis-McChord, perto de Washington, uma das maiores instituições militares dos Estados Unidos, com 100 mil pessoas, entre militares e civis. Além de grande, a Lewis-McChord é considerada também a base mais problemática do país. Quatro soldados saídos de lá foram condenados, em 2010, por matar civis afegãos de forma sádica e depois fotografar os corpos. Em 2011, pelo menos 12 soldados de Lewis-McChord se mataram.
Obama pediu desculpas pelo massacre, mas os afegãos já disseram que não querem as suas desculpas, mas sim que o assassino seja julgado no país e a retirada imediata das tropas da NATO.