Muita coisa: uma intervenção da troika, um plano de austeridade que deixa o povo e o país cada vez mais pobres, políticos do regime (direita e PS) que dão sustentação à troika e ao plano, uma dívida pública que não para de crescer e cujo pagamento é um verdadeiro aspirador de riqueza, e a luta dos trabalhadores contra tudo isso que está aí.
No que Portugal é diferente da Grécia? O governo grego foi nomeado diretamente pela troika, enquanto o governo português não foi, mas faz tudo o que ela quer; a Grécia já vai no segundo plano de resgate, enquanto Portugal está no primeiro, mas tudo indica que para lá caminha; a economia grega está ainda mais destruída do que a nossa, mas, se os planos de austeridade continuarem a ser aplicados, não tarda muito ficaremos iguais.
Mas há uma outra diferença entre Portugal e Grécia: o nível de contestação popular. Por exemplo, a Grécia realizou no dia 7 de fevereiro a sua primeira greve geral deste ano, mas já teve pelo menos 16 nos dois últimos anos, apoiadas por gigantescos protestos de rua. Portugal fez uma a 24 de novembro do ano passado e outra na mesma data em 2010. Uma por ano.
Mas, poderia-se perguntar, depois de tantas greves gerais, o que é que os gregos conseguiram? Mas a pergunta está mal feita. A pergunta certa seria: se não tivessem feito tanta greve geral (ou, por outras palavras, se não tivessem lutado tanto contra os planos dos sucessivos governos e da troika) como estariam os gregos agora? A resposta é simples: bem pior do que estão e, o que seria mais grave, sem coragem de continuar a lutar.
A luta deles, que é também a nossa, exige muita tenacidade, coragem e determinação; exige saber o que queremos e como conseguir. Os gregos já sabem, pela sua própria experiência, que os planos de resgate da troika só trazem recessão e pobreza; que o pagamento da dívida só serve para transferir a riqueza do país para os banqueiros e os países ricos da União Europeia, como Alemanha e França; que não há outro caminho senão a luta. Mas, e depois? Como derrotar os planos de resgate e expulsar a troika do país? Essa é a questão central, para os gregos, para os portugueses e todos os demais trabalhadores europeus.
Os gregos já tiveram governos da direita (Nova Democracia) e do PS (PASOK) que foram praticamente iguais: lacaios da dupla Merkel e Sarkozy e dos banqueiros. Conseguiram derrubar os dois, mas não conseguiram colocar nenhuma alternativa no lugar. O vazio foi preenchido pelo interventor da troika, o atual primeiro-ministro não eleito Lucas Papademos. Isso apesar de os partidos de esquerda, como o Partido Comunista, a Esquerda Democrática e os que compõem a coligação Syriza, estar a ganhar cada vez mais apoio popular. Uma prova disso foi a última sondagem, realizada em janeiro, que revelou que os três juntos já somam 38% das intenções de voto.
A pergunta que se impõe, portanto, é por que esses três partidos, ou melhor, a esquerda grega – evidentemente sem incluir o PASOK, que de esquerda só tem o nome – não se une para apresentar uma alternativa de governo? Por que a esquerda não se une para apresentar um programa alternativo, de rutura com a troika e os seus planos de resgate; de rutura com o pagamento de uma dívida que está a dilacerar o país e apoiado na luta e nas reivindicações do povo grego?
Este é o verdadeiro drama vivido pelos gregos. Um drama que, ainda em menor escala, estamos também a viver. Que alternativa programática e política a esquerda portuguesa – nomeadamente os seus dois maiores partidos, o PCP e o Bloco de Esquerda – está a construir para substituir os governos da direita e do Partido Socialista?
Do ponto de vista programático, ambos propõem soluções para a crise dentro do status quo – são contra a suspensão do pagamento da dívida e defendem a sua renegociação e, no caso do BE, não questiona a permanência de Portugal na União Europeia e no Euro. Do ponto de vista político, não propõem a unidade da esquerda – BE, PCP, CGTP e demais setores e movimentos sociais – num plano de lutas contra a troika, o governo da direita e o seu plano de austeridade.
Por que a esquerda não se une, por exemplo, para fazer um refendo sobre a intervenção da troika em Portugal e o seu plano de austeridade? Ou para realizar uma grande mobilização nacional contra a pobreza causada pelos sucessivos planos? A manif convocada pela CGTP para o próximo dia 11 de fevereiro é uma iniciativa importante, mas porque não é acompanhada por um plano de lutas, com organização e discussão pela base, que culmine numa greve geral contra o violento ataque aos direitos laborais e sociais?
Frente à necessidade da unidade, o PCP não tem política. O BE tem, mas, como sempre, privilegiando o interlocutor errado. Depois das desastrosas políticas de aliança com António Costa, nas autárquicas de Lisboa, e Manuel Alegre, nas presidenciais do ano passado, continua a piscar o olho para o PS. Na sua resolução política de fevereiro, por exemplo, na qual defende a ideia de “juntar forças contra o governo da troika e a sua austeridade”, o único partido mencionado é… o PS. “Não podemos perder uma só oportunidade para confrontar o PS e os seus responsáveis perante esta responsabilidade histórica, puxando-os para fora desse acordo”, escreve o bloquista João Teixeira Lopes. É inacreditável que ainda haja quem acredite na capacidade de regeneração política de um partido que se absteve na votação do pior orçamento que o país já teve, cujo ex-primeiro-ministro assinou o memorando de entendimento com a troika e o atual líder defenda uma “oposição responsável e honesta” ao governo da direita.
Portugal está cada vez mais parecido com a Grécia. Solidarizemo-nos e aprendamos com os nossos compagnons de route.