A poucos dias do Natal, o coordenador do Bloco de Esquerda, Francisco Louçã (FL), deixou aos trabalhadores e à esquerda um presente envenenado. Mais um surpreendente artigo – “Vítor Bento, os Novos e Velhos Nacionalistas e a Salvação da Pátria com a Saída do euro” publicado no esquerda.net – sobre a crise da dívida e as opções da esquerda. Uma verdadeira ode à confusão propositada, à demagogia e à calúnia. Sempre em defesa da sacrossanto euro, cuja salvação está a ser paga por todos nós, a mando da troika.
FL deturpa as posições alheias
O método de debate de FL é velho: vai buscar citações de Vítor Bento, diretor da SIBS e Conselheiro de Estado Cavaquista, e deturpa-as, forçando uma convergência entre as posições de Bento e as nossas, do Ruptura/FER, o “novo partido” a quem dedica o artigo. Entretanto deturpa as posições tanto do Ruptura/FER como de Vítor Bento. Nada de novo em FL. Para limpar caminho relembramos o distraído coordenador bloquista de que se esqueceu de citar o título da entrevista que tanto o entusiasmou. A citação de Bento que o Público escolheu para esta entrevista é tão simples como: “Sou contra a saída do euro, mas devemos discutir esse cenário” (http://economia.publico.pt/Noticia/vitor-bento-sou-contra-a-saida-do-euro-mas-devemos-discutir-esse-cenario-1525670 ). Dado que todo o texto de FL se baseia na pretensão de que Vítor Bento defenderia a saída do euro poderíamos parar aqui. Mas essa mentira está ao serviço de uma estratégia, estratégia essa que merece debate.
Quem está com os profetas da austeridade?
Estes métodos do Coordenador da confusão bloquista já foram antes criticados, por nós mas não só. As críticas ao recurso que FL tantas vezes usa, de apelidar de “nacionalistas”, “autoritários” e “direitistas” todos os que não fazem a defesa incondicional do euro e do pagamento da dívida, vêm de dentro do próprio Bloco e podem ser lidas aqui: http://passos-perdidos.blogspot.com/2011/09/o-bloco-em-discussao.html e aqui: http://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2011/11/combater-o-imperialismo-e-ser.html.
Quanto a isso, fazemos questão de salientar que poderíamos usar o mesmo método – o de fazer as posições de FL convergirem com as dos principais representantes do Capital –, com a vantagem de essa ser uma convergência real, ao contrário da que FL procura entre nós e Bento.
Poderíamos salientar, e com razão, que FL coincide com Cavaco quando este defende que a solução para a crise da dívida é a ação do BCE como prestamista generalizado dos estados, como o esquerda.net anunciou aqui: http://www.esquerda.net/artigo/cavaco-pede-à-troika-e-ao-banco-de-portugal-medidas-mais-brandas-para-banca-portuguesa.
Poderíamos demonstrar como FL converge com Durão Barroso ao defender os eurobonds, como se vê aqui: http://www.rtp.pt/noticias/?article=483370&headline=20&t=Durao-Barroso-defende-eurobonds-e-Taxa-Tobin.rtp&tm=9&visual=9.
Ou poderíamos recolher declarações intercaladas de FL e de Merkel, Sarkozy, Cavaco, Passos Coelho e uma infinidade de dirigentes da direita a defender a manutenção do euro e a anunciar o seu fim como uma catástrofe bíblica. Mas essa troca de galhardetes, embora nos concedesse uma vitória fácil, não é o que nos interessa. Pelo contrário, até concedemos um brinde: há um ponto em que convergimos definitivamente com Vítor Bento. Este tem razão quando diz: “Não devemos recusar discutir esse assunto (a saída do euro) como se fosse um dogma religioso”. E compreendemos que FL, que, de facto, encara o euro como um dogma religioso, se escandalize com semelhante heresia. Temos pena.
“O euro ou o caos”!
Mais uma vez o feitiço vira-se contra o feiticeiro. Não é difícil comprovar que, na verdade, é FL quem tem pontos em comum com Vítor Bento. Primeiro, é óbvio que Bento não defende nenhuma saída do euro. A primeira medida de Vítor Bento contra a saída de Portugal do euro é a razão de ser das suas declarações. Nessas estabelece o discurso dominante para 2012 – “ou o euro ou caos”. Bento é apenas um tímido aprendiz de FL, que é o paladino do mote “ou o euro ou o caos” já há longos meses.
Os dois economistas não coincidem apenas na missão de defender o euro recorrendo à demagogia, mas também noutro, e mais grave, ponto de análise. Ambos acreditam apenas numa saída para a crise pelas mãos dos capitalistas. Ambos vêm a permanência nas principais instituições europeias que são o motor da austeridade – a UE e o euro – como essencial. E ambos só conseguem vislumbrar uma saída do euro pela mão dos capitalistas, com recurso a mais austeridade, desvalorização dos salários, enfim, como uma estratégia para aumentar o potencial exportador de Portugal.
Aqui Vítor Bento é mais honesto que FL: a entrevista do chefe da SIBS demonstra que todos os setores da burguesia defendem a permanência do euro e (tal como FL) têm pânico em discutir outro cenário.
A dupla FL-Bento
Mas as semelhanças entre FL e Bento não param aqui: ambos, na defesa incondicional do euro, armam-se de um discurso catastrofista, declarando que a desvalorização do salários seria a consequência imediata. Não negamos que tal aconteceria no tipo de saída do euro que a dupla Bento-FL preconiza e que nós repudiamos. Ainda assim este discurso baseia-se numa ocultação… ambos se “esquecem” de dizer que a manutenção no euro e o pagamento da dívida está a causar a maior desvalorização salarial em décadas, pelo menos tão grande como a que ambos preconizam num futuro sem euro. Na Grécia, desde o início da austeridade, essa desvalorização supera já os 40%. Portugal para lá caminha. É isso que significa – já hoje – a manutenção no euro e o pagamento da dívida.
Quem não confia nas lutas… confia no euro!
O que se extrai desta convergência entre FL e os analistas do sistema? É que os Vítor Bentos e afins fazem o seu papel… e que FL ajuda. FL não vislumbra, não propõe, não esboça uma saída da crise pelas mãos dos trabalhadores, mas apenas pelas mãos do Capital. Daí vem o seu catastrofismo. E assim se explica que da sua análise só extraia soluções que se aproximam das dos principais governantes europeus: reestruturação da dívida, eurobonds, um BCE forte ,etc.
FL não acredita que o crescendo de lutas que está a assolar o continente resulte em algo. Por isso, os chefes bloquistas se têm esforçado para que os novos movimentos sociais, como a Plataforma 15 de Outubro, não convoquem protestos, para que não convocassem uma manifestação para o dia da greve geral, para que não defendam a suspensão do pagamento da dívida, para que se subordinem à “bem comportada” CGTP.
Perante isso resta-nos outra pergunta: se FL não confia nas lutas dos trabalhadores e da juventude, deverão os trabalhadores e a juventude em luta confiar em FL? Para que precisamos de uma esquerda envelhecida se uma velha esquerda desiste de acreditar na luta?
Merkel quer o fim do euro?
Pode ser cansativo para o leitor, mas antes de avançar ainda temos de desconstruir mais uma trapaça de FL. Este diz-nos nos que as declarações de Vítor Bento (não as verdadeiras, mas as que FL inventou, em que Vítor Bento defende a saída do euro) são um favor a Angela Merkel. Esta quereria cometer a mais alta malvadez: acabar com o euro. Aqui estamos confusos, admitimos. Ou bem que FL não percebe nada do que se passa na Europa, do papel da Alemanha e de Angela Merkel, ou bem que desencantou mais uma mentira para abrilhantar o argumentário do seu dogma.
Vamos, apesar de não termos motivos para isso, partir do princípio que FL está convencido de que Merkel quer acabar com o euro. Resta-nos concluir que FL ignora as vantagens que a burguesia alemã retira da moeda única, que subordinou as economias periféricas, tirando-lhes competitividade; que transformou a Europa no gigantesco mercado interno alemão; que a manutenção das periferias no euro é um dos objetivos da troika, que assim melhor consegue asfixiar a periferia, em nome do pagamento da dívida, cujos principais detentores são os bancos germânicos. Esperemos que FL recupere cedo do choque e lamentamos dizer-lhe a verdade: mas os dois eixos centrais da política bloquista, o pagamento da dívida e a defesa do euro, são as principais armas da burguesia alemã para recuperar da crise à custa de todos nós.
A confusão substitui o debate
Assim, a ignorância de FL, (como dissemos, partimos do princípio que não é má vontade) que o faz crer que a burguesia nacional e alemã – via Bento e Merkel – querem o fim do euro, é um crime para a luta de classes. FL branqueia a posição de Merkel e diz que aqueles que lutam contra a semi-colonização da periferia e que não idolatram o euro estão do lado da burguesia. Esta é a estratégia da confusão consciente. Tudo para defender o euro e o pagamento da dívida.
Não é o Ruptura/FER, os movimentos sociais e os economistas de esquerda que defendem a suspensão do pagamento da dívida que fazem um favor a Merkel. É FL. E para o fazer está disposto a mentir aos trabalhadores e aos seus camaradas. O Bloco já foi a esquerda de confiança dos trabalhadores. Hoje só merece a confiança da Sra. Merkel.
FL e Lapavitzas
FL lê o que, na esquerda, se escreve sobre esta problemática. E sabe que está cercado e sem resposta. No seu artigo, antes de voltar à fábula anedótica em que pinta um pseudo-cenário de uma pseudo-saída do euro baseado em posições que não são nem as nossas, nem as de Vítor Bento, nem as de ninguém, FL ressalva que não discute as posições de “de economistas que, com consistência, têm procurado alternativas à crise da dívida” como “nos relatórios de Costas Lapavitzas”.
Costas Lapavitzas é um professor Grego da Universidade de Londres, que, sobretudo desde o documentário “Debtocracy”, tem sido o rosto da Comissão para a Auditoria da Dívida Grega e tem defendido que a Grécia suspenda o pagamento da sua dívida, saia do euro e nacionalize a sua banca. Por mais que possamos ter divergências com Lapavitzas quanto a problemas políticos estratégicos, no que toca à questão da dívida temos acordo com a generalidade das suas posições. FL sabe-o, mas finge não ver. Não é por acaso que FL fala de Lapavitzas pouco antes de efabular o cenário de saída do euro. Fá-lo porque sabe que, recentemente Lapavitzas e outros economistas, entre eles o bloquista Nuno Teles, elaboraram o relatório “Breaking Up? A Route out of the eurozon Crisis” sobre a crise europeia e grega (que pode ser lido aqui: http://www.researchonmoneyandfinance.org/).
Neste relatório, Lapavitzas e Nuno Teles defendem relativamente à Grécia – e que assumem como exemplo para os outros países da periferia, sobretudo Portugal – no essencial, o mesmo que tem vindo a defender o Ruptura/FER e movimentos como o 15 de Outubro: suspensão do pagamento da dívida, saída do euro e nacionalização da banca. Porém, como estes são economistas de esquerda e economistas sérios sustentam a suas posições e explicam o que FL ou não sabe ou finge não saber.
Mais uma vez: o que é o euro?
Antes de mais, Lapavitzas vê o euro como nós o vemos: como um instrumento de subordinação da periferia, em prol do grande capital, sobretudo alemão e que é essencial para o atual plano da Troika e de Merkozy para fazer os trabalhadores pagarem pela crise. Percebe o que todos os trabalhadores veem, apesar de Vítor Bento e FL o “esquecerem”, que a desvalorização dos salários realmente existente é dentro do euro.
Lapavitzas cometeu até o desplante de dizer recentemente numa entrevista à Visão: “Continuar na União monetária é uma morte lenta, acompanhada do risco de uma saída forçada e caótica”. Estranhamos que FL ainda não tenha escrito um artigo irascível a denunciar Costas Lapavitzas como autoritário, nacionalista e direitista. Esperamos que o responsável pela Auditoria à Dívida Grega não se incomode por não merecer da parte de FL a atenção que este reserva ao Ruptura/FER.
Cenários possíveis de incumprimento
Entrando nas ideias de Lapavitzas e Nuno Teles começamos a entender melhor o imbróglio catastrofista que FL teceu. Os autores levantam três cenários de resoluções da crise do euro, nenhum deles próximo da rábula de FL. Dois deles envolvem a permanência no euro, outro a saída.
O primeiro cenário é continuar tudo como está: nem saída do euro, nem suspensão do pagamento da dívida, nem incumprimento do pagamento, apenas austeridade e mais austeridade…. Esse cenário é altamente improvável. As dívidas da periferia são impagáveis e o incumprimento é inevitável. Perante esta tese pode haver dois tipos de incumprimento: aquele controlado pelos credores (a troika, os bancos e Merkozy) ou aquele controlado pelos devedores (no caso da Grécia, o Estado Grego, necessariamente empurrado pela luta do povo grego).
É a terceira hipótese, de um incumprimento pela mão dos “devedores” que defendem Lapavitzas, Teles e os seus colegas. Poderia parecer que FL também a defende, mas veremos que não. O que o Bloco de Esquerda tem defendido é a segunda hipótese, um incumprimento a partir “de cima”, comandado pelos credores, como o que está a acontecer na Grécia.
O Bloco já defendeu, no seu jornal gratuito de Novembro, o processo que está a acontecer na Grécia, uma reestruturação pelas mãos da troika e tudo indica que é o que propõe para Portugal. Vamos então ver os dois cenários de incumprimento, como os expõe Lapavitzas e ver de que lado está FL.
Um cenário: incumprimento pela mão dos credores
O primeiro cenário é uma reestruturação da dívida, liderada pelos credores, perante a constatação de que a totalidade da dívida é impagável. Esta dá-se no momento em que Merkel e Sarkozy chegam à mesma conclusão que o bloquista João Semedo: “Se não renegociar a dívida, Portugal nunca pagará a dívida”. Ou seja tanto o Bloco – e ao que parece também o PCP – como a troika defendem uma renegociação como condição prévia à continuação do pagamento da dívida. Renegociar para continuar o saque é o seu mote!
Lapavitzas diz-nos que, antes de mais e por ser controlada pelos credores, esta saída implica a manutenção da austeridade. Pelo mesmo motivo implica uma perda sobre o controle financeiro, fiscal e administrativo do país, que ficaria nas mãos da UE. O processo de entrega dos recursos do país ao estrangeiro aprofundar-se-ia, tal como a dependência relativamente ao FEEF. Os bancos nacionais seriam profundamente afetados, por serem o elo mais fraco da cadeia, relativamente ao BCE, ao FMI e à banca internacional, o que levaria a uma socialização das perdas, ou seja, uma massificação do episódio BPN. As dívidas às instituições da troika permaneceriam intocadas.
Só neste cenário se manteriam os requisitos bloquistas para a renegociação: nem suspensão de pagamento, nem saída do euro. Dado que este processo se está a dar na Grécia, que o Bloco já o defendeu e que é a única forma de renegociação que encaixa nos dogmas de FL, tememos que o Bloco se prepare para apoiar este processo em Portugal. As propostas da Iniciativa por uma Auditoria Cidadã (IAC) vão também neste sentido, assim como nesse sentido apontam grande parte das personagens que dirigem este processo, ligadas ao PS e ao alegrismo moribundo.
Outro cenário: incumprimento pela mão dos “devedores”
Mas Lapavitzas e Nuno Teles são mais responsáveis que FL. E não anunciam apenas a catástrofe, apontam também alternativas. Defendem um incumprimento pela mão dos “devedores”. Esta é também a proposta que fazemos. Tal como os autores citados, ressalvamos: esta não é uma saída fácil, e as suas possibilidades estarão determinadas pela luta de classes. Porém, essas dificuldades não devem ser comparadas com a permanência no euro idílico com que FL sonha, mas com a situação realmente existente: a UE e o euro como timoneiros da troika, preparando uma década de austeridade e de saque da periferia.
As dificuldades da nossa opção são assim ínfimas, comparadas com o retrocesso civilizacional que é a permanência no euro. O incumprimento dirigido pelos “devedores” acarretaria uma suspensão do pagamento da dívida que daria um suporte real para uma auditoria (não propagandística, mas verdadeira).
Segundo Lapavitzas, esta opção é a única que, a médio prazo pode assegurar crescimento, evitar a colonização e “reforçar a posição do trabalho na sociedade”. Acarretaria uma nacionalização total do sistema financeiro (e não só das perdas), uma concentração do crédito e uma diminuição do peso da banca. Esta estaria assim em condições de proteger o emprego, dar crédito às PME’s e canalizar os recursos, antes orientados para o pagamento da dívida, para a reconstrução dos setores produtivos nas mãos do estado, de forma quebrar o circulo de endividamento.
Os autores salientam que os preços subiriam, no mercado automóvel ou outros bens importados. Porém permitira também o relançar da agricultura nacional e baixar os preços do consumo básico. A saída do euro seria a única opção neste cenário.
Sair do euro ou não?
Só esta saída, baseada na suspensão do pagamento da dívida, saída do euro, nacionalização da banca e renegociação, pode impor uma renegociação que não seja apenas um plano de salvamento dos credores maquilhado de caridade europeísta. Só esta saída permitira anular as dívidas à troika e promover uma “anulação significativamente profunda” da dívida.
Este, sim, é um “não pagamos” digno dessa expressão. Por isso, esta opção defendida por nós e por uma parte substancial da esquerda anticapitalista europeia não tem o apoio de nenhum sector da burguesia. FL sabe-o. E sabe que a sua proposta, essa sim, converge com a dos principais governantes nacionais e europeus. Esperamos ter aqui assentado as bases para um debate sério daqui em diante.
Que FL e o Bloco definam a sua posição…
Como já dissemos antes, a saída que propomos não virá dos sujeitos políticos prediletos de FL, o Parlamento Europeu, a Comissão Europeia ou o BCE. Virá apenas da luta dos trabalhadores e da juventude, em que a esquerda devia confiar e incentivar. A esquerda tradicional, sobretudo o Bloco, não o faz. Por isso, defende a reestruturação pela mão dos credores.
É verdade que FL nunca o disse. Mas as condições que põe – nem suspensão, nem saída do euro – assim o indicam. As andanças bloquistas na Iniciativa pela Auditoria Cidadã também preparam esta saída. Esperamos, honestamente, que não. Que FL e o Bloco venham a público esclarecer a sua posição, explicar que defendem um incumprimento dirigido pelos “devedores”, sabendo que tal acarreta quase que seguramente a saída do euro.
…Ou sejam coerentes
Mas esperamos também que, caso não o faça, FL seja coerente. E que venha a público anunciar que Costas Lapavitzas, que dá a cara por todo o mundo pela Auditoria Cidadã na Grécia, é um direitista, um autoritário e nacionalista. E que venha dizer que o professor belga e presidente da Comissão pela a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo, Éric Toussaint, que quando veio a Portugal apoiar a IAC disse ao Público que “quando o devedor quer tomar a iniciativa tem de suspender o pagamento” está a ajudar a Sra. Merkel. E, já agora, que Nuno Teles, provavelmente o mais audaz e talentoso economista do BE, tem a mesma posição que Vítor Bento. Isso, sim, gostaríamos de ver FL dizer. Mas os tempos da “esquerda de coragem” já lá vão, por isso ficamos à espera de mais uma resposta da… “esquerda de calúnia”.
IAC: Por onde anda o Bloco?
Antes de terminar gostaríamos de descer à política concreta, ao terreno da tática e da luta contra a austeridade em Portugal. Por onde anda o Bloco? Depois do período de nojo feito após os vários desaires eleitorais, o Bloco ia voltar em grande à cena política. Uma proposta sobre um referendo à privatização das águas ia abalar o país e dividir o PS! Nada se viu.
O Bloco apostou todas as suas fichas na já referida IAC. Nada que, à partida, nos pareça errado. Sempre defendemos a Auditoria à Dívida como uma medida necessária. Mas o principal objetivo da IAC não parece ser o de auditar grande coisa. Antes da convenção da IAC as suas conclusões já estavam anunciadas: é necessário reestruturar a dívida e nada de suspender o seu pagamento. “Copy-paste” do dogma de FL!
Até um dos principais promotores do evento, o economista e ex-deputado bloquista, José Gusmão, veio dizer que auditar a dívida era muito difícil, devido à titularização da mesma, pelo que “não é possível associar muita da má despesa que se fez no passado a emissões específicas de dívida (ou a credores)” (http://www.esquerda.net/opiniao/auditoria-que-temos-direito).
Então para que serve esta Iniciativa? Bom, a história remete-nos para os comícios da Trindade, feitos com a turma alegrista, que, sob o pretexto de prepararem uma grande luta em defesa dos serviços públicos, prepararam a aliança do Bloco com Alegre e com Sócrates, recordista da destruição de serviços públicos.
Atentando para a obediência aos dogmas europeístas desta iniciativa. Atentando a que um dos seus principais promotores vê a auditoria como impossível. E atentando aos setores que convergem na Comissão da IAC, percebemos que o que está em jogo é mais uma guinada do Bloco. Não é apenas Carvalho da Silva – em rota de colisão com o PCP – que está nesta Comissão. Não são apenas os sectores bloquistas fanáticos pelo reencontro com o PS que estão, mais uma vez, sobre-representados na dita Comissão. É também – e com particular destaque – a ala “esquerda” do PS, como Ana Benavente, co-autora de um manifesto recente “contra” o Orçamento de Estado em que “os signatários reconhecem a necessidade de medidas de austeridade” (http://www.tsf.pt/storage/ng1697203.pdf ), que encabeçam esta iniciativa.
FL e a direção bloquista, sob a aparência de uma Iniciativa pela Auditoria preparam assim outra aliança tácita ou efetiva com o PS. A sua defesa de uma reestrutração pela mão dos credores, como a que se dá hoje na Grécia, é o programa dessa aliança. E preparam-se assim, como no triste episódio de Alegre, para pintar em tons esquerdistas medidas contra os trabalhadores, neste caso uma reestruturação para pagar a dívida, em prol dos credores, em prejuízo de quem trabalha. Dirão com certeza que é uma prodigiosa fantasia do novo partido que o Ruptura está a construir. Também o era a passeata alegrista de braço dado com Sócrates, nas últimas presidenciais.
Para FL a esquerda ou é grande… ou é esquerda
E assim se percebe os contornos dos dogmas de FL. Se defendesse uma renegociação consequente, se quisesse pôr em prática uma auditoria verdadeira, se fosse enfrentar os desígnios da UE e do euro, ou seja da troika, se fosse suspender a dívida e canalizar esse dinheiro para a criação de emprego, FL fecharia portas… Fecharia portas ao PS, aos alegristas e aos moderados vários com que FL insiste em unir-se.
O recuo do programa bloquista sempre esteve ao serviço da sua política de alianças. Política essa sempre virada para o PS. E é esse outro dogma de FL – o de que a esquerda para ser grande tem de deixar de ser esquerda – que o obriga a defender as posições de Cavaco e Durão, quanto aos eurobonds, ou de Merkel, quanto à reestruturação da dívida. É esse dogma, pai de todos os outros, que está a destruir o Bloco e motivou a saída do Ruptura/FER e o lançamento da proposta de erguer à esquerda uma nova força política alternativa.
Ruptura/FER defende a suspensão do pagamento da dívida e a unidade da esquerda
Ousamos sair do Bloco porque acreditamos que, para se unir, a esquerda não tem de abdicar de o ser. Não tem de mentir aos ativistas e trabalhadores. Não tem de caluniar ferozmente o resto da esquerda, em nome de uma branda oposição à troika. Afirmamos que a suspensão do pagamento da dívida é uma bandeira em nome da unidade da esquerda. Não há renegociação em prol dos trabalhadores sem suspensão do pagamento. Bloco e PCP sabem-no. Podem divergir de nós no que fazer depois da suspensão, mas, se querem mesmo uma renegociação em prol dos trabalhadores sabem que a suspensão é incontornável.
Não somos nós quem o diz, mas os aliados do Bloco, os promotores internacionais da auditoria: Éric Toussaint, Costas Lapavitzas, Michel Husson e outros. Sob as bandeiras da expulsão da troika e da suspensão do pagamento da dívida poder-se-ia unir toda a esquerda e dar um salto na resistência à austeridade. É, acreditamos, o único caminho: a unidade da esquerda contra a troika. É isso que propomos ao Bloco, ao PCP, ao resto da esquerda, ao 15 de Outubro e restantes indignados, à CGTP e restante esquerda sindical.
“A unidade europeia é apenas possível baseada nos interesses dos trabalhadores”
E sabemos que é isso que FL não nos perdoa: a coragem de construir uma esquerda que diz o que precisa de ser dito, que procura a unidade e que não se quer diluir no centrão. FL e o BE devem construir pontes de unidade à esquerda e não atacar quem, com coerência desde a esquerda, luta contra a troika e pela suspensão do pagamento da dívida.
Os próximos meses dar-nos-ão razão. A luta contra a troika e as “novas medidas adicionais de Passos Coelho e Paulo Portas” vão exigir uma resposta comum de toda a esquerda. Fazemos, uma vez mais, nossas as palavras de Costas Lapavitzas: “Acima de tudo, devemos manter firme nas nossas mentes a velha certeza socialista de que a unidade europeia é apenas possível baseada nos interesses dos trabalhadores”.
Gil Garcia
João Pascoal
Cristina Portella
Manuel Afonso
Lisboa, 2/01/2012