O Bloco preso à ditadura da dívida. Resposta a Francisco Louçã

    1. Dívida: Um debate em que o Bloco entra à defensiva

A atual crise económica e política, bem como as novas lutas que se levantam na Europa, no Norte de África e no mundo, exigem respostas e reflexão à esquerda. A crise da dívida acrescenta a necessidade de um debate programático. O texto de Francisco Louçã – “A Esquerda Contra a Dívidadura” (ver em: http://www.combate.info/index.php?option=com_content&view=article&id=352;a-esquerda-contra-a-dividadura&catid=23;forma-marxista&Itemid=41) – tenta entrar nesse debate. O texto demonstra o atraso do autor e do BE na resposta a este problema e a forma desesperada como abordam esse debate. Basicamente Louçã dispara para todos os lados, tentando responder às várias sensibilidades do BE – das mais moderadas, como o Fórum Manifesto (seu aliado), ao Ruptura/FER, passando pela sua própria corrente, que se divide sobre o rumo do BE. Aqui respondemos à parte que nos toca: o debate sobre a suspensão do pagamento da dívida e suas consequências nas instituições europeias.

No passado dia 15 de Outubro, quando milhares de pessoas reunidas na escadaria de S. Bento – tomada à polícia –, se declararam, em votação, a favor da suspensão do pagamento da dívida externa, a esquerda que quer a “refundação da UE” teve de fazer a sua reestruturação argumentativa de tamanho familiar.

É isso que Francisco Louçã tenta fazer no seu texto “A Esquerda Contra a Dividadura”, escrito dois dias depois da dita Assembleia Popular. Porém, a única coisa que aí faz é mudar os artifícios argumentativos para defender a mesma posição de sempre: é preciso pagar a dívida, reestruturando-a. Ou como disse o deputado bloquista João Semedo: “se não renegociar a dívida, Portugal nunca pagará a dívida”. Nem ultrapassado pela esquerda por milhares de pessoas em luta, Louçã revê as suas posições. Assim se identifica o dogma. E como qualquer texto dogmático, este é defensivo e troca os argumentos sérios pela confusão propositada. Louçã imputa aos seus adversários posições que estes não têm sem se preocupar em comprovar essas posições com citações, adjetivando de “direitistas” e “nacionalistas” os que se lhe opõem. Enfim, recorre ao método de debate que o estalinismo sempre usou, triste ver isto de alguém que, embora o negue, já foi trotsquista. Temos apenas pena que Louçã não seja consequente com as suas caracterizações: se a esquerda que defende a suspensão do pagamento da dívida é direitista e nacionalista, que adjetive da mesma forma a maior mobilização dos últimos meses em Portugal, o 15 de Outubro que defendeu o mesmo.

Esperamos que Louçã tenha a noção do que transparece deste método de discussão: o polemista que não confia nos seus argumentos e que usa a confusão defensivamente dá o debate como perdido por antecipação. Pelo meio, Louçã, em pontos menores, modifica posições que teve anteriormente sem se dar ao trabalho de assumir os erros anteriores. Coisa conveniente a quem pode estar amanhã a defender o oposto.

No entanto, o feitiço vira-se contra o feiticeiro: no meio de tanta confusão, a própria Comissão Política do BE parece não saber o que defende. Recordemos que na altura do primeiro empréstimo à Grécia, pela mão da troika, o BE votou no parlamento a favor do mesmo (voto defendido aqui: http://www.youtube.com/watch?v=k4Kt-2fey-k). Porém, já não defendeu o mesmo (e bem) com a chegada da troika a Portugal. Agora volta a ziguezaguear: no jornal gratuito do BE em Novembro diz-se que é preciso “anular uma parte da dívida, como está anunciado para a Grécia”, mas a resolução da Comissão Política de dia 1 de Novembro diz, sobre a reestruturação da dívida grega, que: “Assim, a troca de títulos não impede a continuação da dinâmica insustentável da dívida grega.”. Pelo meio, parte dos militantes do BE presentes na Assembleia Popular de 15 de Outubro votou a favor da suspensão do pagamento da dívida. É possível que a dinâmica da luta os tenha esclarecido mais do que os comunicados da cúpula bloquista. São esses militantes que, ouvidos, podiam ajudar a redefinir a linha do BE. Mas Louçã já deixou também claro que tão cedo não lhes dará ouvidos.

E porque não dará Louçã ouvidos aos bloquistas – já nem falamos dos milhares de indignados sem partido – que defendem, conscientemente ou não, a suspensão do pagamento da dívida? Porque essa posição põe em causa a subsistência da UE e do euro, as grandes apostas da burguesia europeia de que Louçã parece não poder abdicar. Por isso, a cada momento as suas propostas vão sempre no sentido de manter estas estruturas: reestruturar a dívida para que esta possa ser paga, votar a favor do empréstimo à Grécia para que não haja incumprimento, apoiar a reestruturação grega primeiro, não apoiar depois quando ela corre mal, etc. Toda a proposta parece ter uma prova dos nove: se ajuda a manter a UE e o euro é boa, se desajuda é má! O critério é partilhado por Merkel e Sarkozy, tanto que este último não exclui os eurobonds defendidos pelo BE, e ambos querem reestruturar a dívida grega. A salvação da UE surge assim como eixo central da política bloquista.

2. O que é a UE, o que é o euro?

Percebemos então que o “europeísmo de esquerda” de Louçã mais não é do que a defensa intransigente da União Europeia. Mesmo que a única coisa para que esta sirva na atualidade seja impor o mais profundo retrocesso histórico desde a Segunda Grande Guerra. E esta UE não é de agora. A liberalização dos mercados, a diminuição dos salários, o aumento da idade da reforma, assim como a subordinação das economias periféricas, despojadas do seu aparelho produtivo, nunca teria avançado tanto sem a União Europeia. Foi para poder reforçar o seu papel no mundo através da exploração mais acentuada dos seus trabalhadores e dos países periféricos que as principais burguesias europeias construíram a UE. Foi como ferramenta monetária deste projeto que criaram o euro. A dinâmica atual da crise demonstra como estas instituições foram desenhadas para mais explorar os povos e impor as maiores quebras da crise aos países periféricos, reforçando a posição da Alemanha. A UE sempre serviu para isso, e as elites europeias não a sustentarão se ela tiver outros propósitos.

Francisco Louçã nega esta evidência e vê na UE e no euro formas neutras que podem ser enchidas de vários conteúdos, ora de esquerda, ora de direita… Acredita de facto que se o seu programa para a UE, ainda que tímido, fosse imposto às burguesias europeias de forma “democrática” no parlamento europeu, elas aceitariam, por respeito à democracia. Louçã não aprendeu nada com os episódios do referendo irlandês ou grego.

Baseado nessa crença, Francisco Louçã tentar cozinhar um programa suficientemente bom para servir parcialmente os interesses dos trabalhadores sem beliscar a estrutura da UE, sem perceber que uma coisa exclui a outra. Propõe entre outras coisas: “A desvalorização do euro para a aliviar as economias; a tributação do capital e o fim dos offshores e a reestruturação da dívida Grega em prejuízo dos credores”. Quando vagas intenções de um referendo sobre um empréstimo à Grécia fazem soar o alarme de emergência europeu, Louçã mesmo acha que estas propostas seriam exequíveis?

Ou bem que as ilusões de Louçã na boa vontade dos “donos da europa” são maiores do que pensamos, ou bem que este programa não pode ser levado a sério nem pelo próprio autor. Estas medidas não seriam aceites na UE, mas também não visam pô-la em causa. É por isso um programa a brincar. Pode ter servido para fins eleitorais até hoje, mas nada mais que isso. Recentemente se vê pelos resultados do BE que este programa já nem aos fins eleitorais vai servindo.

3. Como pode a burguesia sair da crise?

 Para resolver estas questões, convém antes vermos o quadro todo: como é que a burguesia, nacional e europeia, está a tentar sair da crise? Sobretudo através de dois mecanismos: o aumento da exploração e a queima de capitais (despedimentos e fechamento de empresas). Louçã reconhece isto de uma forma simplista, ao dizer que a principal batalha atual é entre capital e salário e ao comparar a atual crise com a de 1929, relembrando que esta só foi superada com a monumental destruição que a Segunda Grande Guerra acarretou. Porém Louçã não tira daí as devidas conclusões: a destruição que foi feita na Segunda Guerra também terá de ser feita agora – ainda que por outros mecanismos –, e convém lembrar que também na altura se tentou evitar esta queima com programas “razoáveis e exequíveis”, como os propostos por Louçã, procurando uma maior regulação e algum apoio aos trabalhadores, mas que de nada serviram.

Além disso, apesar de identificar que a principal luta é pelo salário, Louçã recusa-se a ver qual é o principal mecanismo da burguesia no roubo dos salários: a dívida externa. Louçã já o reconheceu antes: “a dívida reforça um mecanismo fundamental de acumulação de capital: o povo paga impostos que servem para pagar aos bancos (alemães, franceses, espanhóis e portugueses) que detêm créditos de dívida soberana iguais ao PIB nacional”, explica na sua Moção apresentada à passada Convenção do Bloco. Acrescenta até: “romper o ciclo de endividamento é parar com a transferência dos nossos impostos (e salários e subsídios de férias e de Natal acrescentamos) para os especuladores”. Mas mais uma vez Louçã não leva as suas análises até às últimas consequências: a reestruturação do roubo é o que propõe… apenas e só quando esta não puser em causa a manutenção da UE.

4. O Bloco e a correlação de forças

Claro que se Louçã fosse um anticapitalista quereria o fim deste roubo, e que a banca e a usura pagassem a crise e que se for preciso a UE que se dane! Porém, neste momento, não há – segundo ele – correlação de forças que o permita. Medidas anticapitalistas só para o tempo dos nossos netos, tal é a lógica do Coordenador máximo do Bloco! Até lá, resta-nos continuar a ser roubados pelo mecanismo que Louçã tão bem descreve, mas que nunca contraria.

O queixume sobre a correlação de forças surpreende-nos. Ele é digno de pequenas forças, sem influência de massas, que não têm maneira de alterar a correlação de forças na sociedade. Não é digno do BE, que é ouvido e seguido por centenas de milhares em Portugal e que já foi uma referência para a esquerda europeia. Uma força destas devia abandonar o queixume e lutar para melhorar a correlação de forças. Ter um programa audaz que fizesse as lutas avançar, em vez de ficar atrás delas, como se viu neste 15 de Outubro, esta era a obrigação do BE. Já nem discutimos se a correlação de forças é adversa quando o Norte de África se desdobra em Revoluções, quando na Grécia se sucedem greves gerais, quando na Europa há lutas como não se via há décadas e quando em Portugal uma manifestação convocada por fora das centrais sindicais, do Bloco e do PCP, reúne dezenas de milhares, toma a escadaria de S. Bento e acaba numa Assembleia em que se exige uma Greve Geral e a Suspensão do Pagamento da Dívida. Supomos que Louçã estará à espera da tomada do Palácio de Inverno para revelar o seu programa anticapitalista… mas nessa altura já não será necessário.

Assim, Louçã propõe que o BE atue como uma seita, como um partido que não tem um peso objetivo na mobilização e não consegue alterar a correlação de forças, a quem resta esperar por dias melhores. Nem nós, do Ruptura/FER, que criticamos há anos o rumo do BE, ousámos alguma vez menorizá-lo desta forma. Conscientemente ou não, isso leva o Bloco a optar por um programa “razoável”, rebaixado, que, adaptado a uma correlação de forças extremamente desfavorável (que não existe), não se propõe a outra coisa que não seja gerir o capitalismo na hora da sua crise mais agoniante. Das duas uma: ou o Coordenador do BE encontrou uma saída para a crise do capitalismo que não seja fazer os trabalhadores pagar e terá de nos explicar como é que, numa correlação de forças tão desfavorável, vai conseguir convencer a burguesia deste plano; ou assume o BE como co-gestor de esquerda do sistema, procurando as “melhores” propostas de gestão da crise. Tem sido nisto que o BE tem apostado: perante o Orçamento de Estado, propôs, para que não fosse necessário cortar no subsídio de férias e de Natal, a criação de um imposto sobre o património de luxo. Em vez de se taxar o património de luxo para ter dinheiro para a saúde, a educação e o salário, taxa-se para cumprir as imposições da troika. Tira-se aos ricos… para dar aos ricos, qual Robin Hood numa correlação de forças adversa. Apesar de identificar a principal batalha como entre capital e salário, esta medida mais não faz do que administrar as contas do Capital, sem trazer nenhum benefício ao salário. Uma gestão à esquerda dos negócios do capital, é isto que Louçã propõe. Nisto aproxima-se da estratégia do PS, por mais que o critique.

5. E relativamente à dívida… o que fazer?

    Assim, apesar de contraditória com a análise que faz da dívida como roubo aos trabalhadores, a proposta de Louçã relativamente à dívida é a de uma reestruturação. É coerente com o seu programa de gestão do capitalismo e propõe-se a renegociar o roubo do salário, não para o parar mas para que seja menos intenso. Embora a proposta de reestruturação seja ambígua e, como já vimos, vai variando conforme a situação, vamos assumir que Louçã a faz na sua forma mais ousada: anulação parcial da dívida, em prejuízo dos credores (no fundo algo semelhante ao que a Argentina fez em 2002). Neste aspeto – sem nunca o assumir – Louçã mudou de opinião. Se há uns meses escrevia um texto irascível contra a solução argentina (http://esquerda.net/opiniao/fraude-argentina-ignor%C3%A2ncia-n%C3%A3o-%C3%A9-desculpa ), hoje Louçã diz que “a Argentina suspendeu o pagamento da dívida e fez muito bem”.

Mas pensado bem, até é normal que Louçã agora venha defender a solução argentina, porque a solução de Kirchner é muito semelhante à sua: pagar apenas parte da dívida. Mas há uma “ousadia” de Kirchner que Louçã não comete: suspender antes de reestruturar. Louçã quer reestruturar, mas sem nunca deixar de pagar. Sem nunca tomar uma posição de força. Sem nunca estancar a sangria. Sem nunca ameaçar os credores, que diz querer prejudicar. E porque é que esse passo da solução Argentina não pode ser dado? Porque a Argentina não estava na UE e no euro (na verdade tinha o peso atrelado ao dólar, coisa bastante semelhante). Ou seja, porque não pode Louçã cometer a “ousadia” do presidente argentino? Porque punha em causa a UE, cuja defesa é para ele fundamental. Trocando por miúdos: Louçã não suspenderia o pagamento porque senão acontecia-lhe o mesmo que a Papandreu – Portugal era ameaçado de expulsão do euro. Para que não haja mal entendidos: Louçã não suspendia porque Merkel e Sarkozy não deixam!

Assim parece-nos que a proposta de reestruturação da dívida peca pelos mais diversos motivos, tanto mais dentro do quadro de defesa incondicional da UE e do euro que Louçã ora assume, ora dá a entender.

a. Antes de mais temos a lição do referendo grego: qualquer proposta que possa tocar nos interesses dos credores é respondida com a ameaça de expulsão do euro. Logo aqui a proposta de Louçã fica refém do seu tabu “europeísta”.

b. A “solução argentina” na verdade é muito semelhante à de Louçã. Após a suspensão do pagamento, Nestor Kirchner anulou metade da dívida mas continuou a pagar o resto. Porém, fê-lo num clima de crescimento económico da América Latina e do mundo, após o fim da crise de 2001. Assim, o alívio da anulação de metade da dívida fez-se sentir no emprego e na reindustrialização, mas num contexto de recessão mundial o efeito seria diferente.

    c. Dado que a reestruturação não acabaria nem com o pagamento da dívida, nem tampouco com a especulação sobre a mesma, o mais provável é que, após um alívio temporário, em breve a dívida voltaria a valores insustentáveis.

    d. Há também um problema político que não é menor: a reestruturação não mobiliza. Vimo-lo nas legislativas com a derrota do Bloco, que tinha nesta a sua principal proposta. Vimo-lo no 15 de Outubro em Portugal e nas mobilizações gregas, assim com há décadas na Argentina. Perante o sentimento de injustiça da dívida, o povo pede a sua suspensão ou anulação. Não pede a renegociação de um roubo. O problema pode ser mostrar a injustiça da dívida. Por isso sempre apoiámos a proposta de auditoria. Mas sabendo que esta era um instrumento em prol da suspensão do pagamento.

    e. O próprio Francisco Louçã reconhece que a sua palavra de ordem não tem eco: a reestruturação “respeita mais ao argumento que ao movimento”. Por isso, recomenda que no movimento se proponha (somente) auditoria. É o que têm feito os quadros que dirigem as mediações que lhe são próximas (M12M e Precários Inflexíveis) no seio da Plataforma 15O, principalmente nos dias em que não estão tão tentados em dar por finda esta plataforma. Esta política camaleónica “é o nosso não pagamos” afirma. Ou seja o nosso “não pagamos” significa “pagamos… menos, mas pagamos”. Não acreditamos que este artifício segure os bloquistas que nas ruas gritam “não pagamos!”. Acreditamos que na rua os ativistas sabem o que dizem. Ainda assim este jogo do paga-não-paga não deixará de ter consequências, pois confunde em vez de esclarecer, cria ilusões numa falsa solução.

    f. Já sem argumentos, Francisco Louçã lembra-nos que não há nada para suspender porque a troika é que está a pagar a dívida, não é o Estado português! Abençoada seja a troika… Parece-nos que assim não se justifica também reestruturar a dívida que a troika paga. Porém, Louçã exige, e bem, a saída da troika, pelo que continua o problema da dívida por resolver. E nesse caso há duas soluções: pagar ou não. Reestruturar para poder pagar é a proposta do Bloco

    6. O euro e um programa para a crise

Está visto que um programa que beneficie os trabalhadores, perante a monumental crise europeia, choca de frente com as instituições da UE. É normal, dado que estas foram erguidas para melhor explorar os trabalhadores, não fosse a troika composta, além do FMI, pelos órgãos representantes da UE e do euro: a Comissão Europeia e o BCE.

E não é só o programa “radical” do Ruptura/FER que se choca com estas instituições. O programa clássico do BE também o faz. Ou Louçã acha que, à luz de Lisboa e Maastricht, a nacionalização dos setores estratégicos que já propôs antes cairia bem? E o fim dos offshores e da precariedade? E a taxação das grandes fortunas, para devolver o dinheiro ao povo e não para pagar a dívida, como defende agora o BE? Tudo isto levaria a grandes choques com o diretório europeísta; um “governo de esquerda” que aplicasse tais medidas cedo se veria confrontado com as ameaças que ensombraram também Papandreu nos dias do pseudo-referendo grego.

Temos por isso noção de que qualquer programa que fique refém do dogma da UE terá de se resumir à disputa por uma austeridade “menos má”. E terá de continuar a sustentar a espoliação brutal que é o pagamento da dívida. Por isso propomos um programa de medidas anticapitalistas que se combine também com a consulta popular sobre a manutenção nas instituições europeias. Louçã chamará a este programa “nacionalista”, “direitista” ou coisa semelhante. Contudo, o único ”ismo” que distingue o nosso programa do dele é o do anticapitalismo. O resto é apenas o recurso retórico dos maus polemistas.

Propomos:

– Troika fora de Portugal! Retirada de todas as medidas de austeridade, rompimento do memorando da troika!

– Suspensão do pagamento da dívida externa! Canalização desses fundos para o desenvolvimento produtivo nas mãos do estado.

– Referendo sobre permanência de Portugal no euro.

– Nacionalização da banca e empresas estratégicas (GALP, EDP, REN, PT) sob controlo dos trabalhadores, focadas para um plano de investimento público e redução do preço dos combustíveis.

– Redução da jornada de trabalho sem redução de salário, para gerar emprego e contratação permanente dos trabalhadores precários.

– Apelar à suspensão do pagamento da dívida das economias periféricas, estabelecendo uma aliança comercial e económica que usasse o dinheiro resgatado da dívida para um plano internacional de combate ao desemprego, relançamento produtivo e restabelecimento do crédito.

  • Sabemos de antemão que Louçã nos dirá “mas isso é Portugal em 2011?”. Se Louçã olhar para a Europa e o Mediterrâneo em 2011 verá que as coisas estão a mudar. Mais ainda mudarão se a esquerda cumprir o seu papel e dotar as lutas que se levantam e fazem tremer governos com um programa anticapitalista. O Bloco, porém, não parece disposto a isso. Estamos, sim, em 2011… Francisco Louçã é que parece ter parado em 2001. A história avança, o Bloco avançará também ou será remetido ao museu do “europeísmo de esquerda”, junto com a Refundazione Comunista e outros compagnons de route.

 Em mais uma trapalhada argumentativa, Louçã tenta ainda colar a ideia de que este programa seria levado a cabo lado a lado com a burguesia exportadora – “os sectores exportadores de Amorim”. Se o seu método de debate fosse sério, caberia a Louçã citar onde leu essa vontade do Ruptura/FER ou onde é que Amorim defende a suspensão do pagamento da dívida. O que conhecemos é o oposto: a grande burguesia a defender que é preciso pagar a dívida e manter a UE a todo o custo. Não é com a nossa posição que estes senhores convergem. Mas pedir a Louçã que comprove as suas afirmações está no mesmo patamar de qual a exequibilidade de refundar o euro que tanto defende. Por isso, perguntamos apenas: um programa que defende a nacionalização da Galp será um programa que procura o apoio de Américo Amorim? Não nos parece.

Por fim, recorrendo a um esforço imaginativo surpreendente, Louçã narra em tom anedótico a sucessão dos eventos após uma eventual saída do euro e o papel que a “esquerda nacionalista” nascida da sua pródiga imaginação jogaria nesse processo. Antes de mais convém notar que Francisco Louçã foge ao debate central que é o da dívida para se refugiar no tópico mais passível de uma agitação catastrofista: a saída do euro. Não analisa uma política da esquerda (a suspensão do pagamento), mas a possível resposta da burguesia (a expulsão do euro). No fundo, opta pela mesma tática que usaram todos os média mundiais quando Papandreu defendeu o referendo sobre a nova intervenção da troika: não falaram do referendo à intervenção da troika, mas agitaram a saída do euro, tentando já previamente assustar o povo grego. Louçã recorre à mesma artimanha, refugiando-se no medo legítimo dos trabalhadores portugueses frente à saída do euro, medo que é fruto do bombardeamento diário das ideias europeístas dos Medinas Carreira e Professores Marcelos… e de Louçã. E assim se foge ao debate da dívida.

Mas ainda assim não é difícil encaixar Louçã na mesma anedota que ele reserva para a esquerda “direitista” e “nacionalista” que defende a suspensão do pagamento da dívida. Louçã defende a reestruturação da dívida em prejuízo dos credores. Imaginemos que, de alguma forma, Louçã integrava o famoso “Governo da Esquerda” que o BE defendeu nas passadas legislativas e que, como medida audaz de salvação nacional, aprovava no Parlamento uma auditoria popular à dívida (suponhamos que Merkel e Sarkozy estavam desatentos e deixavam passar). Feita a auditoria, Louçã e o seu governo proclamariam, fiéis ao seu programa: “50% da dívida é usura e não a vamos pagar!”. Está em marcha a famosa reestruturação!

A partir daí a história é fácil e felizmente mais curta do que a rábula que Louçã nos reservou. Uma vez anunciada a reestruturação, os mercados entrariam em alvoroço e a Europa tremeria. À semelhança do que fizeram com Papandreu, Sarkozy e Merkel chamavam Louçã e o seu primeiro-ministro de esquerda a uma das várias cimeiras que são agora moda semanal em Bruxelas e explicavam aos nossos audazes governantes que tal medida era incompatível com a permanência no euro. Perante isso, ou bem que Louçã recuava na sua proposta de reestruturação e voltava para Portugal para apresentar ao país uma austeridade “de esquerda”, amenizada pela sua “revolução fiscal”, ou bem que avançava na sua reestruturação, indiferente à chantagem de Sarkozy e Merkel. E Portugal saía do euro, não sabemos se a uma sexta-feira à noite ou noutro dia da semana. E a Louçã restar-lhe-ia cumprir o mesmo papel que reserva à sua “esquerda nacionalista” com todas as peripécias catastróficas que vê na saída do euro, mas multiplicadas por cem, uma vez que teria a braços toda a parte da dívida que faz questão de pagar. Claro que este cenário não se poria; a responsabilidade europeísta de Louçã não o deixaria sair do euro, decorrendo daí que a reestruturação bloquista não é para levar a sério. A culpa não é de Louçã, mas dos tempos que vivemos: durante a hecatombe que o capitalismo vive hoje, a esquerda que não é anticapitalista não é para levar a sério.

7. A única solução: confiar nas lutas do trabalhador e da juventude

Como já vimos, perante o cenário de ascenso contínuo, radical e espontâneo que percorre a Europa e a revolução que, aqui ao lado, assola o Magrebe, Louçã queixa-se da correlação de forças. Quando fenómenos novos de mobilização social despontam, com grande potencial anticapitalista, ansiando por novas análises e respostas de esquerda, Louçã e a cúpula do Bloco recorrem a uma das mais ultrapassadas teorias da esquerda. Na prática, Louçã recorre a Bernstein, o pai da degenerada social-democracia europeia que tanto critica. Este postergava a luta contra o sistema capitalista para as gerações vindouras, reservando à esquerda o papel de amortecedor do capital. Perante uma correlação de forças desfavorável, perante a falta de amadurecimento das classes trabalhadoras, cabia à esquerda encontrar as soluções viáveis para repartir os males do capitalismo entre explorados e exploradores. O socialismo era para ser pensado à escala de séculos e relembrado em dias de festa. Louçã tem a mesma visão, mais de um século depois: não há lugar para enfrentar o capitalismo hoje. Por isso, propostas anticapitalistas como não pagar a dívida dos bancos nacionalizados – a única forma de nacionalizar a banca sem criar novos BPN’s – indignam Louçã. Acha o Coordenador bloquista que estas não são propostas para “Portugal, 2011” e reclama que não seriam “bem acolhidas em todo o mundo”. Queremos então saber como pensa Louçã evitar novos BPN’s ou socializar o crédito sem nacionalizar a banca. Porventura estes são problemas que não preocupam Louçã, até porque não têm nenhuma solução que seja “bem acolhida em todo o mundo”. Louçã opta pelo conceito que Bernstein levantou: o chamado programa mínimo (aquele passível de se realizar sob o jugo capitalista); o programa máximo, anticapitalista, fica reservado para os nossos netos. Se a humanidade lá chegar…

Resta a Louçã uma proposta exequível para o Portugal de 2011 – dentro da UE, dentro de um modelo capitalista em crise, sem tocar na propriedade da banca ou das grandes multinacionais. Estes são os critérios de Louçã, pois são os da UE. Lamentamos desiludir o Coordenador do Bloco, mas programas assim já existem: são os de Passos Coelho e Seguro. Mais coisa menos coisa, são os únicos possíveis dentro do capitalismo em crise.

Nós, do Ruptura/FER, não subestimamos o ascenso europeu e mundial, pelo contrário, nele depositamos todas as nossas esperanças. Porém, ao contrário de Francisco Louçã, não depositamos grandes esperanças nas direções que encabeçam estas lutas. A tragédia dos “indignados” é não terem um sujeito político que os represente. Para estas lutas vingarem é necessária uma esquerda que explique que a saída desta crise ou é anticapitalista ou é à custa dos trabalhadores. Que explique que qualquer “democracia real” que não toque no capital, com uma UE e um euro refundados, é uma ilusão que serve para confundir e paralisar. Outra tragédia do despertar da indignação europeia é não haver uma esquerda que se proponha a ser governo sem a burguesia e os seus partidos. Em Portugal, BE e PCP podiam, aliados, cumprir esse papel, mas recusam-se, pelo seu programa e pelo seu sectarismo. Assim, condenam o movimento a não ter saída e, ao não construir uma alternativa de poder, a esquerda entrega o descontentamento nas mãos do rotativismo ao centro. Ao fazer isto, a velha esquerda cava a sua própria sepultura, pois os trabalhadores desiludem-se, procuram novas respostas e é-lhes repetida a ladainha da razoabilidade. Por isso, as maiores mobilizações que este país viu no último ano – o 12 de Março e o 15 de Outubro – passaram ao lado de PCP, Bloco e CGTP. Por isso, eleitoralmente, o Bloco caminha de derrota em derrota, acabando com a humilhação da Madeira, atrás do PTP, do PAN ou do MPT. É isto a que os jovens em luta se referem quando dizem que os partidos – estes, pois não conhecem outros – “não nos representam!”

Não somos facilitistas nem voluntaristas. As tarefas não são fáceis e a correlação de forças não é perfeita, apesar de a dinâmica ser ascendente. Por isso mesmo não propomos um programa que se acomode à correlação existente, mas que a ajude a mudar. A falta de confiança de Francisco Louçã no movimento levou-o a apregoar durante meses que não havia eco nas ruas para a proposta de suspensão do pagamento da dívida. O 15 de Outubro calou-o. Nós acreditamos que outras propostas anticapitalistas vão ser adotadas pela rua. O Bloco tem desperdiçado a audiência, credibilidade e inserção junto a alguns sectores da sociedade. Podia ter usado essa força para fazer avançar uma consciência anticapitalista, dado que a crise abre espaço para isso. Mas não o fez. O BE não é o fim da história na construção de alternativas anti-sistémicas. O compromisso do BE com o dogma do euro e da UE impede-o de ser a alternativa anticapitalista que largos sectores esperaram que fosse. Cabe construir uma nova alternativa socialista que gere uma nova esperança na luta anticapitalista. É nesse combate que estamos empenhados. A falta de confiança na luta dos trabalhadores desmobilizou o Bloco. Acreditamos que a confusa doutrina de Louçã levará não ao declínio da consciência de quem luta, mas ao declínio do BE, que, aliás, já se vem notando.

Durante anos temos dado a batalha para mudar a estreiteza da direção bloquista, a sua aposta nas propostas da gestão do sistema e na associação com os gestores tradicionais do capital português – como a parceria presidencial feita com o PS. Já há muito que não somos os únicos bloquistas indignados. Hoje, o partido divide-se e as próprias correntes representadas na Comissão Política se debatem entre si e dentro de si mesmas. Perante isto, muitos bloquistas batem com a porta e voltam para casa, sendo parte da mesma sangria que tirou 270 mil votos ao Bloco nas legislativas. Não queremos fazer parte de mais uma fábrica de desilusões, como as que sangraram a esquerda por décadas. Há muita política anticapitalista a precisar de ser feita à esquerda e há amplos sectores da juventude e dos trabalhadores abertos a esse debate. Nós iremos fazê-lo. Sabemos que esta dívida não é nossa e não diremos outra coisa aos trabalhadores. Não esperamos que Louçã nos siga. Mas sabemos que grande parte dos revolucionários, da velha guarda ou das novas gerações, há muito convencidos da necessidade de pôr fim ao capitalismo ou despertando hoje para esta tarefa, nos seguirão. Neles depositamos a nossa confiança. Vamos à luta, para vencer!

 Lisboa 14/11/2011

CE do Ruptura/FER

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