Karl Marx escreveu, em O Capital: “A acumulação de capital por via da dívida pública não significa senão (…) o desenvolvimento duma classe de credores do Estado que são autorizados a cobrar para si próprios uma parte do montante dos impostos (…). Estes factos demonstram que uma acumulação de dívidas passa a ser uma acumulação de capital”.
Nesta análise está bem patente a atualidade do marxismo, única arma teórica que nos permite compreender os mecanismos do sistema capitalista. É claro que os governos e ideólogos do nosso regime tentam atirar o marxismo para o caixote do lixo da história e, ao invés, induzir nas pessoas um sentimento de culpa coletivo, acusando-as de “viverem acima das suas possibilidades”… Uma frase que distorce a realidade e desculpabiliza os verdadeiros responsáveis pela crise da dívida: os banqueiros e especuladores financeiros que a impuseram como modo de gerar capital, e os governos que os ajudaram. Ou seja, os “credores autorizados” a roubarem o dinheiro dos nossos impostos, como bem explica Marx.
Somos todos responsáveis?
Ao passo que um trabalhador endividado não tira nenhum benefício das suas dívidas – pelo contrário, anda durante décadas a pagar juros proibitivos – e, se as deixar de pagar, tem imediatamente à perna o fisco ou a banca, os capitalistas conseguem esse “milagre” absurdo de fazerem lucros fabulosos à custa das dívidas dos outros, quer sejam particulares quer sejam estados.
E quando entram em prejuízo, logo surgem os governos com medidas de apoio ou incentivo ao capital (mostrando assim que classe servem), medidas essas que podem ir até à injeção direta de dinheiros públicos no sistema financeiro, como aconteceu em 2008, quando a salvação dos banqueiros pelos estados de todo o mundo superou os 20% do PIB mundial.
Também em Portugal o governo Sócrates participou desta gigantesca operação de salvação da banca, nacionalizando o BPN por questões de gestão danosa e injetando-lhe cerca de € 4000 milhões de dinheiros públicos. Nesse ano o défice era de pouco mais de 3%. Meia dúzia de meses depois tinha ultrapassado os 7%…
Foram os trabalhadores e pensionistas do país os responsáveis por este agravamento brutal do défice? Ou foram os gestores do BPN? Ou foi Sócrates? Mas nenhum deles foi responsabilizado e levado à justiça! Nem viram os seus privilégios e fortunas tocados.
Renegociar ou suspender?
As últimas décadas têm sido benéficas para o capital financeiro, dono de Portugal, que é hoje mais poderoso do que antes do 25 de Abril. Beneficia com a dívida, tem beneficiado das privatizações, das parcerias público-privados, dos negócios amparados pelo Estado e de benefícios fiscais escandalosos. Esta burguesia, rentista e avessa ao investimento produtivo, abandonou a agricultura, a indústria e as pescas, mas multiplicou os seus tentáculos financeiros. São eles os causadores da ruína do país e os principais responsáveis pelo seu sobre-endividamento.
É por isso que pretender renegociar a dívida pública com esta gente, como defendem o PCP e o BE, é o mesmo que reconhecer-lhes legitimidade para continuarem a ser os credores de impostos dos trabalhadores e pensionistas. É o mesmo que aceitar que eles continuem a governar os destinos do país e a ditar as suas condições, orientadas pelo lucro e nada mais. Estamos fartos da chantagem de uma dívida que não fizemos e em nada nos beneficiou. A única medida que pode trazer algum benefício para quem trabalha ou trabalhou é a suspensão imediata do seu pagamento.
Capitalismo é usura!
Hoje o chamado mercado da dívida é uma das formas mais importantes de acumulação de capital na economia global. Ou seja, os capitalistas lucram com as dívidas soberanas, de duas maneiras:
1. Por via do efeito da acumulação de juros: empréstimos contraídos para pagar juros de empréstimos anteriores, numa espiral sem fim em que a dívida é sempre onerada e nunca resolvida. Quem lucra? Os banqueiros e especuladores que vivem da agiotagem dos juros. No caso português esta acumulação deverá ter atingido, entre 2005 e 2010, € 20 mil milhões. Em 2011, os juros da dívida pública e privada estão a custar à nossa economia, aos serviços públicos e aos direitos sociais… € 15 mil por minuto!
2. Por via da especulação com os próprios títulos de dívida: estes são emitidos pelos estados e leiloados no “mercado primário” por uma entidade estatal (em Portugal estes leilões continuam a ser feitos a cada 15 dias, apesar do empréstimo do FMI/UE de € 78 mil milhões – o que prova que o dinheiro da troika não resolveu problema nenhum e o país continua a endividar-se). Os bancos financiam-se junto do BCE a 1% e compram os títulos de dívida a 6 e 7%… sim, os mesmos bancos que foram ajudados pelo Estado a quem agora emprestam… é assim a lei da selva do capitalismo!
Mas a usura não fica por aqui: mais tarde estes títulos serão negociados num mercado secundário onde os juros variam de dia para dia, conforme as condições do mercado, a confiança dos investidores, etc.. Quanto mais “arrasado” estiver um país, mais a especulação agrava os juros. É hoje o caso da Grécia, que sofre juros de mais de 50% sobre a sua dívida no mercado secundário.
Lenine definia este sistema de usura em larga escala!
A.P. Amaral e J. Dias