É claro que a ideia do referendo apresentada por George Papandreau não era para valer. Pressionado pela luta popular contra os planos de austeridade do seu governo e da troika, o odiado primeiro-ministro grego resolveu tirar da cartola uma proposta para tentar aguentar-se no poder por mais tempo. Não deu certo, porque, certamente no meio do desespero, não equacionou de forma realista o verdadeiro terramoto político que essa perspetiva iria desencadear.
Os seus chefes, Merkel e Sarkozy, e também o “chefão” Obama, não gostaram nada da ideia e chamaram o “louco” do Papandreau a Cannes para ser repreendido. Todos ameaçaram-no, em uníssono, de a Grécia ser expulsa do euro, não receber uma nova parcela do empréstimo, de não haver “perdão” dos tais 50% da dívida, etc. etc. Tudo isso porque tinha anunciado que ia fazer uma consulta popular.
É verdade que, do ponto de vista da troika, o referendo era uma temeridade. A recente greve geral de 48 horas e a mobilização no dia do “Não” a 28 de outubro demonstraram que a luta do povo grego está a crescer e que a resposta ao referendo sobre o novo plano de resgate seria um rotundo “Não”.
Depois de uma resposta dessa ficaria difícil manter várias coisas. Em primeiro lugar, o próprio governo Papandreu, que cairia de podre. Em segundo, o acordo com a troika versão grega. E, em terceiríssimo, o próprio euro. O problema não era a Grécia sair do euro, mas a própria manutenção da moeda. Basta ver o abalo provocado nos mercados, com os juros das dívidas soberanas a bater recordes e as bolsas a desmoronar apenas com o anúncio do referendo. Bastou tal anúncio para que o plano tripartite para salvar a banca do default grego, apresentado pouco antes por Merkel e Sarkozy, ficasse por um fio.
A comoção provocada pelo anúncio do referendo demonstrou a fragilidade da resposta europeia à crise capitalista e a pouca, ou nenhuma, vocação democrática da União Europeia. Demonstrou, também, a força de um povo em luta pela sua soberania e pelos seus direitos. Foi a luta do povo grego que obrigou Papandreau a buscar uma saída democrática. E foi a pusilanimidade do primeiro-ministro que o faz recuar e engrossar o coro dos que querem um governo de emergência com a Nova Democracia (direita) ou tentar desviar a luta para uma saída de eleições antecipadas.
As consequências da vitória do “Não” em eventuais referendos sobre planos de austeridade em qualquer país europeu sob intervenção – direta, como é o caso de Portugal e Grécia, ou indireta, como é o caso de Itália e Espanha – da troika abalariam os respetivos governos, o euro e o conjunto da economia mundial. A situação criada certamente não seria fácil para os trabalhadores, mas poderia abrir uma alternativa – económica e política – para a reconstrução do país em moldes diferentes, mais justos e democráticos.
A realização de um referendo sobre o Orçamento de Estado em Portugal não é uma ideia estapafúrdia como alguns querem fazer crer alegando a legitimidade eleitoral do governo de Passos Coelho. Esse governo não tem qualquer legitimidade para nos roubar um ou dois salários, aumentar impostos, privatizar empresas públicas, cortar milhares de bolsas de estudo e condenar ao desemprego milhares de professores. Os trabalhadores e a juventude têm todo o direito de formalizar, num referendo, o que já estão a declarar nas ruas: não querem destruir as suas vidas para salvar o capitalismo e a União Europeia de Merkel e Sarkozy.