A crise mundial vai afetar o Brasil?

O Brasil é uma parte do sistema capitalista. Como todo o sistema será afetado, o Brasil também sofrerá com a crise. Mas é importante discutir, mesmo tratando-se de hipóteses, o ritmo e a profundidade de como isso pode ocorrer.

O Brasil tem características muito particulares. É parte dos chamados BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China), que têm tido uma importância especial na divisão mundial de trabalho e na crise recente.

O imperialismo desloca para esses países uma parte importante de suas empresas (em particular as industriais) para se aproveitar dos baixos salários. Uma das consequências disso foi a forma diferenciada como eles foram afetados pela crise de 2008. As multinacionais continuaram investindo nos BRICs para contrabalançar a crise de suas matrizes e recompor sua taxa de lucros. Isso levou à existência de duas velocidades na crise dos países.

Cada um dos BRICs tem sua importância localizada na divisão mundial do trabalho. A China é uma espécie de fábrica do mundo, a Rússia produz petróleo e gás e a Índia, softwares de computação.

Já o Brasil produz commodities (matérias-primas ou produtos com pequeno grau de industrialização) para o mercado mundial, além de automóveis e eletrodomésticos para a América Latina. As multinacionais também ocupam o mercado interno desses países com suas empresas diretamente instaladas nos BRICs.

O Brasil tem uma relação particular com a China, por fornecer diretamente commodities para este país que é, desde 2009, seu maior parceiro comercial. A evolução da China é, portanto, fundamental para entender as perspetivas imediatas da economia brasileira.

Recessão passada

No último trimestre de 2008, o Brasil entrou em recessão (-3,6% do PIB), que continuou no trimestre seguinte (-0,8%). No total, a produção industrial retrocedeu 16,7%. As grandes empresas travaram duramente a produção para ver o que se passaria no mundo.

Foi o momento em que os trabalhadores sentiram a crise e a ameaça de desemprego. Em dezembro de 2008, houve mais de um milhão e meio de demissões. Um exemplo marcante foi a demissão de 4.200 operários da Embraer.

O país saiu da recessão no segundo trimestre de 2009, acompanhando a tendência de recuperação da economia mundial. As grandes empresas discutiram a possibilidade de novas levas de demissões, mas acabaram apostando na recuperação, que já começava em todo o mundo.

O Brasil está muito exposto às variações do mercado mundial por ter sua economia cada vez mais subordinada ao imperialismo. As multinacionais controlam a indústria automobilística, química, farmacêutica, alimentícia e o agro-negócio, além de terem entrado fortemente no setor de supermercados e na construção civil. As fronteiras económicas foram abertas completamente pelos governos Collor e FHC, e mantidas por Lula. O mercado de ações brasileiro também está estreitamente ligado à dinâmica dos capitais especulativos do mundo, acompanhando o sobe e desce da Bolsa de Nova York.

O Brasil saiu da recessão porque as grandes multinacionais decidiram continuar investindo no país, que tem a maior taxa de juros do mundo, mercado interno ainda em crescimento, baixo custo de mão de obra, flexibilidade na legislação trabalhista, incentivos fiscais de toda ordem dos estados. Fecharam empresas nos EUA e abriram no Brasil e na China. A GM, por exemplo, é a maior fábrica de automóveis da China. Aqui no Brasil, esta empresa investiu em uma nova planta no momento em que estava falida nos EUA. Foi uma decisão em defesa de seus lucros, que nada teve a ver com a “preocupação com o país”.

Além disso, o Brasil foi ajudado pela situação da China, que teve uma desaceleração (sem entrar em recessão) e, depois, se recuperou.

O sistema financeiro brasileiro também não enfrentou a mesma crise dos bancos imperialistas. Isso pode estar relacionado às altíssimas taxas de juros e à farra da dívida pública, o que fez com que os bancos aqui não precisassem especular com os derivados.

O papel do governo nessa história é importante, mas não foi o que determinou o curso da crise. O governo Lula se comportou como mandaram as multinacionais e os bancos. Injetou R$ 300 mil milhões de dinheiro público nas empresas, assim como fizeram os governos imperialistas. Reduziu o IPI de automóveis e eletrodomésticos (socorrendo as multinacionais) e liberou mais de R$ 100 mil milhões para os banqueiros.

Para os trabalhadores, nada. Nenhuma medida de garantia do emprego. Nem sequer os demitidos da Embraer foram defendidos por Lula, mesmo podendo fazê-lo legalmente.

Não foi Lula, como muitos trabalhadores acreditam, que impediu a crise. Foram as multinacionais que controlam a economia do país. Junto com isso, também impuseram um ritmo de trabalho ainda maior, ampliando a super-exploração dos trabalhadores, como se vê nas fábricas. Ou seja, são os trabalhadores que estão pagando até hoje os custos da crise.

E agora?

Qual a perspetiva da economia brasileira no meio da crise internacional?

Com o agravamento da crise, é certo que as suas consequências vão se abater sobre o Brasil. Mas a sua intensidade aqui vai depender de como ela vai atingir o mundo.

Caso se confirme a hipótese de uma nova recessão, as multinacionais estarão atentas ao tamanho de sua gravidade. Continuarão investindo na China na medida em que existir a possibilidade de exportação para os mercados imperialistas. Caso a recessão seja muito profunda, as multinacionais podem parar de investir e a recessão poderá atingir a China.

A mesma lógica vale para o Brasil. O destino do país está nas mãos de um punhado de multinacionais, que decidirão continuar ou não investindo aqui.

Até esse momento de agravamento da crise, o investimento das multinacionais no Brasil vinha crescendo em níveis recordes. Até o fim de maio, o país recebeu US$ 45,943 mil milhões, quase o dobro do recebido em 2010 (US$ 24,354 mil milhões). As previsões indicam a possibilidade de chegar a US$ 60 ou 70 mil milhões em 2011.

Com o agravamento da crise, deve ocorrer uma queda no preço das commodities, o que vai terminar afetando as exportações brasileiras. Mas isso ainda não se deu. Os preços dos minerais metálicos, que inclui o minério de ferro, aumentaram 74% em 2011. Os dos produtos da agricultura e pecuária (como soja, café e milho) aumentaram 36,9%.

Mas toda essa situação pode mudar em função da evolução da crise. A Bovespa, refletindo o agravamento da situação, já perdeu 30% de seu valor.

Por outro lado, existe um elevado grau de endividamento do Estado e das famílias, parte importante da crise mundial. No Brasil, isso tem uma dimensão que pode afetar duramente o país no caso de uma recessão. A dimensão do endividamento não chega aos níveis dos países imperialistas mais afetados, mas os juros pagos aqui são muito maiores, tornando o serviço da dívida brutal.

A dívida pública brasileira é de cerca de R$ 1,8 bilião, o que corresponde a 47% do PIB. Se for comparada com a dívida norte-americana (100% do PIB), parece pouco. Mas o governo vai gastar R$ 954 mil milhões no pagamento de juros e parcelas da dívida em 2011. Isso corresponde a 25% do PIB brasileiro. O serviço da dívida dos EUA equivale hoje a 1,4% do PIB.

A isso se agrega o grau de endividamento dos trabalhadores, que saltou de 6% para 15% do PIB nos dois governos Lula. Hoje, o pagamento dos financiamentos compromete 26,3% do orçamento mensal das famílias brasileiras. O jornal britânico Financial Times, porta-voz do mercado financeiro, já fala sobre a preocupação dos bancos multinacionais com a existência de uma bolha de crédito no Brasil, que poderia se agravar em caso de recessão e demissões.

O país também apresenta um deficit em contas correntes que pode chegar ao recorde de US$ 60 mil milhões em 2011. Isso seria um resultado da queda do saldo comercial e da ampliação da remessa de lucros das multinacionais.

Esses são todos elementos que podem agravar uma crise no Brasil, caso ocorra uma recessão internacional.

A economia brasileira teve um crescimento acelerado em 2010 (7,5%) e já estava se desacelerando, antes mesmo do agravamento da crise internacional. A previsão oficial é de um crescimento de 4% em 2011.

O mais provável é que essa desaceleração se acentue e que tenhamos, em 2011, um crescimento menor. Não será surpreendente se a taxa de crescimento baixar para 3 ou mesmo 2%. Alguns índices da própria burguesia já apontam para isso. O Banco Central do Brasil revelou que seu Índice de Atividade Económica (IBC-Br), uma “prévia” do PIB, registou em junho uma queda de 0,26%. Foi a primeira queda desde o auge da recessão passada, em dezembro de 2008.

De que lado Dilma está?

A burguesia brasileira já está se preparando para essa crise. E já quer atacar os salários dos trabalhadores, como se a recessão já existisse. Vão utilizar o agravamento da crise como desculpa para não conceder reajustes salariais. O governo ajuda a grande burguesia ao atacar os reajustes salariais. O ministro Guido Mantega disse que “o momento não é o ideal” para pedir aumentos salariais.

Mas o país continua crescendo, e os lucros das grandes empresas seguem batendo todos os recordes. Em 2010, as 500 maiores empresas sediadas no Brasil alcançaram US$ 1,3 bilião em vendas, um crescimento de 9,5%. Os bancos, por sua vez, continuam batendo todos os recordes de lucros. Recordes que continuarão sendo quebrados, pois, assim como Lula, o governo Dilma aumenta as taxas de juros para supostamente “proteger” o Brasil da crise.

Dilma também continua atuando em socorro aos empresários. Recentemente, o governo lançou um conjunto de benefícios à indústria, o programa Brasil Maior, que inclui isenções (de até R$ 25 mil milhões), subsídios e financiamentos do BNDES.

No início do ano, Dilma também promoveu um megacorte no orçamento. Quase metade (49,15%) será destinada ao pagamento da dívida pública. Todo esse dinheiro vem da verba que seria destinada à educação, saúde, reforma agrária, habitação, cultura, etc.

Por fim, no último dia 15, Dilma vetou a emenda que previa aumento aos aposentados. A emenda garantiria recursos para um reajuste real aos cerca de 9 milhões de aposentados que recebem benefícios acima de um salário mínimo. Mas devem ter apenas a reposição da inflação, ou 6%.

Como se vê, a crise nem mesmo chegou ao país. Mas a burguesia e o governo Dilma já começam a despejar os seus custos sobre as costas dos trabalhadores.

Um programa dos trabalhadores para evitar a crise

Hoje, tanto a burguesia como o governo falam da crise para atacar as lutas dos trabalhadores por aumentos salariais. Nessas campanhas salariais, é provável que este discurso seja reproduzido pela CUT e pela Força Sindical. Essas centrais já estavam em campanha por um “pacto social” contra a “desindustrialização”, que deixava de lado as lutas salariais. O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC está falando da crise e tentando evitar a luta da categoria por aumentos salariais.

É necessário combater essa posição. Hoje a economia brasileira não está em crise. Continua crescendo e deve continuar assim, ao menos até o fim do ano, com a burguesia tendo lucros gigantescos. “A economia cresceu, o trabalhador quer o seu”. Esse é o slogan da CSP-Conlutas nas campanhas salariais. Ou seja, os metalúrgicos, bancários, petroleiros, trabalhadores dos correios, funcionários públicos e outras categorias em campanha devem articular suas greves para conseguir a reposição da inflação e conquistar aumentos reais.

Mas, com o agravamento da crise mundial, é provável que o Brasil seja afetado.

Dilma já aplica um programa para defender os empresários dos efeitos da crise. Os trabalhadores precisam ter um plano de oposição a essa política económica, exigindo aumentos salariais. Oposição também para evitar que a crise chegue ao país.

Que os ricos paguem pela crise!

Foram as grandes empresas que a criaram e elas devem pagar seus custos. Três medidas podem sintetizar esse plano. A primeira é o não pagamento da dívida pública, e destinar todo esse dinheiro na economia por meio de um plano de obras públicas. Não pagar a dívida para evitar os cortes sociais feitos por Dilma.

A segunda medida é a nacionalização do sistema financeiro, que possibilitaria financiar os planos económicos necessários ao país. Possibilitaria, também, o perdão às dívidas dos trabalhadores com os bancos, que serão dramáticas em um cenário de crise.

A terceira medida seria a garantia de emprego aos trabalhadores.

É preciso evitar a crise ou enfrentá-la com um plano em defesa dos trabalhadores e não da burguesia, como está fazendo o governo.

Eduardo Almeida, Opinião Socialista nº 430, PSTU-Brasil

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