Congelamento de salários e pensões até 2013, corte de 1,5 milhões nos ministérios da Saúde, Educação e Segurança Social, aumento das taxas moderadoras e antecipação do aumento das tarifas de luz e gás, redução do número de funcionários públicos em 2% e novos impostos a penalizar a classe média. Estas são as novidades anunciadas pelo governo nos últimos dias para cumprir o memorando de entendimento com a troika e pagar a dívida pública contraída junto a bancos nacionais e estrangeiros.
Os efeitos dessas e de outras medidas já adotadas ou anunciadas, como o aumento dos transportes, os cortes nas prestações sociais e no subsídio de Natal ou a cobrança de portagens nas Scuts, já estão a ter efeitos na economia e na vida da classe trabalhadora e da maioria da população. 37 mil professores ficaram de fora das listas de colocação nas escolas, o desemprego está a aumentar e a pobreza também. Um exemplo concreto foi dado já no dia 2 de Setembro, no seguimento dos anúncios das novas medidas feitos pelo ministro das Finanças, Vítor Gaspar, quando 24 enfermeiros de oito centros de saúde de Lisboa foram dispensados por mensagem de correio eletrónico, medida justificada com os compromissos assumidos pelo governo com a troika.
Diante dessa verdadeira declaração de guerra ao povo português, as várias entidades representativas dos trabalhadores e da juventude estão a marcar manifestações de protesto. As primeiras serão protagonizada por professores a 10 (convocada pelo Facebook) e 16 de Setembro (convocada pela Fenprof). A seguir, a 1 de Outubro, haverá a manifestação chamada pela CGTP para Lisboa e Porto, e, a 15 de Outubro, a convocada por várias entidades ligadas à juventude, como M12M e Democracia Verdadeira Já. A participação nessas manifestações é fundamental para começar uma grande luta contra o governo da direita e a troika, mas deve ser apenas o começo. As várias manifestações têm de ter como perspetiva a realização, ainda este ano, de uma grande e unificada manifestação nacional e de uma greve geral.
A farsa do governo
O governo de Passos Coelho tenta vender a ideia de que as medidas tomadas para baixar o défice e reduzir a dívida pública são equitativas e penalizam tanto ricos como pobres. Mas isso não é verdade. Segundo a imprensa tem divulgado, as novas medidas fiscais anunciadas para atingir os assalariados mais ricos – aumento de 2,5 pontos percentuais na tributação dos rendimentos superiores a 153,3 milhões de euros e eliminação das deduções com despesas de saúde, educação e habitação nos rendimentos superiores a 66 milhões – e as empresas – taxa adicional de 3% de IRC sobre o lucro tributável superior a 1,5 milhões de euros e da taxa sobre as mais-valias mobiliárias de 20 para 21% – vão representar uma poupança de menos de 100 milhões de euros, enquanto o total das receitas fiscais originárias de medidas que vão sacrificar o conjunto dos assalariados representará 2.700 milhões de euros. Só com os aumentos no IVA – um imposto de valor fixo que acaba por castigar principalmente os mais pobres – o governo recolherá um valor extra de 1.200 milhões de euros.
Em sentido contrário à imagem que tenta passar, o governo de Passos Coelho recusou-se a aceitar a proposta feita pelos partidos de esquerda parlamentar, Bloco de Esquerda e PCP, de criar um imposto sobre as grandes fortunas. Em entrevista ao jornal espanhol El Pais, o primeiro-ministro alegou que “se tivéssemos decidido aumentar a pressão fiscal sobre o capital e as fortunas, teríamos um problema de financiamento da economia mais grave que o que temos” e não devemos “encarar de forma penalizadora os que têm mais capacidade de criar riqueza”. Na verdade, e em sintonia com a orientação do governo anterior de Sócrates/PS, o novo governo da direita quer continuar a tirar dos trabalhadores para salvar os ricos. É importante ressaltar que, e segundo reconheceu o próprio governo, a “derrapagem” recente das contas públicas originou-se de duas fontes principais: o gasto extra que o Estado terá com a privatização do BPN, no valor líquido de 340 milhões de euros, e o buraco nas contas do governo regional da Madeira, na ordem de, no mínimo, 500 milhões de euros.
Um roubo que não aliviará as contas públicas
Além de representar uma violenta quebra na já escassa renda dos assalariados portugueses, as medidas que vêm sendo adotadas pelo governo da direita não resolverão a crise da dívida pública, pelo contrário, a agravarão. A recessão que elas já estão a provocar, e que só aumentará nos próximos tempos, somada à redução da receitas provenientes das empresas que serão privatizadas e da previsível queda nas exportações provocada pelo abrandamento ou mesmo recessão das economias europeia e norte-americana significará menos impostos nos cofres do Estado e, portanto, menos recursos para o país saldar os seus compromissos. Desta forma, não estará longe o tempo em que o governo terá de reconhecer o fracasso do seu plano e pedir novos sacrifícios aos portugueses. Esse filme nós já estamos a assistir na Grécia.
Nos últimos dias, soube-se que a Grécia não vai conseguir cumprir a sua meta do défice público para este ano e, por isso, poderá não receber a próxima parcela do empréstimo da troika. Funcionários públicos gregos explicaram que a razão para o não cumprimento da meta deve ser buscada numa recessão maior do que a esperada, em torno de – 5% do PIB, provocada pelos planos de austeridade que castigam há quase dois anos o país. Em consequência, os juros da dívida grega alcançaram o percentual recorde de 46% e a Bolsa de Atenas cai a pico há vários dias, arrastando as bolsas europeias, entre as quais a portuguesa. É claro que a situação do povo grego é terrível: segundo o jornal inglês Guardian, o sistema de saúde grego está à beira da catástrofe.
Diante da experiência grega, o ministro das Finanças fala dos resultados esperados dos planos do governo com um cinismo assustador, como se, depois do sucessivo fracasso e efeito arrasador na economia do país provocado pelos PECs anteriores, estivesse tudo sob controlo e a economia fosse uma ciência exata. Segundo ele, a taxa de desemprego atingirá um máximo de 13,2% em 2012, para começar a decrescer no ano seguinte, quando a economia começaria a crescer e apresentaria um aumento de 1,2%. Já a dívida pública atingirá o seu pico em 2013, para começar a descer no ano seguinte. O que o governo não explica é como vamos sobreviver todos esses anos e como uma economia em recessão e sem qualquer incentivo vai retomar o crescimento.
A resposta dos trabalhadores
A classe trabalhadora, os pensionistas e a juventude não podem esperar o naufrágio do país para dar uma resposta à altura dos ataques do governo. É preciso ter uma reposta radical e honesta que diga claramente que a solução para o país não está na troika nem no pagamento da dívida pública externa. A crise do capitalismo é internacional e afeta com mais dureza os países da periferia do euro, que são obrigados a sustentar a sua viabilidade para não ameaçar a estabilidade do centro, isto é, da Alemanha e da França.
Não cabe à esquerda e aos trabalhadores discutir as melhores medidas para pagar a dívida pública externa, pois esta não foi feita por nós, mas pelos banqueiros e grandes empresários nacionais e internacionais, e enquanto for paga isso significará recessão, desemprego, fome. É uma dívida criada pela injeção de capitais para salvar a banca; pela transferência de capitais públicos para o setor privado através das privatizações e das Parcerias Público Privadas; pelas opções de política económica subordinadas aos interesses do grande capital europeu; pela corrupção e desvio dos dinheiros públicos para projetos da burguesia parasitária e vinculada ao PS, PSD ou CDS-PP. É preciso taxar o capital, sim, mas para investir em saúde, educação e mais emprego para acabar com o desemprego e a precariedade. E não para pagar a dívida.
A esquerda, os sindicatos e os movimentos sociais devem se unir para lutar pela principal bandeira para acabar com a sangria que esgota o povo português: a suspensão do pagamento da dívida externa, seguida de auditoria para que possa ser definido o que deve e o que não deve ser pago e como. Esta reivindicação deve ser acompanhada de outras para conseguirmos relançar a economia e combater o desemprego: revogação de todos os planos de austeridade, inclusive o memorando de entendimento com a troika; revogação das PPP; aumento geral dos salários; nacionalização da banca e das empresas estratégicas (Galp, EDP, etc.); plano de obras públicas para reativar a economia e gerar emprego; etc.
É preciso com urgência também unificar as lutas e começar a organizar uma greve geral. Os trabalhadores não reagiram até agora às medidas do governo da direita por várias razões, entre as quais a de que não foram convocados para isso. Mas a confusão inicial frente ao governo, à troika e às medidas de austeridade – apresentadas como inevitáveis e passíveis de resolver a crise do país – está cedendo lugar ao ceticismo e à raiva. Os trabalhadores estão indignados com a humilhação pela qual terão de passar para conseguir um passe social que reduza as tarifas dos transportes; estão indignados com medidas que só aumentam o desemprego e a pobreza e que mantêm a riqueza dos poderosos; estão indignados com a falta de resposta às lutas dos trabalhadores da Transportadora Nacional de Camionagem (TNC) e do Estaleiro Naval de Viana do Castelo, que estão nas ruas para defender os seus empregos. Esta indignação tem todas as condições de gerar uma forte luta para derrotar o governo e os seus planos de austeridade.