O mundo vai continuar a pagar o défice público norte-americano e a financiar os lucros dos bancos e das grandes empresas.
O acordo anunciado pelo governo Obama entre republicanos e democratas para dar fim ao impasse e elevar o tecto da dívida dos EUA, hoje em 14,3 biliões de dólares, está longe de pôr fim à crise económica e política que toma conta do país. Após semanas de duras negociações sob um ambiente de acirrada polarização, que incluiu negociações ininterruptas por todo o fim-de-semana, o presidente Barack Obama finalmente anunciou um acordo no final da noite de domingo.
O acordo, aprovado pela Câmara dos Representantes, de maioria republicana, na noite de segunda-feira, 1 de agosto, garante a elevação do endividamento em 2,1 biliões de dólares. Em contrapartida, impõe uma redução de 1 bilião nas despesas do governo para os próximos 10 anos. Uma comissão composta por 12 parlamentares deve ficar responsável por definir, até Novembro, um corte adicional de 1,5 biliões.
Vitória dos conservadores
Apesar de Obama ter anunciado o acordo como um entendimento entre os dois partidos, ele representa uma clara vitória da ala republicana. Isso porque o impasse criado em torno do défice gira em torno do que fazer para o país continuar a conseguir pagar as suas dívidas. Enquanto o Partido Democrata defendia cortes no Orçamento e, a fim de contemplar parcela de seu eleitorado, aumentar os impostos dos mais ricos e reduzir subsídios, os republicanos exigiam que o ajuste se concentrasse exclusivamente na redução de despesas. E é isso o que está a ser aprovado.
A líder dos democratas na Câmara, Nancy Pelosi, claramente constrangida, chegou a definir como “desconcertante” o ajuste fiscal colocado a voto. O conjunto de medidas que está a ser aprovado desagrada até mesmo a ala mais à direita dos republicanos e boa parte do Tea Party, que insistiam num corte de gastos mais agressivo. Nessa batalha entre o governo e as duas alas do congresso, todos saíram mal.
Desaceleração e crise
O tão temido calote dos EUA não ocorreu, mas a crise está longe do fim. Enquanto parlamentares se enfrentavam para resolver o nó do défoce, os índices da economia norte-americana deste segundo semestre reafirmavam que a desaceleração e a quase estagnação da actividade do país é mais longa do que o esperado. O crescimento do primeiro semestre deste ano é o mais lento desde a primeira metade de 2009, quando oficialmente os EUA saíram da recessão.
A indústria, por sua vez, mostra sinais de arrefecimento. O desemprego, no histórico valor de 9%, não dá sinais de recuperação. Todo este cenário de crise só vai piorar com os cortes anunciados pelo governo. Alguns analistas temem que o país refaça a trajectória dos anos 30 quando, logo após a recuperação do crash de 1929, um ajuste fiscal atirou a economia para uma duradoura recessão que só teve fim com a Segunda Guerra Mundial.
Os trabalhadores e a maioria da população, sobretudo a mais pobre, devem ser mais uma vez os maiores atingidos pelo ajuste, já que as áreas sociais serão alvos preferenciais dos cortes bilionários.
O Mundo vai continuar a pagar pelo défice americano
O gigantesco défice fiscal dos EUA foi gerado durante o governo W. Bush tendo sido usado para financiar os cortes nos impostos dos mais ricos, subsidiar empresas e pagar as guerras do Iraque e Afeganistão. Com a crise económica deflagrada em 2008, a dívida deu um salto brutal com os pacotes de ajuda ao sector financeiro. Os 14,3 mil milhões do défice representam hoje nada menos que o equivalente a um quarto do PIB mundial (62 biliões de dólares).
Essa conta é paga por aqueles que detêm os títulos da dívida pública norte-americana, em ordem decrescente: China, Japão, Reino Unido, um fundo conjunto de países petroleiros e, finalmente, o Brasil, que detêm 200 mil milhões em títulos. Isso significa que o mundo sustenta o enorme défice norte-americano. E quem são os maiores beneficiários? O jornal mexicano La Jornada dá uma pista quando informa que os lucros das empresas no país aumentaram 264 mil milhões nos últimos três anos, principalmente os do sector financeiro. Isto numa conjuntura de recessão ou economia cambaleante.
Já o senador democrata Bernie Sanders, num artigo no Wall Street Journal, afirma que os impostos sobre os mais ricos nos EUA estão nas taxas mais baixas da história moderna. Nunca os ricos pagaram tão pouco impostos como agora. “De facto, enfermeiras, professores e bombeiros pagam mais impostos que alguns multimilionários”, afirma.
O défice norte-americano, financiado pelo resto do mundo, paga os lucros dos bancos, das empresas, dos mais ricos e sustenta a presença militar dos EUA no Médio Oriente. O problema para Obama é que ela está a tornar-se insustentável.
A medida que foi aprovada no Congresso, além de não resolver esse rombo, vai bloquear de vez a recuperação e pode atirar o país novamente para uma recessão. O ano de 2008 mostrou o que acontece quando a maior economia do planeta ameaça ruir. A crise política aberta nos últimos meses, por outro lado, é outro importante fator de instabilidade que se soma à economia no coração do Imperialismo.
Escrito por Diego Cruz – PSTU Brasil