A vós o Titanic, a nós o couraçado Aurora (*). Atiçar o conflito e unir as lutas para parar o ataque antioperário
Nestes dias, nestas horas, parece que a especulação financeira internacional decidiu acabar com a brincadeira e a apontar sua mira contra os grandes alvos.
Depois da Grécia, Irlanda e Portugal, agora toca a Itália sofrer os ataques dos vários fundos de pensão, de seguros, especulativos (conhecidos também como fundos “locusta” [grandes fundos especulativos]) e ver o próprio sistema financeiro cambalear no seu conjunto.
Como em toda guerra, a casus belli foi um ato não muito significativo: uma entrevista, dada ao jornal La Repubblica, sexta-feira, 8 de julho, pelo primeiro ministro Berlusconi, deu vida a uma jornada que passou à história com o nome, na verdade pouco original, de “sexta-feira negra”.
Por muitas horas, ao menos até a segunda-feira seguinte, os analistas económicos, os políticos e todos os comentaristas burgueses temeram o pior: o risco de um default [calote] do país com a consequente saída da Itália da zona do euro. Uma reedição, multiplicada por cem, do que ocorreu em 1992, quando a especulação forçou a lira [antiga moeda italiana, antes da adopção do euro] a uma pesada desvalorização e a consequente saída da moeda nacional do SME [Sistema Monetário Europeu], precursor da moeda comum européia.
A crise italiana: especulação passageira? Não, fraqueza estrutural
Em poucas horas ficaram mais evidentes todas as dificuldades da economia nacional e, além disso, se percebeu que os alegados pontos de força do país, não são tão sólidos.
Por meses se disse, por exemplo, que os bancos italianos, na posse de grandes quantidades de títulos da dívida pública nacional, eram menos sujeitos aos golpes da especulação: mas quando entraram em crise os títulos da dívida pública italiana, também os campeões da poupança nacional, como Unicredit e Banco Intesa, viram precipitar o seu valor na bolsa.
Repetiu-se que a “grande propensão a poupança” dos italianos era uma garantia para o sistema económico no seu conjunto, até se descobrir que a maior parte destas reservas são investidas principalmente na renda (imóveis, títulos públicos, obrigações) e insuficientemente, no capital de risco (acções). Consequentemente as empresas italianas estão “sub-capitalizadas” em relação aos seus concorrentes internacionais e, portanto em um período de crise estão com menores condições de se defender e de competir no mercado mundial, como resultado se vê aumentadas de maneira exponencial as falências, fechamentos e reestruturações de empresas, demissões.
O parlamento burguês corre em defesa da “Pátria em perigo”
Como há duas décadas atrás, imediatamente surgem os apelos à “unidade nacional”, ao abandono dos “interesses parciais” (sic) para salvaguardar os chamados “interesses gerais da Nação”.
Esta suja campanha patriótica está atingindo um nível que não se via há tempos, mas que não é novidade.
Em 1915 se assistiu a uma propaganda semelhante, quando a Itália decidiu entrar no primeiro conflito mundial para participar da nova divisão do mundo. Também então se dizia que os sacrifícios imediatos (vida nas trincheiras, morte e desespero, redução dos direitos e dos salários para quem não ia à guerra) seriam pagos ao final do conflito com o início de uma nova era de prosperidade e de riqueza para todos. Viu-se como isso terminou.
Hoje se assiste ao mesmo roteiro, a mesma mentira. Um pacote financeiro de 70 mil milhões foi aprovado em 48 horas, com aplauso de todos os partidos seja do governo, seja da oposição, da Confindustria [Federação das Indústrias], do Vaticano.
Foram pela enésima vez golpeados os sectores mais frágeis da sociedade, trabalhadores, estudantes, mulheres, desempregados, aqueles que, já no passado, pagaram a conta da crise, aumentando assim as taxas a quem já as paga em abundância; aumentando a idade para a aposentadoria; milhões de funcionários públicos tiveram o salário congelado até 2014; centenas de milhares de precários da educação serão demitidos; com o corte de mais de dez mil milhões aos municípios ocorrerá um aumento das tarifas sobre muitos serviços públicos (transportes, creches, assistência social) e uma perda da qualidade (já escassa) dos serviços.
Com a sua “atitude responsável” a oposição liberal do PD [Centro-esquerda], ganha mais uma vez a medalha de honra ao mérito das grandes famílias dos capitalistas nacionais e também se candidatando a governar o país para os interesses destes quando cair o governo Berlusconi (em 2013 ou antes).
Sindicatos: entre a burocracia e as direcções inadequadas
Particularmente repugnante é a atitude pusilânime das direcções sindicais e dos partidos da chamada esquerda radical. Diante de um pacote que impõe medidas pesadas, ao contrário de apelar às mobilizações, proclamando a greve geral por tempo indeterminado até a retirada das medidas de austeridade e à derrubada do governo, se limitam a bater os pés, a fazer apelos a modificações secundárias, “advogando” o fim dos sacrifícios. O grupo dirigente de Camusso [Secretária-geral da Cgil, maior central sindical italiana] aparece sempre mais (especialmente depois do acordo do dia 28 de Junho, que analisamos no nosso site) como a quinta coluna do governo e da burguesia entre os trabalhadores.
Não diferente aparece no momento a atitude do sindicalismo de base (começando pela USB) quase assustada pela oportunidade que se apresenta, isto é, de conseguir finalmente romper a hegemonia da Cgil no mundo do trabalho. Certo que para fazer isso precisaria levantar um programa realmente alternativo ao de Camusso, não somente nas palavras, mas também nos fatos. Um programa sobre o qual pudesse se construir uma grande mobilização unitária, por fora da pequena lógica sectária de conservação de uma micro-burocracia, e bem diferente das pequenas greves rituais.
Um tratamento que não salvará o doente
O amargo remédio da Lei Financeira dificilmente terá o efeito de salvar o doente. Talvez as contas públicas sejam colocadas em ordem, mas até quando?
O enorme débito público continuará a crescer. Os efeitos recessivos do pacote, deprimindo o poder de compra dos salários e aposentadorias, terá como resultado aquele de reduzir o já asfixiado crescimento económico, tornando impossível uma redução da dívida pública. Também a política do BCE [Banco Central Europeu], que há meses decidiu aumentar o custo do dinheiro, tornará sempre mais oneroso para o Estado obter empréstimos no mercado financeiro.
A estrutura do capitalismo italiano (enorme percentual de empresas pequenas ou muito pequenas e o consequente nível de produtividade inferior aos concorrentes externos) fará assim que as empresas italianas estejam sempre em mais dificuldade na competição no mercado mundial, com outras consequências negativas sobre as perspectivas de crescimento económico. Será preciso mais do que a abolição das regulamentações profissionais ou uma maior flexibilidade do mundo do trabalho (que, diga-se de passagem, com as múltiplas formas de trabalho precário, tornam hoje cada vez mais fácil para o Capital liberar-se daquela mão de obra que acredita em excesso, sem incorrer em encargos adicionais, para consentir as empresas italianas de crescer a ritmos sustentados.
Se a tudo isso se acrescenta o risco concreto que nos primeiros dias de Agosto os EUA não estejam mais em condições de aumentar o seu débito público com a consequente declaração de falência, teremos o quadro completo. Por uma vez concordamos com Obama: existe o risco de um verdadeiro e concreto Apocalipse financeiro e económico em nível mundial.
A vós o Titanic, a nós o Aurora!
Da nossa parte, como comunistas revolucionários, não temos dúvidas. A quem diz que é tempo de responsabilidade, nos respondemos: justo. A quem diz que é tempo de realismo, respondemos: justo. A quem diz que a prioridade é a salvação da economia, respondemos: justo.
Somos responsáveis e realistas, por isto sustentamos que este sistema económico e social deve ser derrubado. Quem crê que se possa salvar o capitalismo com qualquer reforma mais ou menos radical ou é um iludido ou é um mentiroso. Estamos de acordo que se deve salvar a economia mundial, mas não para proteger os lucros de poucas multinacionais, mas para salvar a vida e garantir um futuro digno para centenas de milhões de trabalhadores, camponeses, desempregados e explorados de todo tipo que deste sistema económico não recebem nada além de miséria, fome e guerras.
Para estas centenas de milhões de pessoas a salvação não veio ontem com Zapatero, Lula, Chavez, Jospin e Prodi, assim como não virá amanhã de Bersani, Vendola, dos trabalhistas ingleses ou dos socialistas franceses ou alemães.
É das ruas em chamas de Atenas, Tunes, Cairo, Damasco, das megalópoles da China envolvidas em greves e revoltas sempre mais frequentes, que pode chegar a única alternativa a este sistema: somente o crescimento das lutas, também na Itália, é capaz de eliminar o bloqueio sufocante imposto pelas burocracias, e pode reabrir uma nova perspectiva para os trabalhadores e para as massas.
A Tremonti que descreve todos, patrões e operários, sobre o mesmo barco, um Titanic que está afundando, nós respondemos: deixamos a vos patrões o Titanic, o único navio que nos vamos embarcar é o Aurora.
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(*) Na sua intervenção no parlamento para ilustrar o pacote, o ministro da Economia, GiulioTremonti, comparou a situação da Itália aquela do Titanic, afundado em 1912. O couraçado Aurora, que nós preferimos, é ao contrário o navio que com golpes de canhão anunciou, em Outubro de 1917, a insurreição revolucionária que deu o poder aos sovietes dirigidos pelos bolcheviques de Lenine e Trotsky.
Artigo escrito por Alberto Madoglio para o site do Partido de Alternativa Comunista (PdAC), Itália,
http://www.alternativacomunista.org/, em 21/07/2011, e traduzido por Rodrigo Ricúpero (PSTU), Brasil.