Inflação

Medidas do Governo PS deixam especulação à solta

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A pesada carga fiscal, sobre o trabalho e o consumo, é um dos muitos problemas deixados pelo último governo da direita que António Costa, nos últimos 6 anos, fez questão de não reverter. Esta carga fiscal, paga, sobretudo, pelos trabalhadores e pequenas e médias empresas, precisa ser aliviada, com urgência. Uma boa forma de o fazer, sem que tal implique uma perda de arrecadação fiscal pelo Estado, seria através do aumento da tributação das grandes fortunas e dos lucros das grandes empresas, muitas delas sediadas fora do país para fugir às suas obrigações fiscais, no território nacional.

No entanto, os preços não são apenas compostos por impostos e o aumento dos últimos meses deve-se, sobretudo, ao crescimento especulativo das margens e dos lucros de grandes grupos económicos. De acordo com o presidente da Endesa Portugal, Nuno Ribeiro da Silva, “sim, as empresas estatais produtoras de petróleo estão a conter a oferta para irem para níveis de preços que consideram mais justos”1. Segundo João Dinis, da Confederação Nacional da Agricultura, “a especulação é a responsável pelos aumentos até agora”2.

Bem sabemos que a via para a diminuição de preços é tanto mais indiferente quanto mais rápido for o seu efeito, mas esta questão não é secundária. Sem um controlo público sobre as margens e os lucros dos grandes grupos capitalistas, desde que haja uma boa justificação para encobrir a especulação, os preços continuarão a aumentar.

Ora, as medidas que o Governo PS acaba de anunciar para controlar a inflação são um mero frete às exigências liberais e ao conjunto da direita, uma vez que mantêm a especulação e os lucros dos grandes grupos económicos completamente intocáveis. Vejamos:

Sobre os preços dos combustíveis, o Governo propõe3 a redução do ISP equivalente a uma descida do IVA para 13% em substituição do programa de apoio do Autovoucher; congelamento da taxa de carbono no valor actual; financiamento público de um desconto de 30 cêntimos/litro de combustível para o sector social; 3,432 cêntimos/litro de gasóleo colorido para o sector agrícola, assim como a isenção temporária do IVA dos fertilizantes e rações.

Para baixar os preços da energia, o Governo propõe impor um tecto aos preços do gás natural nos mercados grossistas – onde os produtores vendem eletricidade aos comercializadores. O antigo ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, afirmou que a diferença entre esse tecto e o valor de mercado iria ser suportada por fundos europeus ou através do “défice tarifário”4 – jargão utilizado para que os custos acumulados pelo sistema elétrico sejam redivididos e cobrados nas faturas dos consumidores de eletricidade. De uma maneira ou de outra, a diferença entre o tal tecto e o valor de mercado será pago ou com dinheiro público ou directamente pelas famílias, trabalhadores e pequenas e médias empresas.

Para baixar os preços de botijas de gás, o Governo irá subsidiar um desconto de €10 euros a todas as famílias titulares de prestações sociais mínimas ou beneficiárias da tarifa social de eletricidade. Estas famílias terão ainda um apoio ao preço do cabaz alimentar de €60.

Às empresas, o Governo PS irá disponibilizar €160 milhões em apoios a empresas inseridas em setores com utilização intensiva de gás. Ao mesmo tempo, o Governo promete flexibilizar os pagamentos fiscais no primeiro semestre de 2022 para empresas particularmente afetadas pelo aumento dos preços da energia, e diferir as contribuições para a segurança social desses mesmos setores, como é o caso da agricultura, pescas e setor social e solidário.

Portanto, os recursos públicos são sacrificados, mas a especulação em torno das margens e dos lucros dos grandes grupos económicos fica isenta de qualquer intervenção ou controlo. Não admira que a direita não se consiga recompor ou conformar governo. António Costa consegue fazer uso do programa da direita, defendendo os interesses dos mercados, e com a conciliação da esquerda tradicional, dos últimos anos, ainda se dar ao luxo de sustentar um ar de “esquerda”, afirmando que “o futuro não é liberal, o futuro é do Estado social”5. Este é apenas o último exemplo da política liberal seguida por um Governo PS: defender os lucros de grandes grupos capitalistas, sacrificando recursos, investimento e serviços públicos.

Para além da redução de impostos sobre o trabalho e o consumo, precisamos do controlo de margens e preços dos combustíveis e dos bens essenciais. Precisamos do aumento dos salários e pensões igual à inflação. Precisamos do tabelamento das rendas da habitação em 30% do salário, assim como precisamos de um plano de políticas públicas agrícolas para assegurar a nossa sustentabilidade e soberania alimentar, controlando preços, impostos e margens das grandes empresas, distribuidoras e protegendo a produção local, os pequenos produtores e os direitos dos trabalhadores agrícolas.

1 https://leitor.expresso.pt/semanario/semanario2556/html/economia/temas/energia-geoestrategia-e-uma-matrioska-de-crises

2 https://expresso.pt/sociedade/2022-04-06-Bens-essenciais-aumentaram-tres-vezes-mais-do-que-os-salarios-14546f59

3 https://expresso.pt/economia/2022-04-11-Combustiveis-conta-da-luz-apoios-as-empresas-Governo-detalhou–um-pouco-mais–18-medidas-para-baixar-os-precos-da-energia-d92b9aa0

4 https://expresso.pt/economia/2022-03-15-Portugal-e-Espanha-propoem-a-Bruxelas-tecto-para-os-precos-grossistas-da-eletricidade-98ff232b

5 https://expresso.pt/politica/2022-04-07-Programa-aprovado-e-mocao-rejeitada.-A-maioria-esta-instalada-e-oposicao-reposta.-Recorde-aqui-o-debate-291c6079

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