No passado dia 7 de abril, cerca de duas centenas de estudantes manifestaram-se junto à Reitoria da Universidade de Lisboa, por uma “Academia sem assédio”, na sequência de dezenas de queixas terem sido recebidas pela FDUL devido a casos de assédio e discriminação perpetrados por 10% dos docentes da instituição1 (31 docentes no total das 50 queixas validadas, sendo que 7 docentes concentram mais de metade das queixas). As denúncias, recebidas entre 14 e 25 de março, compõem-se de 29 casos de assédio moral e 22 de assédio sexual, 8 práticas discriminatórias de sexismo e 5 de racismo/xenofobia, com 19 dos testemunhos a referirem “práticas reiteradas”.
Note-se que a Federação Académica de Lisboa já havia publicado um estudo, referente ao ano letivo de 2018/2019, em que 93% das pessoas inquiridas dizia já ter sido abordada por alguém no parque de estacionamento da sua instituição, 58% referiram já terem sentido insegurança no percurso instituição-casa, 40% afirmaram já ter sido abordadas por alguém na paragem de transporte e 14% disseram já ter sentido insegurança dentro da própria instituição de ensino, tudo em situações referentes a assédio em diferentes instituições de ensino em Lisboa.
A manifestação, organizada pelo Movimento Contra o Assédio no Meio Académico de Lisboa, refere no seu manifesto que “a falta de informação, secretismo e menosprezo à volta do assédio contribuem para a intensificação do problema” e que “a descredibilização constante da vítima e das queixas de assédio perpetuam o medo e a insegurança em expor o seu testemunho”.
Em entrevista ao DN, Miguel Lemos, o professor que a 2 de março apresentou no conselho pedagógico da FDUL a proposta para que fosse criado o sistema de queixas, defendeu ser necessário “ir ao encontro daquilo que os alunos têm pedido e também das melhores práticas produzidas por entidades que se dedicam ao estudo e implementação destes mecanismos, salvaguardando, pelo menos num primeiro momento, o anonimato das vítimas; a recolha de testemunhos com auxílio a psicólogos; a criação de um procedimento que permita acompanhar a tramitação; definição de prazos; o envolvimento dos representantes dos alunos para que se assegure a publicidade da existência das queixas e do seu tratamento pelos órgãos da Faculdade e, nos casos em que se aplique, o Ministério Público”1.
Também em Braga houve, há cerca de 4 meses, uma manifestação na Universidade do Minho “Contra o Assédio na Academia”. O protesto, que contou com centenas de estudantes, surgiu em resposta a casos de assédio ocorridos nos campi e residências universitárias da UMinho, que em comunicado reconheceu a existência de “actos exibicionistas e de assédio no Campus de Gualtar a estudantes da instituição, praticados por indivíduo(s) não identificado(s)” e abriu um inquérito a um porteiro da residência universitária Prof. Carlos Lloyd, devido a uma queixa de assédio apresentada por uma aluna que levava já 5 meses sem resposta (o processo foi, entretanto, arquivado e a universidade ainda não esclareceu se o porteiro regressará ou não à residência). Segundo a RTP, a UMinho registou mais de cem denúncias de assédio sexual2.
Na manifestação, ficou patente que os casos de assédio sexual não envolvem apenas professores e funcionários, mas também estudantes. Entre as exigências da manifestação, realizada a 2 de dezembro de 2021, contava-se a de que as denúncias, nesta instituição, passassem a ser dirigidas por um gabinete independente e que fosse dado acompanhamento psicológico às vítimas. Na sequência do protesto, foi criado o Coletivo Estudantil Feminista da UMinho, que defende “um ensino igual e gratuito, livre de opressão, sexismo e racismo” e que “o sexismo é um problema estrutural”, para o qual “é necessária uma resposta social”.
O destaque que tem sido dado, nos últimos dias, à questão do assédio em contexto académico fez com que também as Universidades do Porto e de Coimbra se pronunciassem, com a UP a revelar ter tido 4 denúncias no último ano, 2 das quais ainda em análise, e a UC afirmando ter tido apenas 3 queixas desde 2018 até ao momento atual, todas elas arquivadas por falta de provas.
No caso de Coimbra, estes dados são particularmente significativos no que toca à necessidade de criar mecanismos mais eficazes e seguros para as vítimas de assédio sexual e moral nas universidades, visto que a UMAR Coimbra, em 2018, levou a cabo um inquérito a mulheres no meio académico em que 94% das estudantes inquiridas afirmaram já ter sido vítimas de assédio sexual e 18% vítimas de coerção sexual em situações ligadas à academia, com 1 em cada 5 universitárias a confessarem já terem sentido algum tipo de pressão sexual e 14% a confessarem já terem sido vítimas de tentativa de violação3.
Assim, há uma clara discrepância entre a quantidade de casos admitidos pelas vítimas em inquéritos anónimos e as denúncias efetivamente apresentadas, praticamente inexistentes, revelando que, tal como apontado pelas estudantes da FDUL, o medo, a insegurança e a sensação de impunidade, coadjuvados pela inexistência ou ineficácia dos mecanismos de denúncia e proteção das vítimas, contribuem para perpetuar e agravar o problema.
O assédio moral e sexual é um problema estrutural, vivido nas mais variadas instâncias da nossa sociedade, na qual as universidades não são excepção. É o reflexo do papel de reprodução social ao qual a mulher ainda está confinada, da sua objetificação sexual, da subalternidade para o qual é empurrada, da falta da sua completa emancipação, em suma, do sistema capitalista que utiliza a opressão machista – e também racista e xenófoba – para nos dividir e melhor explorar, perpetuando o poder das classes dominantes.
O combate ao assédio moral e sexual é indissociável do combate ao capitalismo, sistema de perpetuação da desigualdade e opressão. Basta de assédio e impunidade. O MAS está solidário com todas as estudantes vítimas deste sistema de opressão. Exigimos que todos os estabelecimentos de ensino superior tenham gabinetes de apoio à denúncia do assédio moral e sexual, com equipas especializadas no tratamento deste problema social. Exigimos o fim da impunidade para todos os agressores machistas e racistas.
Estudantes do MAS
1 https://www.dn.pt/sociedade/10-dos-docentes-da-faculdade-de-direito-da-ul-denunciados-por-assedio-e-discriminacao-14740133.html
2 https://www.rtp.pt/noticias/pais/assedio-sexual-nas-universidades-mais-de-cem-casos-na-universidade-do-minho_v1397277
3 https://www.dn.pt/portugal/estudo-revela-assedio-sexual-em-grande-escala-no-contexto-academico-de-coimbra-9368419.html