Nos últimos anos, perante os ataques de Sócrates à saúde, educação, emprego e direitos laborais, um vasto sector social entrou em divórcio com o PS, sem por isso se dirigir para a direita – pelo contrário, vemos uma viragem à esquerda no país, que se efectiva no enfraquecimento do centrão.
Criou-se um novo espaço à esquerda no país, que não está integralmente ocupado. Não é uma questão menor: a ocupação deste espaço por uma plataforma unitária de esquerda pode permitir uma governação em nome de quem trabalha. Não o fazer é entregar, ciclicamente, o descontentamento social nas mãos da direita e condenar os trabalhadores a viverem eternamente sob as políticas de austeridade, as únicas que PS, PSD e CDS apresentam.
A existência deste espaço à esquerda é um facto. Ele vê-se nas ruas, com as mobilizações massivas de professores, enfermeiros, trabalhadores dos transportes, camionistas, estudantes, na Greve Geral de 24 de Novembro ou nos protestos de 12 de Março. Mas também já se viu eleitoralmente: a subida do BE nas últimas legislativas é sinal disso, tal como o fato de BE e PCP somados terem atingido os 20%.
Na altura, na Convenção do BE de Fevereiro de 2009, a Moção C, composta por bloquistas do Ruptura/FER e independentes, propôs o contrário: que a esquerda não se satisfizesse em retirar a maioria absoluta a Sócrates, que foi a estratégia da Moção A, afecta à direcção do BE, e que se unisse para o substituir.
A direcção do BE, porém, nunca se abriu sequer à possibilidade, por nós formulada, de diálogo com o PC. Os diálogos concretizados eram sempre com o PS, com António Costa primeiro, em Lisboa, e depois em unidade tácita com Sócrates para o apoio a Manuel Alegre. Fomos acusados de sectarismo, quando a direcção é que padecia desta enfermidade. Também fomos acusados de querer ser uma correia de transmissão do PCP. A omissão de uma política para a unidade com o PC pagou-se caro e avisámo-lo na altura, basta (re)ver a nossa intervenção de fecho à VI Convenção do BE, ainda disponível no esquerda.net. A vitória do PS, mesmo com maioria relativa, reverteu-se nas mais duras medidas de austeridade do pós-25 de Abril.
Mas com os erros se aprende, pelo menos assim o esperamos. É isso que levariam a crer as recentes declarações, tanto da direcção do BE como do PCP. Depois de estarem mais de uma década sectariamente virados de costas um para o outro, BE e PCP vêm agora mostrar-se, aparentemente, dispostos a Juntar Forças. O argumento, de parte a parte, de que o outro não estaria disposto a pôr em prática uma política de unidade cai por terra.
O povo costuma dizer “mais vale tarde do que nunca”, e assim o afirmamos nós também. Por isso, saudamos estas declarações! Mas também é costume dizer-se que “quando a esmola é muita o pobre desconfia”. Olhando a prática sectária do PCP, reservamo-nos ao direito a ser cépticos. E, lendo com atenção a Moção A, apresentada à próxima convenção do BE, é impossível não ver para além da retórica. Esta leva a votos apenas declarações vagas: “Na luta contra as medidas liberais e em defesa dos salários e do emprego, PCP e BE têm tomado posições convergentes”; e, apesar de ter descoberto que “Nenhum partido minoritário será capaz por si só de aplicar uma política socialista”, não concretiza qualquer proposta de unidade.
Saudamos desde já a iniciativa de reunião conjunta entre BE-PCP para a próxima
sexta-feira, dia 8 de Abril. Mas será necessário mais do que uma reunião. Fazem falta propostas e medidas concretas para um acordo à esquerda, para uma plataforma de governo na base de um programa anti-crise, necessariamente anticapitalista. Por isso, propomos medidas concretas.
Desta reunião deve sair uma proposta de uma frente eleitoral comum ou, na
sua impossibilidade, a construção de uma alternativa de governo a médio prazo. BE
e PCP devem convocar um Congresso das Esquerdas, aberto a estes partidos, a
sindicalistas, a socialistas descontentes e a outras correntes e activistas de esquerda. Este deve preparar uma plataforma unitária, aberta a outros sectores, que construa um programa mínimo de governo, apresentando-se como alternativa de poder.
Esta plataforma tem de apresentar medidas concretas: deve ser contra a intervenção do FMI ou do FEEF e defender a Suspensão do Pagamento da Dívida Pública Externa. Sem a suspensão deste pagamento é impossível apresentar medidas em defesa do emprego, da saúde, da educação e contra a precariedade, pois todo o dinheiro necessário para garantir estes direitos estará a ser gasto com a dívida e nos seus juros.
Qualquer governo de esquerda que queira ser diferente dos governos PS
ou PSD tem de começar por suspender o pagamento da dívida. Tudo o resto serão
palavras, que se traduzirão numa esquerda dividida e na continuação das políticas de austeridade.
É essa unidade concreta que propomos, não agora, mas desde a V Convenção!
Conhecemos o resultado da política de Juntar Forças sem dizer como, nem com quem – na maior parte das vezes o BE esteve sozinho e quando fez unidade foi com o PS. “O BE assumirá a tarefa de convocar o PCP para se debater o núcleo duro de uma Esquerda Grande, que possa dar corpo a um Governo das Esquerdas” é o que está escrito na Moção C apresentada a esta próxima convenção do BE, preto no branco, sem espaço para ambiguidades. Quem, entre os bloquistas, quer unidade das esquerdas e não um cheque em branco numa unidade abstracta, não tem outra hipótese que apoiar a Moção C.
5 de Abril de 2011
A direcção do Ruptura/FER