Depois do chumbo ao PEC IV, Sócrates pede a sua demissão e são agendadas novas eleições para antes do Verão. Que leitura devemos fazer destes acontecimentos?
Em primeiro lugar, o chumbo de um novo plano de austeridade que corta ou congela pensões é uma boa notícia para a população. Em segundo lugar, a demissão de Sócrates é uma notícia ainda melhor, porque significa que o governo que mais prejudicou os trabalhadores e os pobres de Portugal vai deixar de governar.
E a que se deve esse resultado? Não, certamente, ao demagógico repúdio da direita a mais medidas de austeridade. Pelo contrário, o PSD de Pedro Passos Coelho foi o responsável pela aprovação dos PECs anteriores e defende medidas ainda mais duras contra a população para preservar os lucros dos ricos. Basta atentar às declarações do empresário próximo do PSD, António Carrapatoso (em tempos uma hipótese para ministro da economia de um eventual governo do PSD), em que sugerie novos cortes nos salários e nos apoios sociais do Estado e admitiu o não pagamento de subsídios de Natal e de férias.
Na verdade, a explicação para o chumbo do PEC IV e consequente demissão do governo deve ser procurada nas ruas: na gigantesca manifestação da “Geração à rasca” do dia 12 de Março, quando mais de 300 mil portugueses protestaram contra o desemprego e a precariedade; nas greves dos transportes e em outros sectores; na luta dos camionistas contra o preço do gasóleo; nas manifs contra as portagens, enfim, no imenso descontentamento social contra um governo que deixou o país literalmente à rasca.
Todas essas lutas deixaram claro para a grande burguesia portuguesa que o governo PS/Sócrates não tinha mais condições de manter a estabilidade política necessária para continuar a impor mais recessão, cortes de direitos laborais, rebaixamento salarial, mais desemprego e precariedade, privatização da saúde, da segurança social, da educação, dos transportes, etc.
Foi aí que a burguesia – que até agora queria manter Sócrates no poder para que continuasse a aplicar os planos de austeridade da União Europeia/FMI – deu sinal verde para o PSD de Passos Coelho fazer cair o governo. O PEC IV não passou de um pretexto.
Mas, perguntam-se todos, que governo irá substituir o de Sócrates? As próximas eleições não irão reconduzir o próprio PS/Sócrates ao poder ou dar a vitória à direita, com Pedro Passos Coelho como o próximo primeiro-ministro, a aplicar mais planos de austeridade?
Não consideramos que este seja um resultado inevitável. Como demonstrou a manif da “Geração à rasca”, uma grande parte da população já está farta da alternância PS-PSD, há mais de 30 anos no poder, os fiéis representantes da grande burguesia e da Comissão Europeia, responsáveis pela destruição do sector produtivo do país, pelo empobrecimento da população e por uma crise que transformou Portugal em refém da especulação financeira.
Bloco de Esquerda e PCP, juntos com outros sectores da sociedade – como socialistas descontentes com a governação PS, a CGTP, sindicatos, representantes do movimento “Geração à rasca” e outros movimentos sociais de oposição aos PECs e às políticas até agora aplicadas –, podem, e devem, construir uma plataforma unitária de esquerda para tirar o país da crise numa óptica que favoreça a maioria da população e não os banqueiros e o grande capital.
A construção de uma plataforma unitária à esquerda é indispensável para haver uma mudança de políticas. Bloco e PCP têm, com certeza, muitas diferenças, mas nenhuma delas impediu a votação em comum da maioria dos projectos que ambos apresentaram ao Parlamento, o que demonstra a possibilidade de confluírem num acordo e num programa comum.
Um programa que defenda a suspensão do pagamento da dívida externa, seguida de auditoria da mesma, única forma de evitar uma prolongada recessão e abrir espaço para um crescimento económico que tire Portugal da crise em que se encontra atolado; o fim do trabalho precário e dos falsos recibos verdes; uma redução gradual das horas de trabalho para criar postos de trabalho e melhorar as condições de vida da população; a revogação de todos os PECs impostos pelo governo; o aumento do salário mínimo e das pensões mais baixas; a nacionalização de alguns sectores essenciais da economia, como a Galp, para permitir a redução do preço dos combustíveis. Por fim, é preciso forçar a banca a pagar impostos ao nível de qualquer empresa. A fuga aos impostos desse sector da nossa economia é um verdadeiro escândalo e intolerável.
Quer o BE quer o PCP não se tem cansado de dizer que são a favor de todas as medidas que aqui são preconizadas. Só não se entende é porque teimam em se manter divididos, alimentando a falsa perspectiva de que só pode existir em Portugal um governo PS ou um governo PSD. Em conjunto, estas duas forças políticas da esquerda, na condição de que se unissem por objectivos comuns, poderiam ser uma forte alternativa de governo ao capitalismo selvagem instalado. Pelo menos ambas as forças políticas se declaram por uma sociedade mais justa e até advogam mediadas socialistas. Queremos que as ponham em prática e não se limitem à oposição verbal permanente, mas sem consequências práticas.
A união das esquerdas criará um facto político no país que poderá servir de alavanca para a mudança social, para o aumento das revoltas como a manifestação da Geração à rasca e para impulsionar as alterações de política que a maioria deseja. A continuidade das lutas dos trabalhadores e dos jovens, das gerações à rasca, ao lado da apresentação de uma alternativa de esquerda para acabar com a alternância PS/PSD, poderá mudar Portugal. Sem isso, estaremos condenados a que as próximas eleições sejam, mais uma vez, apenas uma forma de canalizar eleitoralmente (em deputados, cujo alcance de resultados é mínimo) o descontentamento da população para que tudo permaneça igual.
Lisboa, 24 de Março de 2011