Cavaco Silva: um cliente especial do BPN

O caso que mais marcou a campanha presidencial até agora foi, sem dúvida, o das relações entre Cavaco Silva e o BPN. Apesar de se ter dito vítima de uma campanha suja, a verdade é que não é fácil acreditar que os seus negócios com o BPN tenham sido muito limpos. Vejamos alguns factos, fartamente divulgados pela imprensa.

No dia 24 de Novembro de 2000, o valor dos títulos do BPN foi fixado em três categorias: a 1,8 euros para venda aos accionistas, a 2,2 euros a outros investidores e a apenas 1 euro para um lote de acções que Oliveira Costa, então presidente do BPN, reservou para si e para algumas sociedades do grupo Sociedade Lusa de Negócios (SLN), proprietário do banco BPN. As acções da SLN não estão cotadas em bolsa, sendo o seu valor fixado pelos accionistas.

Pouco tempo depois, em 2001, Cavaco compra acções da SLN a 1 euro, ou seja, sem ter que pagar qualquer prémio de subscrição. Em 2003, Cavaco vende as acções, mas desta vez a 2,40 euros, logo com 140% de lucro. Esta venda não precisou de contrato e foi completamente isenta de impostos tendo sido feita directamente ao presidente do BPN Oliveira e Costa, curiosamente antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do PSD.

Sem dúvida que Cavaco é um cliente muito especial do BPN para ter conseguido condições de compra e venda de acções que muito poucos conseguiram.

Amigos igualmente especiais

Mas não é difícil compreender porque é que Cavaco é um cliente muito especial. Fundado em 1993, quatro anos após o início da privatização da Banca, e em pleno governo de Cavaco, o BPN beneficiou muito do depósito, por parte do governo, de milhares de euros vindos dos fundos europeus de desenvolvimento.

Para além disso são muitos os nomes que ligam Cavaco Silva, PSD e BPN: Abdool Vakil foi accionista e administrador do BPN e é também amigo de Cavaco de longa data e membro da comissão de honra da sua candidatura; Arlindo Carvalho foi ministro da Saúde do terceiro governo de Cavaco e também accionista da SLN tendo sido suspeito de negócios fictícios no caso BPN; Daniel Sanches, que foi director do SIS a convite de Dias Loureiro e mais tarde ministro da Administração Interna de Santana Lopes, foi também administrador de uma empresa do grupo SLN; Dias Loureiro, ex-administrador executivo do BPN e suspeito de ter lesado o banco em mais de 40 milhões de euros, foi ministro da Administração Interna de Cavaco e mais recentemente foi por este nomeado para ser conselheiro de estado; Joaquim Coimbra, grande financiador do grupo SLN, pariticpou no financiamento da primeira campanha de Cavaco; Miguel Cadilhe, presidente do BPN após a saída de Oliveira e Costa, foi ministro das Finanças de Cavaco; e, por fim, Rui Machete, que também esteve no conselho superior do BPN, foi dirigente do PSD. Com amigos destes realmente não deve ser difícil conseguir um bom negócio com acções do BPN.

É bom não esquecer que o BPN se tornou um buraco financeiro gigante à custa de todo o tipo de negociatas, desde desvios de 40 milhões de euros até acções que rendiam mais de 100% de lucro em pouco tempo (como as que Cavaco e alguns outros “sortudos” venderam). Para tapar esse buraco financeiro a solução do governo Sócrates foi rápida: usar o dinheiro de todos os contribuintes para tapar um buraco de 5,5 mil milhões de euros e nacionalizar o BPN.

Como escreveu o coordenador do Bloco de Esquerda no artigo “BPN: É chegado o momento da responsabilidade”, de 6 de Janeiro deste ano: “Sabe-se hoje que o BPN era uma rede de empresas offshore que traficavam dinheiro e influências. Sabe-se que havia um banco secreto e um balcão virtual movimentando centenas de milhões de euros. Sabe-se que havia negócios com traficantes de armas em Marrocos, especulação imobiliária no Brasil e sociedades fantasma em Porto Rico. Mas, dois anos depois, não se sabe quem ficou com o dinheiro”.

Campanha suja?

Quando a ligação de Cavaco ao BPN veio à luz do dia, Manuel Alegre vestiu de imediato a capa de grande defensor da ética republicana, exigindo a Cavaco transparência. Não deixa de ser estranho que Manuel Alegre dispa rapidamente a capa de defensor da ética republicana quando os negócios nebulosos envolvem o PS e o seu primeiro-ministro, José Sócrates. Porque é que Alegre não exige a clarificação do caso Freeport ou do caso Face Oculta? Onde está a ética republicana quando são nomes do PS que estão envolvidos em toda a espécie de trapaças financeiras? Além disso, o caso BPN não envolve apenas Cavaco Silva e o PSD, mas também o PS e o governo Sócrates, que tratam de lhe dar cobertura e obrigar o povo a pagar o buraco financeiro deste banco.

É de realçar que a exigência da clarificação do negócio das acções de Cavaco foi justa, tendo sido feita também pelos candidatos Francisco Lopes, José Manuel Coelho e Defensor Moura. Já Fernando Nobre lamentou o “mar de suspeitas que choveu por cima das várias candidaturas” e apelou para que deixássemos “à justiça o que é da justiça”, ou seja, tal como Cavaco não quer “alimentar campanhas sujas”. Esta posição é totalmente errada! Devemos exigir que quem nos governa não tenha relações promíscuas com os manda-chuvas da alta finança, para que não sejam os grandes grupos financeiros a governar-nos, como na realidade acontece hoje em dia.

Se os negócios de Cavaco com o BPN são assim tão limpos então porque é que não os clarifica de uma vez por todas? Ou querem que os trabalhadores se habituem a ter os mais altos representantes desta democracia envolvidos em escândalos de corrupção como se não houvesse qualquer problema com isso? Bom… muito provavelmente é mesmo o que querem até porque já deve ser muito complicado encontrar nas cúpulas do PS e PSD quem não esteja ligado de alguma forma a escândalos de corrupção

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