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Como derrotar a extrema-direita: cooperar, ignorar ou combater

Os ventos da ascensão da extrema-direita no mundo chega­ram com algum atraso a Portugal mas chegaram. Enquanto a corrente mais autoritária da direita parece retroceder internacionalmente, com as derrotas eleitorais de Trump nos Estados Unidos e de Bolsonaro no Brasil, os proto-fascistas crescem aqui no burgo. As eleições nos Açores marcam bem essa tendência.

Após 45 anos, em que a revolução portuguesa impôs a marginalidade a estas forças contrar­revolucionárias burguesas, saem a­gora de todos os buracos personagens que a humanidade julgou ter colocado definitivamente no caixote do lixo. No entanto, em capitalismo, o fascismo nunca está totalmente afastado de ressurgir. Ao contrário do que os políticos e comentadores do sistema querem fazer crer, o fascismo e a autocra­cia são instrumentos que a burguesia continuará a usar, sempre e quando necessite, para aumentar a exploração.

A percepção do crescimento da extrema-direi­ta em Portugal é mais clara desde há ano e meio quando o Chega participou pela primeira vez em eleições, no caso as europeias. Depois de um processo de legali­zação em que apresentou assina­turas falsificadas, de crianças e de mortos, ainda assim o Tribunal Constitucional (TC) foi complacente permitindo a simples substituição destas e sem analisar o programa racista, xenófobo e protofascista do mesmo que segundo a Constitui­ção não permitiria a legalização. Mais uma vez, percebe-se que o próprio TC faz mais política do que faz cumprir os princípios que se supõe ter de defender.

O Chega tornou-se uma organização chapéu para todo o espectro reaccionário, desde neonazis, passando por monárquicos até a religiosos ultraconservadores. Assim, ela não traz apenas uma reciclagem dos ve­lhos fascistas bafientos do Estado Novo, mas sim uma plataforma que permite dar visibilidade a todo o ranço histórico do racismo e colonialismo com capa moderna. Em Agosto de 2019, o movimento antifascista saiu à rua numa mobilização nacional contra a organi­zação de um encontro internacional de neonazis num hotel de Lisboa. A grandeza dessa mobilização e a eleição, passado dois meses, do primeiro deputado protofascista no pós 25 de Abril trouxeram para o debate político distintas formas de combater a extrema-direita.

Poder pelo poder, direita coopera com a extrema-direita

Derrotada novamente pela Geringonça nas eleições, a direita tradicional, PSD e CDS, tentou inicialmente ignorar as eleições dos deputados do Chega e da Iniciativa Libe­ral, mas a realidade veio demonstrar que a tendência é o desaparecimento do CDS em favor do Chega e a impossibilidade de gover­nar sem contar com os deputados deste. Assim, com a derrota do PS e da esquerda nos Açores, o PSD demorou apenas uns dias a dei­xar para trás os discursos de princípios e negações contra alianças com a extrema-direita e abraçou o poder de mão dada com ela. Rui Rio, que se elegeu a garantir que o seu partido era do centro, não de direita nem de esquerda, acabou a normalizar e a tornar legítima a integração do discurso xenófobo e racista na democracia actual.

O PSD abriu a cooperação como modo de lidar com o Chega, colocando-o como factor decisivo para alcançar o poder. O perigo que se abre é claramente a possibilidade de rapidamente os protofascistas chegarem a posições de poder e de influência no Estado. Além de naturalizar as organizações, as acções e as reuniões de todos os sectores neonazis e autocráticos que se alimentam atrás da cortina de fumo que é André Ventura.

Obviamente, não é grande surpresa esta coo­peração de Rui Rio, mesmo que os intelectuais à direita tenham saído a criticá-lo. Por mais que se mantenha na penumbra, o fascismo nunca sai das alternativas que a direita postula como saída para momentos de crise. Não tivesse o PSD surgido e sido fundado pela ala liberal da Assembleia Nacional no tempo da ditadura.

Tal assim é, que não são só o PSD e Rui Rio que cooperam: Marcelo Rebelo de Sousa não hesitou, enquanto Presidente da República, um segundo em dar posse ao novo gover­no nos Açores. Diz ele, de forma hipócrita e confusa, que não pode dei­xar de lado um partido constitucionalmente reconhe­cido embora ache que não se lhe deva dar muita atenção. Ou seja, Marcelo acha que o PSD governar nos Açores com acordos políticos com a extrema-direita não é dar atenção a esta?

Não foi a cooperação que impediu Salazar de chegar ao poder.

Ignorar cultiva a ignorância e enfraquece a alternativa

O PS e a esquerda parlamentar, PCP e BE, correm no lodo, em terreno movediço e escorregadio. Alimentam a ideia de que ignorar a extrema-direi­ta é a melhor forma de a derrotar e evitam o confronto deixando o palco para que ela se converta em oposição e em solução governativa.

O PS, por intermédio da sua deputada Isabel Moreira, disse que não se pode fazer mais que disputa política e que o deputado André Ventura não podia ser catalogado de fascista porque tinha sido legitimamente eleito, recusando lutar pela ilegali­zação do partido. É bonito ver a solidariedade entre colegas parlamentares como se fizessem parte de uma mesma profissão. Agora que o PSD se apoiou nele para formar governo nos Açores vêm a público indignados criticar Rui Rio por se aliar com xenófobos e racistas, ora se assim é não podem estar legalizados.

Defensores do parlamentarismo burguês crêem que este pode suportar o cancro do fascismo dentro dele, que o pode acomodar, dando liberdade política a quem quer retirar toda a liberdade. E até ensaiam uma possibilidade de contar com o apoio do Chega para manter as injecções na banca, veja-se o episódio do último orçamento de estado quando procurou André Ventura para não votar com o Bloco de Esquerda para uma nova parcela de milhões de euros para o Novo Banco. No final o que conta são os negócios.

Na verdade, além de não usar os meios cons­titucionais para barrar a extrema-direita, o Gover­no PS é aquele que tem mais res­ponsabilidades no crescimento dela porque as suas políticas de sustentação dos lucros bancários, em colaboração com o capital europeu e mundial, estão a levar para o desespero centenas de milhares de pequenos empresários e trabalhadores, dando combustível à alternativa fascista.

Por outro lado, PCP e BE escondem-se e tentam ocultar o seu dilema ao saberem que, para evitar o crescimento da extrema-direita, teriam que se postular como verdadeira oposição e alternativa ao governo mas, presos à sua dinâmica de adaptação ao regime, pre­ferem brincar com o fogo. Este posicionamento teve como cúmulo juntarem-se ao PS na proibição da deputada Joa­cine Katar Moreira poder intervir no plenário de comemoração do 25 de Abril e permitir que André Ventura o fizesse.

Assim, nos últimos meses, a única oposição ao governo foi a direita trauliteira e com isso ga­nhou vantagem nas sondagens face a estes partidos. PCP e BE não são vistos, especialmente pela pequena burguesia comercial, como uma alternativa política para dar voz aos seus problemas. Ambos colocam a cabeça na areia à espera que a crise passe mas quando acordarem pode ser tarde demais.

Combater na rua a extrema-direita e as políticas do Governo

A política de ignorar é um crime político gravíssimo que a história já nos ensinou. BE e PCP não vão para a rua disputar com o Chega, pelo contrário boicotam, em nome de não quere­rem demonstrar que se baixam ao nível deste. Numa atitude de completa fanfarronice e altivez, como se a luta dos trabalhadores vivesse de uma classificação de prestígio dos seus partidos, estes partidos dão de borla a rua e o espaço público à extrema-direita.

Mas, mais preocupante, é que não só dei­xam a rua livre à reacção como combatem a esquerda e o movimento antifascista e antirracista que lhe querem fazer frente e impedi-la de monopolizar o descontentamento e de se apresentar como alternativa credível.

O papel da esquerda parlamentar é multiplamente perniciosa com a sua política de ignorar o avanço dos protofascistas: cultivam a inércia política para não se agir relativizando o problema como algo temporário e passa­geiro, apoiam as políticas do governo que os alimentam, desarmam uma alternativa ao governo e refreiam o movimento social que os combate.

E aos trabalhadores e à juventude não resta mais do que tomar as ruas e garantir a unidade para impedir a extrema-direita de ocupar o espaço público, defenderem-se dos ataques violentos dos neonazis, mobilizarem-se contra as políticas anti-operárias do governo e forjarem uma alternativa à esquerda.

Se o BE reflectiu sobre isso e, assustado, resolveu votar contra o orçamento de estado, só nos resta esperar que seja um passo estratégico e não meramente tático para as eleições presidenciais.

No que toca ao MAS, esteve e estará na linha da frente pela unidade antifascista e para isso contribuiu nos últimos meses. O movimento antirra­cista e antifascista provou que não é ignorando que se consegue fazer retro­ceder e colocar à defensiva a direcção autocrática, xenófoba, racista e viga­rista do Chega!

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