O Governo PS e Bruxelas preparam-se para transformar a TAP no mais recente Novo Banco. Uma empresa estratégica cuja gestão danosa, por parte dos interesses instalados, a deixou na ruína, socializando agora os prejuízos, para mais tarde se voltar a privatizar. Muitos são os que se levantam contra a nacionalização da TAP. Pura cegueira. Infelizmente, a TAP não foi nacionalizada.
Sejamos claros, a TAP está a ser alvo de uma intervenção pública em função dos interesses de Bruxelas. Uma espécie de intervenção a la Troika, tudo o que o Governo PS diz contrariar.
Antes de avançarmos mais quanto ao caso da TAP, é importante ganhar alguma perspectiva e percebermos que o sector da aviação civil atravessa vários problemas sobre os quais precisamos ponderar e debater. Destacamos os três que nos parecem mais urgentes.
Repensar a aviação civil
Primeiro, a aviação civil tem sido uma peça fundamental na relativa democratização do turismo global. No entanto, um modelo económico assente num sector tão volátil e indiferenciado quanto o turismo não é viável, nem para a aviação, nem para qualquer economia. A pandemia deixa-o claro. A aviação civil deve assentar, sobretudo, sobre as necessidades e as aspirações de transporte da população que pretende prover.
Segundo, a aviação civil é uma actividade com enormes dificuldades em manter a sua sustentabilidade económica, uma vez que são necessários grandes investimentos e um mercado razoável para não ser permanentemente deficitária, condição que piorou com a liberalização do mercado e a multiplicação de companhias aéreas. A última tendência tem sido a proliferação das low cost, replicando investimentos já feitos pelas companhias de “bandeira”, mas praticando “preços baixos” como forma de conquistar rapidamente importantes parcelas de mercado. Pelo meio, os “preços baixos” são conseguidos através do sacrifício da qualidade do serviço e da violação sistemática da legislação, sobretudo a laboral, com a conivência silenciosa da UE e dos vários governos nacionais. A actividade das companhias de “bandeira” foi posta em causa e aquelas que não foram deixadas falir acabaram forçadas a tornar-se ou a criar as suas próprias low cost. Esta tendência, associada ao último aumento dos combustíveis, está na origem de uma enorme crise do sector, que provocou uma verdadeira maré de falências na aviação, nos últimos anos. A melhor forma de ultrapassar a ineficiente repetição de investimentos e toda a anarquia do mercado, passa precisamente pela inversão da sua liberalização. A propriedade pública da aviação civil pode e deve ser a forma de assegurar (i) a gestão mais eficiente dos avultados investimentos em infraestruturas aeroportuárias e aeronaves, (ii) o controlo de preços, (iii) a garantia de emprego e salários de qualidade, e (iv) a soberania nacional, em suma, a defesa do interesse público. Basta que exista vontade política nesse sentido. Para tal, a propriedade pública tem de estar ao serviço do interesse público e não do interesse das elites instaladas.
Terceiro, a aviação civil é das actividades humanas que emite mais gases poluentes em tão curto espaço de tempo e a solução não passa pelo mercado de emissões, pois isso apenas transforma a nossa atmosfera numa mercadoria exclusiva de quem pode pagar por ela. Isto deve levar-nos a considerar que, por um lado, é urgente o investimento e investigação no desenvolvimento de aeronaves, combustíveis e rotas eficientes e ambientalmente sustentáveis e, por outro, que o sector da aviação deve ser parte de uma rede de transportes integrada em que muitas das deslocações aéreas podem e devem ser substituídas por meios de transporte mais sustentáveis, com a reconversão de parte da força de trabalho da TAP, agora ameaçada pelos despedimentos.
Repensar a TAP
De que forma é que a intervenção do Estado na TAP, feita pelo Governo Costa, pode dar passos em frente na resolução de cada um destes problemas estratégicos e de interesse público? Infelizmente, parece que nenhuma. O ministro Pedro Nuno Santos prometia, há uns meses, que “os despedimentos não têm que ser inevitáveis. Há várias formas de fazermos uma reestruturação da empresa”. Percebe-se agora o embuste: o plano para a TAP nunca deixou de ser o plano à medida dos senhores de Bruxelas. Tanto que antes de ser conhecido por trabalhadores e povo português, passa primeiro pelo crivo da UE.
Não é um acaso que a TAP tenha sido a única companhia aérea da UE colocada fora do quadro de ajudas às companhias aéreas em dificuldades causadas pela Covid-19. Se é verdade que a TAP já estava com problemas financeiros antes da pandemia não deixa de ser menos verdade que a pandemia trouxe um contributo inevitável ao aprofundar desses mesmos problemas. O sector da aviação europeu passa por dificuldades há anos. A TAP não é a única companhia europeia com problemas financeiros anteriores à pandemia, pelo que a excepcionalidade que lhe é aplicada só tem uma finalidade: o seu enfraquecimento para abrir espaço às gigantes aéreas no apetecível hub de Lisboa, com relações privilegiadas com o Brasil, mas também com os EUA.
Costa faz voz grossa, mas limita-se a cumprir ordens, pelo que descartou sumariamente um plano estratégico para a TAP que defenda a economia e soberania nacionais, passando directamente à “reestruturação” draconiana, bem ao gosto de Bruxelas: suspensão dos acordos colectivos, 3.000 trabalhadores despedidos, cortes salariais de 25%, redução de 20% das aeronaves e uma redução significativa da actividade da empresa.
Sob a ditadura neoliberal da UE, não existe diferença alguma entre uma TAP privada e uma TAP pública ou intervencionada pelo Estado. Na primeira opção, a TAP tem sido dominada directamente pelos grandes empresários, na segunda e terceira opções, tem sido dominada pelos seus comissários políticos, instalados nos sucessivos governos, sendo que os prejuízos sobram sempre para os mesmos: trabalhadores e povo português. Ao fim de contas, apenas interessa ao Governo PS, a manobra política através da qual permita efectivar os interesses de Bruxelas e sair o menos chamuscado possível do processo.
O que deve ser feito?
Em vez de indemnizar os antigos accionistas privados, despedir trabalhadores e destruir a TAP, como está a ser feito, o Governo PS tem de apurar responsabilidades pela gestão danosa e imputar-lhes os custos devidos. Ou iremos continuar a pagar os buracos económicos e financeiros de todos os privados falidos?
Em segundo lugar, a TAP precisa ser efetivamente nacionalizada, sob o controlo e escrutínio dos trabalhadores e das suas estruturas representativas. É incomportável que os milhares de trabalhadores da TAP se dediquem a construir a empresa e os seus sucessivos administradores e gestores se dediquem a utilizar importantes empresas para gerir os seus interesses privados. Os trabalhadores não aceitam o plano de despedimentos massivos e de destruição da empresa que está a ser preparado e nós estamos completamente solidários com a defesa dos seus direitos, empregos e salários. Não aceitamos a ingerência burocrática e draconiana de Bruxelas!
Em terceiro lugar, a TAP e o país precisam de um plano estratégico e integrado de transportes, ambientalmente sustentável, em defesa do interesse público, do emprego e da nossa soberania.