6_congresso_fesaht

“Eurest tenta poupar no farelo para gastar na farinha.”

Intervenção de um trabalhador e delegado sindical da EUREST no VI Congresso da FESAHT, sobre a intenção da empresa despedir 122 trabalhadores.

{AF}

Camaradas,

ainda não se conheciam notícias de portugueses mortos ou infetados por esta doença e já se adivinhava que se iria instalar uma crise económica e social de iguais proporções às crises que se vivem ciclicamente espaçadas por décadas.

Aos trabalhadores nestas alturas convêm analisar, não os fatores que as criaram mas acima disso perceber quem delas vai tirar proveito e quem serão as vitimas.

Quem estudou social e economicamente estas dinâmicas, concluiu e demonstrou que estas crises serviram sempre como forma de reajustar os rendimentos, depreciando sempre o valor do trabalho, preterindo sempre os rendimentos do capital.

A crise da Covid-19 está a instalar-se de uma forma clássica, com o aumento da pressão sobre os salários através do aumento do desemprego; com o aumento dos preços dos bens básicos e com a ameaça constante de que os remediados de hoje podem ser pobres amanha.

A única novidade, pelo menos para mim, é a crise vir a pretexto de crise sanitária que levou a que à partida os trabalhadores se resignassem a bem da saúde de todos, aceitando o que lhe era imposto inclusive restrição da liberdade de reunião e manifestação.


Chegamos pois da crise COVID-19 ao caso Eurest

A Eurest, é uma filial da multinacional inglesa COMPASS. A Eurest factura em Portugal cerca de 100 milhões de euros por ano. Dedica-se à restauração coletiva, social, e escolar, tendo actividade na exploração de refeitórios de empresas, hospitais, estabelecimentos de restauração em autoestradas e centros comerciais e escolas. Os resultados operacionais que apresenta em relação ao volume de negócios é perfeitamente anémico, que demonstra que a sua contribuição social em matéria de imposto (IRC) é insignificante. O que na verdade não é sinónimo que a Eurest não dê lucros avultados anualmente. A pegada laboral da Eurest, ou melhor aquilo que a Eurest contribui em termos de oferta emprego, é: muitos empregos, mas segundo é possível apurar muitos precários, inclusive de trabalho temporário; alguns empregados que antes eram desempregados de longa duração e que estão isentos de contribuições da entidade patronal e no fim da benesse voltam ao desemprego. A média de salários não é superior certamente a mais 100 euros que o salário mínimo.

Em Março a Eurest sentiu alguma falta de procura em muitas das unidades. De imediato nessas unidades começou a pressão para as pessoas irem gastando as férias ou irem tapar buracos noutras unidades quase que no regime do trabalho à jornada. Parece que se está a reviver “As vinhas da Ira” do John Steinback.

A Eurest declarou o layoff a 1 de Abril, tendo efectivamente havido unidades que encerraram 3 semanas ou um mês. Na reabertura das unidades que conheço, foram chamados os trabalhadores menos onerosos, e sempre em rácios insuficientes para as refeições servidas. Ainda para mais, com uma novidade, que foi o protocolo de higienização e desinfecção dos equipamentos e refeitórios. Onde se cumpre a norma, os trabalhadores andam frenéticos, a limpar linhas de self, cadeiras e mesas e separadores de acrílico. Num sector já por si de tarefas repetitivas, que não se tornam monótonas pela pressão da quantidade de trabalho para as equipas, instalou-se em definitivo o Taylorismo, nas últimas expressão do Fordismo com as consequências para a saúde inclusive mental dos visados.

Apesar da retoma progressiva das refeições a Eurest manteve o garrote sobre as equipas. Como o estado assegurou a quase totalidade do pagamento dos trabalhadores em layoff, e como a Eurest cobra aos concessionários as novas tarefas sanitárias, foi um período bom para eles. As quebras de facturação foram acautelas e compensadas.

Depois de usufruir do apoio do estado, que continua a usufruir ainda por outras formas, que foi concedido no sentido de proteger o emprego a Eurest usa esse folego como capital para liquidar parte da sua força laboral. Queimados os 60 dias que não podia promover o despedimento colectivo declara o despedimento a 122 trabalhadores.

O despedimento dito colectivo afinal é cirúrgico. Tenta libertar-se dos mais reivindicativos e mais bem pagos. Ficam assim os mais subservientes ou os precários. Os trabalhadores visados receberam cartas a anunciar que os dispensavam do dever de assiduidade com efeitos imediatos. Demonstra assim que as pessoas são descartáveis. Ficando o espectro, não só para os visados, como para os restantes trabalhadores, que por vontade patronal, sem aviso prévio e razão que seja evidente, podem ser convidados a irem-se embora ficando sem rendimentos ou com rendimentos muito reduzidos, logo após uma fase prolongada com os rendimentos reduzidos em virtude do layoff.

A informação de que não tem colocação noutras unidades para os trabalhadores que quer despedir é falsa. Inclusive há trabalhadores que já estavam colocados noutras unidades, que não são agora afectadas. Na minha área que é a do Porto, a Eurest ainda agora assumiu para as escolas centenas de trabalhadores a trabalho temporário.

A Eurest está em algumas unidades a despedir trabalhadores para além do contrato de concessão. Ou seja se a Eurest não tem capacidade para manter as unidades solventes, basta que não concorra para que outros que queiram assumam essas unidades.

No que me é dado a conhecer esta Eurest tenta poupar no farelo para gastar na farinha. Há coisas de grande monta mas desnecessárias que afectam os custos operacionais das unidades. As unidades em que desempenhei funções, tem equipamentos de grande monta, alugados ao mês que não eram precisos desde Abril. Provavelmente o que gastou desnecessariamente neste equipamentos cobria mais 2 funcionários por unidade, ou pagava o valor que o salário quebrou, para todas as pessoas das respectivas unidades. Mas isto da relação da Eurest com os trabalhadores, seja visceral ou ideológico, será sempre de grande avareza.

A Eurest tem tentado, que os participantes na fase negocial não o façam. Já se regista um episódio do dirigente sindical impedido de aceder aos trabalhadores e a tentativa de não reconhecer um delegado sindical legitimamente eleito. A informação que era devida aos delegados também tardou e só foi fornecida por imposição do sindicato.

Por estas razões cabe aos trabalhadores, organizados pelos respectivos sindicatos, dizer não a este processo de despedimento colectivo.

É uma luta que terá que ser feita por todos os meios. Organizados: “O proletariado tem como única arma, na sua luta pelo poder, a organização.”

Pessoalmente, como marxista, acredito que a justiça e os tribunais são uma ferramenta de opressão e exploração de uma classe por outra. O tribunal dificilmente sentenciará algo que não favoreça os patrões. A luta terá que ser travada à porta das unidades onde os trabalhadores visados estavam, a sensibilizar e a procurar solidariedade. De igual forma também teremos que denunciar para os nossos eleitos e para a sociedade em geral. Já o fizemos à porta da sede da Eurest. Contudo esta já não tem vergonha. Não se dignou a receber os nossos representantes.

Teremos de levar esta luta as últimas consequências. Porque temos muitos com os olhos em nós. E porque a nossa vitória será dissuasora para que outros despedimentos destes se façam e se perdermos sem resistir muitos outros trabalhadores passarão pelo mesmo processo. Para o futuro a única coisa que temos é a obrigação de lutar!

Viva os Trabalhadores

{/AF}

Anterior

Solidariedade com a greve nos CTT

Próximo

Odemira: condições semi-esclavagistas de trabalho imigrante mantêm o município confinado