Editorial – 17 de Junho de 2020
Como sabemos, Centeno fez parte do Governo PS que injectou €2,25 mil milhões públicos no Banif e depois o ofereceu ao Santander, pela irrisória quantia de €150 milhões.
Centeno fez parte do Governo PS que entregou o Novo Banco aos abutres da Lone Star por €0 (zero euros), para além de ter oferecido um cheque de €3,9 mil milhões de recursos públicos para recapitalizar o banco acabado de privatizar – soma que temos vindo a pagar todos os anos. Centeno foi ainda responsável por uma recapitalização da CGD em cerca de €4 mil milhões, abrindo as suas portas à possibilidade futura de entrada de investidores privados. No total, o ex-ministro das Finanças, do anterior e actual Governo Costa, enterrou na banca perto de €10 mil milhões de euros públicos. Mais que o inenarrável Governo Passos/Portas.
Entretanto, pelos prejuízos, casos de corrupção, branqueamento de capitais, gestão danosa e incompetência, poucos foram os banqueiros ou governadores do BdP julgados ou responsabilizados. O papel de supervisão do BdP tem sido nulo e as injecções de capitais públicos sucedem-se. Os paraísos fiscais, criados à medida das necessidades de banqueiros e elites europeias, servem para salvaguardar o produto dos danos cometidos.
Se já era assim antes de Centeno chegar ao topo do supervisor bancário, como é possível que seja sequer ponderada a possibilidade de Centeno vir a supostamente supervisionar as consequências da sua própria acção enquanto governante?
Para não ficarmos pela mera especulação, como correram as auditorias ao Novo Banco, mesmo sem termos um governador do BdP a fiscalizar as suas próprias acções? Em Março de 2019, para responder à pressão pública gerada em torno das sucessivas e exorbitantes injecções de capital no Novo Banco, Centeno considerou necessária uma auditoria ao banco (mais uma…) para escrutinar o processo de concessão de crédito. O resultado é nulo. As auditorias têm decorrido, mas os resultados, como nulos que são, apenas funcionam como areia para os olhos dos contribuintes.
Como se não fosse suficiente, se Centeno chegar a governador do BdP será “fiscalizado” por um conselho de auditoria que o próprio nomeou enquanto ministro das Finanças. Podemos ainda referir que o Ministério das Finanças fica agora entregue à equipa que acompanhou Centeno nos últimos 5 anos. Como irá Centeno supervisionar não só o seu próprio trabalho como a equipa que o acompanhou nesse trabalho? Como irá Centeno ser fiscalizado por um conselho de auditoria do BdP que ele próprio nomeou?
O BdP tem como funções a manutenção da estabilidade dos preços e a promoção da estabilidade do sistema financeiro. Uma vez que a estabilidade dos preços é determinada, sobretudo, pelo BCE, o BdP tem as suas funções mais concentradas na estabilidade do sistema financeiro nacional.
Não discutiremos aqui o actual carater das funções do BdP, nem as suas consequências sobre a nossa dependência face à política monetária emanada do BCE. Perante as actuais funções desempenhadas pelo BdP, as incompatibilidades e conflito de interesses entre o Centeno ministro das Finanças e o possível Centeno governador do BdP são múltiplos e insanáveis.
PSD e CDS-PP, oportunisticamente, aproveitam os dois projetos de lei, do PAN e PEV, com o período de nojo de 5 anos para que ministros possam ser governadores do BdP, tentando capitalizar o descrédito latente no actual sistema político e branqueando o seu papel naquilo que foram os desastrosos salvamentos da banca dirigidos pelos seus governos.
À esquerda, em vésperas de mais um arranjo político para a aprovação do Orçamento do Estado (rectificativo), a conciliação com o PS mantém-se. BE e PCP assumem a exigência mínima que caiba nos planos do PS e este governa de mãos livres, cativando sucessivamente as exigências dos primeiros. A direcção do BE (com a égide de Francisco Louçã) considera que não deve haver qualquer regra que impeça um titular de cargos públicos de ocupar cargos de regulação, ao mesmo tempo que exercita a retórica crítica da ida de Centeno para a governação do BdP. Jerónimo de Sousa, do PCP, vai mais longe e afirma que não vê incompatibilidade entre Centeno e a governação do BdP. Estes são os sinais para que Costa faça o que bem entender, desde que preveja no documento do Orçamento do Estado rectificativo as exigências de BE e PCP, tudo em função do mediatismo político, mesmo que as promessas nunca venham a ser cumpridas. BE e PCP trocaram definitivamente a oposição intransigente e a defesa dos interesses de quem vive do seu trabalho pela estabilidade governativa do PS.
Consideramos que existe, sim, incompatibilidade na ida de Centeno para a governação do BdP. Consideramos que a questão da incompatibilidade não está na possibilidade de titulares de cargos públicos virem a ocupar cargos de regulação, per se. Podem existir cargos públicos que nada tenham a ver com os cargos de regulação que venham a ser ocupados pelo mesmo titular, não levantando qualquer conflito de interesses.
No entanto, como é de elementar idoneidade, consideramos que deve existir, sim, uma norma que impeça um titular de cargos públicos de ocupar cargos de regulação que venham a escrutinar o seu próprio trabalho. A esquerda parlamentar deve bater-se para que assim seja.
Referências:
https://www.jn.pt/economia/banif-vendido-ao-santander-por-150-milhoes-de-euros-4946783.ht