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Direita, extrema-direita, políticas de saúde pública e resposta à pandemia

Donald Trump tenta a todo o custo sacudir a água do capote e desviar as atenções da sua política criminosa face à pandemia do novo coronavírus.

O último tiro disparado foi contra a Organização Mundial de Saúde (OMS). Numa negação que roça o patológico (mas nada inconsciente), Trump tenta arranjar forma de transformar a crise de saúde numa continuidade da sua guerra contra a China, afirmando que a OMS centrou demasiado a sua abordagem naquele país, ameaçando mesmo cortar o financiamento norte-americano da OMS1. Para Trump e a extrema-direita mundial, tudo se resolve com ameaças e intimidação, com guerra e chantagem.


A resposta à crise de saúde pública: “a economia primeiro!”

Trump, à semelhança de Bolsonaro, começou por desvalorizar o perigo do vírus, não só negando a sua gravidade, como mentindo deliberadamente sobre a sua evolução. A principal preocupação de ambos continua a ser “a economia não pode parar”, recusando medidas de isolamento durante um período de tempo adequado. Aliás, os paralelismos existentes nas reacções e nos discursos de Trump e Bolsonaro são impressionantes, desde ignorarem todas as recomendações dos especialistas, considerarem a COVID-19 uma simples gripe, até chegarem a elogiar os seus próprios sistemas imunitários pessoais ou até a sua condição física “atlética”. Tanto um como outro estiveram em contacto com pessoas cujo resultado do teste deu positivo e foram testados, o que não impediu de ignorarem as recomendações de distanciamento social. Aliás, depois disso, Bolsonaro participou nas inconscientes manifestações de apoiantes, no dia 15 de Março, cumprimentando centenas de pessoas. Com a contestação à sua política a aumentar, chegou mesmo a usar argumentos machistas e misóginos para defender que a economia não podia parar, afirmando que o aumento de casos de violência doméstica durante o isolamento se deveria ao facto de os homens não poderem trabalhar porque “em casa em que falta pão, todos brigam e ninguém tem razão”2.

Tanto Trump como o governo brasileiro não se pouparam também na sua retórica xenófoba e racista, apelidando o coronavírus de “vírus chinês”. No episódio mais recente, o Ministro da Educação do Brasil escolheu embarcar nas teorias da conspiração, engrossando o coro que afirma que o vírus é uma arma criada pela China para dominar o mundo3. Ironicamente, apoiantes do regime chinês afirmam ser uma conspiração de Washington para destruir a economia chinesa. Teorias da conspiração à parte, os EUA são hoje o epicentro da pandemia e o Brasil o país mais afectado da América Latina.

Em Portugal, André Ventura segue os seus mentores, Trump e Bolsonaro, e tenta desesperadamente retirar dividendos políticos da crise de saúde pública. Também aqui, Ventura aproveitou para transformar a crise de saúde pública num combate racista contra a imigração, apelando ao fecho completo das fronteiras; associou a quarentena a uma atitude de cobardia; andou a distribuir bens de consumo em lares de idosos, com dezenas de ajudantes, colocando pessoas, já de si pertencentes a grupos de risco, em perigo; alternou entre ser favorável e ser contrário ao Estado de Emergência; e procura agora retirar dividendos políticos da medida de libertação de presos de crimes menores (penas < 2 anos) para evitar uma catástrofe nas prisões sobrelotadas. Se dependesse de André Ventura, ainda hoje continuaríamos a trabalhar como se nada se passasse, tal como nos EUA ou Brasil, e o nosso SNS já não existia, estando completamente entregue aos interesses privados que, como se vê, de pouco ou nada nos servem em situações como a que estamos a atravessar.


Austeridade, destruição e privatização dos serviços públicos de saúde

A resposta tardia, desorganizada e envolta em mentiras de Trump conduziu os EUA a uma situação assustadora. Para o desastre, contribuíram também as políticas de desmantelamento de serviços públicos levadas a cabo, nas últimas décadas.

Como é sabido, a maioria dos serviços de saúde, dos diversos países, tem hoje menos profissionais do que antes da crise de 2008 – nos EUA são menos 25%. No país, como se sabe, quem tem seguro de saúde é tratado e quem não tem é deixado à sua sorte. Uma das bandeiras da campanha de Trump era acabar com o insuficiente Obamacare e o Medicare For All, defendido por Bernie Sanders, que desistiu esta quarta-feira das primárias do Partido Democrata para aparentemente endossar o seu apoio a Joe Biden, um profundo erro que apenas servirá para manter Trump na governação. Nos últimos anos. o orçamento dos EUA para os Centros de Controlo e Prevenção de Doenças caiu 10%. Além disso, durante o seu mandato, Trump encerrou o Gabinete de Pandemia, criado por Obama, após o surto de ébola de 20144. Quando confrontado recentemente com essa medida, Trump fez o que sabe fazer melhor: desviou o assunto e atirou as culpas para outro membro do seu governo.

No caso do Brasil, ao contrário do que se pode pensar, o país tem um grande número de camas de cuidados intensivos, ficando apenas atrás dos EUA e da Alemanha5. No entanto, só 44% fazem parte dos hospitais públicos6, o que juntando aos últimos anos de cortes e subfinanciamento fazem com que o Sistema Único de Saúde não consiga enfrentar esta pandemia.

Deste lado do Atlântico, infelizmente, temos assistido ao resultado criminoso desta receita, como denunciámos numa declaração anterior7. Nas regiões italianas da Lombardia e Veneto, governadas pela “Lega” de Salvini, as mesmas têm sido alvo de profundos cortes, numa perspectiva de destruição e privatização completa dos serviços essenciais.

A boa notícia é que tal como em Itália, onde a contestação e greves obrigaram o governo a decretar a quarentena e, posteriormente, o fecho das indústrias não essenciais, nos EUA, operários, trabalhadores sanitários e condutores de autocarros têm-se recusado a trabalhar devido à falta de medidas de contingência. De igual modo, os trabalhadores da saúde procuram organizar-se para exigir materiais de protecção em falta. No Brasil, o governo enfrenta uma grande crise política, com protestos regulares da população à janela, os “panelaços”, que exigem o “Fora Bolsonaro”. A evolução da situação política, em ambos os países, é ainda incerta, mas certamente a contestação não ficará por aqui.

Em Portugal, a destruição do nosso SNS não tem sido diferente. A Troika e os governos da direita deixaram os nossos serviços públicos à mingua. A Geringonça, mesmo apoiada por BE e PCP, foi incapaz de reverter a destruição dos nossos serviços públicos, deixada pelo Troika/PSD/CDS-PP. Os últimos meses, antes da pandemia, tinham vindo a ser marcados pela exigência de salvamento do nosso SNS da ruptura iminente. A direita mais reaccionária, onde se inclui o Chega, de André Ventura, ou a Iniciativa Liberal, de João Cotrim, apelavam à privatização completa do nosso SNS, posição que, entretanto, oportunisticamente, parecem querer distanciar-se por colher pouca adesão popular. Ventura chegou mesmo a apagar as propostas de destruição e privatização completa do nosso SNS, do seu programa eleitoral, quando essa questão veio a público. Entre oportunismo, contradições e mentiras, a direita e extrema-direita mostra, mais uma vez, que para ganhar votos, qualquer posição política serve. Fica ainda comprovado, mais uma vez, que, para a direita e extrema-direita, quando os lucros dos privados estão ameaçados, todos os recursos públicos e intervenção do Estado devem ser mobilizados para os salvar!

Se dúvidas houvesse, a COVID-19 mostra como a extrema-direita que se diz “anti-sistema” prefere deixar morrer milhões de trabalhadores a pôr em causa os lucros dos grandes grupos económicos e financeiros, desvalorizando a importância da quarentena e aprovando medidas que favorecem as elites económicas, empurrando os trabalhadores para uma maior precariedade, baixos salários e para o desemprego.

Por sua vez, a esquerda parlamentar, como o BE, PCP, JKM ou até o PAN, ao não manterem-se atrelados ao Governo PS, seja na aprovação sucessiva dos Orçamentos do Estado que não reforçam os serviços públicos, seja através do apoio, expresso ou tácito, do Estado de Emergência, ameaçando salários, emprego, direitos, liberdades e garantias, apenas abre espaço a que a oposição seja ocupada pela direita e extrema-direita.

BE, PCP, JKM e PAN devem exigir a imposição da quarentena total, sim, mas sem que isso exija um Estado de Emergência que nos retire direitos, liberdades e garantias. Afinal, o Estado de Emergência não trouxe uma maior quarentena que aquela que já estava a ser feita voluntariamente pelos portugueses. Inúmeras empresas e sectores não essenciais continuaram e continuam a trabalhar. Só na construção civil e indústria são dezenas de milhares de trabalhadores que não pararam. O Estado de Emergência trouxe sim a facilidade de layoffs, despedimento de precários e redução de salários, sem que os trabalhadores tenham direito a manifestar-se contra tais medidas. A esquerda parlamentar tem o dever de lutar contra este Estado de Emergência.

Precisamos, sim, da quarentena para todos os sectores não essenciais. Proibição de despedimentos. Salário a 100%. Reforço imediato do nosso SNS público. Assim como ajudas imediatas e a fundo perdido às micro e PME. O combate à extrema-direita e à sua política oportunista faz-se com uma política que salve vidas, empregos e salários, reforçando os nossos serviços públicos, renacionalizando os nossos sectores estratégicos e reconvertendo o nosso modelo económico. Defender empregos e salários é a melhor forma de salvar as PME e a nossa economia.


– Salvar vidas! Reforçar imediatamente o SNS!

– Proibir despedimentos!

– Garantir salários a 100%!

– Tabelar preços de bens e serviços de primeira necessidade!

– Apoiar as micro e PME, a fundo perdido!

– Garantir direitos, liberdades e garantias democráticas conquistadas com o 25 abril de 1974!

 

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