Os primeiros plásticos foram feitos a partir de celulose e surgiram como alternativa a objectos fabricados em marfim, um material que se foi tornando cada vez mais escasso e custoso.
Após a sua descoberta, no séc XIX, o plástico começou, em início do século XX, a ser fabricado a partir do petróleo, mais propriamente, através dos gases emitidos por refinarias que serviriam de base à criação dos polímeros que hoje conhecemos.
Hoje, vivemos mergulhados em plástico. Versátil, maleável, de baixo custo e facilmente descartável, o plástico reina no sistema capitalista em que vivemos. Dos 2 milhões de toneladas de plástico produzido em 1950, passámos a mais de 400 milhões anuais, entre 2014 e 2017. A produção total de plástico desde 1950 ascende a mais de 8 mil milhões de toneladas. Dessas, 5,8 mil milhões foram utilizadas uma única vez. Cerca de 91% do plástico produzido não foi reciclado, pelo que mais de 6 mil milhões de toneladas de plástico estão, hoje, entranhados no meio ambiente, sob a forma de detritos.
Podemos encontrar cerca de 80% do plástico produzido na natureza. Muito dele sendo soprado, inexoravelmente, para os oceanos: 8 milhões de toneladas todos os anos. Metade do plástico produzido anualmente será usado uma única vez e, depois, descartado, sendo que a vasta maioria do plástico de uso único corresponde a embalagens e sacos plásticos.
A cada minuto que passa, quase 2 milhões de sacos plásticos de uso único são distribuídos mundialmente, dos quais 8 milhões de toneladas vão parar aos oceanos. A cada minuto, um milhão de garrafas plásticas são compradas, em todo o mundo, e menos de metade acaba reciclada. Produtos embalados das marcas Nestlé, Coca-Cola, Pepsi-Co, Procter & Gamble e Unilever são os mais frequentes nas embalagens abandonadas na natureza.
Estamos asfixiados em plástico. Ele está entranhado em nós e não apenas nos nossos hábitos quotidianos, no nosso sistema económico, na nossa cultura. Está igualmente entranhado nos nossos corpos. Um dos maiores malefícios do plástico advém dos químicos cancerígenos usados no seu fabrico. Estes também são responsáveis por defeitos e doenças congénitas, são disruptores endócrinos, afectam os nossos sistemas imunitários. Outros riscos para a saúde incluem doenças cardiovasculares, obesidade, puberdade precoce, atrasos cognitivos e de desenvolvimento físico, diabetes, perturbações, disfunção sexual, etc.
O plástico não é biodegradável. A sua ainda recente proliferação, no contexto da História Humana, deixa dúvidas sobre a sua durabilidade, na natureza. Se há quem fale em cerca de 500 anos de decomposição, outros cientistas afirmam que o plástico é eterno. Só recentemente nos apercebemos da existência de partículas de microplástico. Estas partículas, de tamanho inferior a 5 milímetros, são o resultado da fragmentação dos detritos de plástico, não só pela acção do sol e das várias formas de atrito, mas sobretudo pela sua trituração pelo zooplâncton, pepinos do mar e Anfípodes, crustáceos de tamanho microscópico que procurando alimentar-se do limo microbiano que se acumula na superfície do plástico, acabam por devorar o plástico, triturando-o, sem, no entanto, o digerir. Desfeito em milhões de minúsculos pedaços de plástico, este acaba por ser defecado ou cuspido.
Encontraremos microplásticos em todas as profundidades dos vários oceanos, assim como no tracto gastrointestinal de toda a fauna marítima global. Toda a cadeia alimentar, em que nós nos incluímos, acaba por ser envenenada por este cocktail químico.
Mas também produzimos os nossos próprios microplásticos propositadamente. Na indústria cosmética, por exemplo, exfoliantes naturais são, muitas vezes, substituídos por micro-esferas de polietileno ou nylon. Mesmo que as centrais de tratamento de águas residuais tenham, hoje, tecnologia suficiente para tratar este tipo de detritos, os 5% que acabam por escapar ainda representam 8 mil milhões de partículas. As fibras sintéticas de que são feitas as nossas roupas, os granulados de plásticos e material de pescas, entre o qual, as redes de nylon, também contribuem para a poluição por microplásticos. Hoje calculam-se que no oceano possam existir mais de 236.000 toneladas de detritos microplásticos.
Embora a investigação seja incipiente, sabemos que estas partículas estão presentes na água, no solo e no ar que respiramos.Para além do envenenamento da vida animal pela poluição por plásticos, o sistema capitalista, a sua forma de produção e consumo, criou outras armadilhas nos vários ecossistemas globais. Todos os anos são abandonadas mais de 640.000 toneladas de equipamento de pesca que acaba por asfixiar baleias, focas, tartarugas, tubarões e outras formas de vida animal marinha.
Palhinhas introduzidas nos orifícios de animais, estrangulação com anéis plásticos de bebidas enlatadas, estômagos que rebentam com detritos, intestinos perfurados, falsa saciedade com plásticos confundidos com alimentos, fome crónica e morte por inanição, peixes que consomem inadvertidamente plástico por este estar coberto das algas que constituem a sua dieta, são algumas das formas como o plástico mata animais marinhos.
Foram registadas mais de 700 espécies de animais feridas ou mortas por detritos de plástico, incluindo as sete espécies de tartarugas marinhas, mais de metade de todos os mamíferos marinhos e 33% das aves aquáticas. Mais de 10% de todas as espécies mortas, por plástico, estão ameaçadas de extinção. Mais de 66% de todo o peixe no oceano já ingeriu plástico e todos os anos, pelo menos, mais de cem mil animais são vítimas da poluição por detritos de plástico. Mais de 80% de todas as espécies de aves aquáticas já ingeriram plásticos. Espécies de corais morrem com os seus tractos digestivos bloqueados por plástico ou asfixiados e privados de luz solar por sacos de plásticos em que ficam cobertos.
Lembremo-nos que o plástico pode ser eterno e um mesmo fragmento poderá matar incontáveis animais por incontáveis anos. E não fica pelo ambiente aquático, com a expansão de aglomerados urbanos e a sua pressão sobre ecossistemas em todo o globo, muito do plástico que abandonamos nas ruas, em lixeiras ou em rios, vitimará uma infinidade de espécies, hoje forçadas a partilhar connosco o espaço que outrora fora o seu habitat.
Toda esta situação exige medidas e soluções que, além de urgentes, precisam ser globais. Isto é, não basta pensar um dia de cada vez…palhinha a palhinha.
Nos últimos anos, alguns países, individualmente, têm tomado medidas contra a poluição plástica, mas essas medidas pecam, em geral, por serem insuficientes. A proibição do uso de plástico descartável em eventos em Munique ou a proibição de louça plástica em França, são disso exemplos.
Para além disso, o próprio sistema económico boicota tais medidas. Na Índia, onde foram tomadas algumas medidas para reduzir o uso de plásticos, no seu Estado de Maharashtra, essas medidas acabaram por ser aligeiradas após o governo local sofrer pressão por parte das empresas industriais que têm a sua actividade extremamente ligada à produção de plásticos.
Perante esta catástrofe plástica, qual a solução?
Embora o trabalho individual tenha a sua importância, quanto mais não seja na criação de uma consciência generalizada do problema, é um pequeno passo para ajudar a melhorar a situação, perante a gravidade do problema.
Enquanto não responsabilizarmos os diversos governos, de todos os países do mundo, enquanto não combatermos o lobby das empresas produtoras e consumidoras de plásticos, obrigando-as a utilizarem outros materiais, enquanto não alterarmos os hábitos de consumo da sociedade capitalista em que vivemos, a situação não sofrerá alterações. Apenas se agravará, envenenando o ambiente e as espécies que habitam este planeta.
O trabalho é longo e sinuoso e passa acima de tudo por nos mobilizarmos nas ruas e fazer exigências aos diversos governos e empresas, exigências essas que passam ou podem passar por soluções tais como:
– Desinvestimento em matérias-primas fósseis;
– Financiamento da investigação de soluções alternativas ao plástico e de tratamento do plástico existente;
– Instituição do sistema de tara nos produtos plásticos (com custo da tara para quem produz);
– Imposição, à industria do plástico, o uso de materiais alternativos, biodegradáveis e recicláveis, nas embalagens que hoje utilizamos.
Gonçalo Fonseca e Rafael Santos
Publicado na revista Ruptura nº153 de Outubro, Novembro e Dezembro 2018