1. A actual situação política não está marcada, infelizmente, por uma forte contestação social. Não que ela não tenha pautado os últimos anos. As megas manifestações dos professores ainda estão na memória de todos e assinalaram fortemente o primeiro mandato do primeiro-ministro José Sócrates. Se não foram mais longe não foi da responsabilidade da classe docente em luta, mas sim dos sindicatos do sector, que preferiram sempre chegar a acordos (e memorandos) espúrios, insuficientes e até mesmo traidores dos interesses dos professores. Depois vieram outras contestações e protestos. De camionistas, de médicos, de enfermeiros, dos trabalhadores da Galp, entre outros. Vieram eleições (2009). Os sindicatos serenaram os ânimos e controlaram a ira popular, Manuel Alegre, na recta final, estende a mão a Sócrates (a esquerda possível, lembram-se?) para que este almeje um novo mandato à frente do governo e, por fim, os partidos de esquerda não governamental (BE e PCP) encarregaram-se de se manterem divididos de modo a que nenhuma proposta de governo alternativo a um novo governo PS fosse possível sequer de imaginar.
2. Na conjuntura actual, temos o Presidente da República, Cavaco Silva, já em campanha a visitar tudo o que é cidade. É ele preocupado com os fogos, com os desempregados e com o apaziguamento do (mais aparente que real) conflito entre o PS e o PSD. À “esquerda” temos Alegre numa campanha e posição triste. Por mais que Francisco Louçã (FL) se esforce por nos tentar convencer que o PS não quer Alegre, Alegre quer Sócrates e Sócrates reforçou (e renovou) o apoio a Alegre. Aliás, ao contrário do que afirmam os líderes da maioria que dirige o BE, o PS e Sócrates estão mesmo interessados na actual candidatura de Manuel Alegre. Quando o não quiseram fizeram questão de procurar outro candidato. Como foi o caso de Soares há quatro anos. E, desta vez, como Alegre se mostrou disponível para se colocar ao lado de Sócrates e não contra ele (nem contra os planos de austeridade que o governo PS tem descarregado sobre o país), que melhor cobertura de “esquerda” poderia ter o governo Sócrates II do que um candidato presidencial conotado com a sua (suposta) ala esquerda? É que Sócrates não é estúpido e sabe perfeitamente que contínuos planos de tirar aos pobres o pouco que têm (no que toca aos subsídios sociais que o Estado concede a mais de um milhão de pessoas) para o entregar aos ricos, na figura de bancos (BPN e Banco Privado Português), acabará por desgastar fortemente a possibilidade de o PS triunfar em novas eleições. Que melhor camuflagem à sua política de direita (a ponto que Passos Coelho para se diferenciar do PS escolhe um projecto de revisão constitucional para se demarcar pela direita) do que uma candidatura presidencial de faceta de esquerda, como é a do famoso poeta? E saiu o brinde ao PS. Alegre candidatou-se e trouxe atrás o … Bloco de Esquerda. Melhor seria difícil.
3. Pergunta-se, legitimamente, ainda que o não queiram admitir: o que faz o BE e FL neste filme? Cobertura de esquerda a um governo e ao seu candidato cada vez mais à direita. Primeiro, o voto favorável à proposta do PS e de Bruxelas para um empréstimo a pagar aos bancos franceses e alemães, disfarçado de empréstimo “à Grécia”. Depois, vender “gato por lebre” aos bloquistas. E daí os argumentos: (1) que não há outra alternativa; (2) que há que juntar forças; (3) que o PS não apoia Alegre (argumento para rir); e, por fim, (4) que Alegre poderá ir a uma segunda volta, daí se justificar juntar forças. Não responderemos a (outros) argumentos seleccionados a retalho para tentar demonstrar (o indemonstrável) que o candidato Alegre é de confiança porque votou contra esta ou aquela lei mais horrorosa de algum governo do PS. FL sabe tão bem quanto nós que, por cada voto contra uma lei ou outra do PS em algum momento do passado, esse “voto” nunca colocaria em causa o governo PS e servia de “seguro” para o futuro de uma candidatura presidencial. Nada mais do que isso.
4. Sobre o argumento 1. Só não há alternativa porque o BE (já agora) e o PCP nunca se quiseram entender, nem para uma candidatura comum nem sequer (o BE) para uma nova candidatura própria como a que o próprio FL protagonizou há quatro anos. Sobre o argumento 2. Sim, há que juntar forças, disse FL (agora, pois, há quatro anos e desde a fundação do Bloco, os únicos que sempre defenderam que havia que juntar forças foram os que pela esquerda se apresentaram internamente como moção alternativa às últimas convenções), mas podemos perguntar porque, se há que juntar forças, teria que ser com o PS, com Sócrates e com Alegre? Porque não juntar forças com os outros sectores à esquerda (com o PC, por exemplo)? Com Alegre há quatro anos, quando era um candidato que enfrentava o PS, ainda se podia compreender, mas agora? Ou mesmo posteriormente, se este tivesse rompido efectivamente com o PS e a actual governação. Seria pedir demais a Manuel Alegre? Pois bem, então também é pedir demais que o BE lhe dê o seu apoio. Sobre o argumento 3, já o respondemos: não só Alegre sempre foi o candidato do actual governo como, nos últimos dias, esse apoio veio a ser renovado. Por fim, que há que juntar forças para derrotar Cavaco. Se um Alegre em rota de colisão com o PS não derrotou Cavaco, um Alegre de braço dado com o governo que retira subsídios de assistência aos sectores mais carenciados da população, então, esse candidato nem a um milhão de votos chagará. Mas, parafraseando Francisco Louçã, em qualquer dos casos, “nós não nos enganamos de adversário”. Só que, nas próximas eleições presidenciais (Janeiro de 2011), não há só um adversário, mas dois: Cavaco e o candidato do governo dos PECs. Lamentavelmente chama-se Manuel Alegre.
Gil Garcia