Desde junho, o clima tem sido de maior tensão entre o Irão e os Estados Unidos. A partir de um ataque a dois petroleiros no Golfo de Omã, no dia 13 de junho, os acontecimentos e ameaças tomaram uma escalada crescente. Donald Trump chegou a ordenar um ataque contra o país persa, mas que foi cancelado no último dia 21.
Após dois petroleiros, um norueguês e o outro japonês, terem sido danificados por meio de ataques no Golfo de Omã, de forma rápida, e sem evidências, o Secretário de Governo dos Estados Unidos, Mike Pompeu, logo acusou o Irã de estar por trás dos ataques.
O governo iraniano de imediato negou que o país estivesse envolvido com os ataques e chamou os mesmos de suspeitos, pois, ocorreram justamente enquanto o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, estava sentado em Teerã, negociando com o aiatolá Khamenei as sanções iranianas e futuros negócios.
O discurso iraniano de não ter envolvimento no ataque fazia bastante sentido. Ainda mais levando em consideração o histórico do imperialismo norte-americano de acusações sem provas para legitimar guerras e agressões a outros países.
Afinal, o que ganharia o Irão atacando o petroleiro japonês Kokuka Courageu? O Irão busca ampliar suas exportações de petróleo e o Japão é um de seus principais compradores. Também parece bem improvável que o país tivesse atacado o navio norueguês, o Front Altair. O petroleiro pertence a companhia Frontline, de John Fredriksen, um dos homens mais ricos da Noruega. Grande parte de sua riqueza foi construída durante a Guerra Irão-Iraque, quando ele transportava petróleo iraniano. Sua empresa continua, mesmo após as sanções norte-americanas, a transportar o petróleo persa. Logo, qual sentido do Irã atacar estes navios? Tudo se mostrava ser mais uma armação dos Estados Unidos e da ala belicista raivosa do governo Trump.
Uma semana depois, o drone RQ-4A Global Hawk, foi derrubado pelo Irã. Este drone custa entre 110 e 220 milhões de dólares, um dos bens militares mais importantes para os Estados Unidos.
Existe a discussão se o drone violou ou não o espaço aéreo iraniano enquanto estava no Estreito de Ormuz. Provavelmente sim. Mas apesar dos questionamentos, não resta dúvida que o drone Global Hawk não estava meramente voando inocente pelos ares quando foi atingido. Ele estava vigiando o território iraniano, e iria continuar desta forma. Os norte-americanos achavam que poderiam se aproximar e entrar no território iraniano sem que tivessem problemas, estavam enganados. Os militares iranianos não pensaram duas vezes, e na primeira possibilidade derrubaram o drone. O Irão assumiu orgulhosamente que derrubou o precioso bem militar dos Estados Unidos, recusou-se a pedir desculpas, e deixou claro que faria de novo, quantas vezes fosse preciso.
O posicionamento frontal do Irão e novos relatos sobre o encontro entre o primeiro-ministro japonês Abe e o aiatolá Khamenei mostram que existe a possibilidade de o país ter atacado pelo menos um dos petroleiros no dia 13.
O primeiro-ministro japonês, apesar das relações entre Irão e seu país, colocou que o Japão iria seguir a resolução norte-americana, que se negava a dar isenção de sanções à índia, Coreia do Sul, China e ao próprio Japão. E que, como acordado com Trump, as sanções foram suspensas somente durante as negociações.
Na prática, estas sanções e o funcionamento das mesmas são um ato de guerra, por parte dos Estados Unidos, que impõem ao Irã um verdadeiro bloqueio econômico.
Por sua vez, o Irão afirmou que não vai tolerar passivamente as sanções e as pressões norte-americanas, muito menos se rebaixar para manter um diálogo com o governo Trump. Se os Estados Unidos aumentam as sanções, o Irão ameaça. Caso ele não possa exportar o petróleo através do Golfo Pérsico, e exportar seus dois milhões de barris diários, ninguém poderá.
O país persa, corretamente, se nega a viver sob as sanções impostas pelos Estados Unidos, que buscam destruir a economia do país. O Irã busca que a União Europeia e o Japão cumpram os acordos do JCPOA, e percebe que tanto a Europa quanto a ilha asiática expressam vontade de negociar com o país e desafiar as injustas sanções norte-americanas.
A derrubada do drone norte-americano, e o posicionamento iraniano sobre o fato, mostram que os persas vão responder de forma militar, se preciso for, a qualquer atividade bélica contra o país, podendo incluir as violações das fronteiras, sejam elas, aéreas, marítimas, ou terrestres.
As versões sobre os ataques aos petroleiros podem nos levar a fazer algumas observações e levantar possibilidades. A primeira é que o Irão considera as ações norte-americanas como um estado de guerra, logo caso tenha atacado um dos petroleiros, ou ambos, seria uma ação justa.
O histórico dos Estados Unidos e seu padrão de inventar mentiras, para que possa atacar algum outro país, joga a favor do Irão. O país persa pode muito bem estar usando as chamadas false flag norte-americanas, contra os próprios norte-americanos. O que seria genial. O país persa no caso estaria fazendo false false flags, para poder agir sem ser culpabilizado.
O objetivo do Irão no caso destes ataques seria impedir a exportação de petróleo por meio do Golfo Persa e assim gerar um crescimento gigantesco no preço do barril do petróleo, coisa que certamente geraria uma nova crise econômica de proporções mundiais. Novos ataques, como os ocorridos tendo sido feitos ou não pelo Irão, colocam em risco a exportações dos países árabes, assim como o investimento das companhias exportadoras. O risco da perda do produto pode levar a uma paralisia parcial do tráfego na região.
Por outro lado, não faltam falcões no governo Trump, que sonham e esperam ansiosamente com um ataque ao país persa. Estes acham que os Estados Unidos têm plena capacidade de entrar em confronto com o Irão e vencer. Acham que podem atacar como fizeram no Afeganistão, Iraque, Líbia e Síria. Porém, podemos dizer que os Estados Unidos não conseguiram plenamente em nenhum destes países seus objetivos. Na Síria, o regime de Assad se manteve com a ajuda da Rússia, China e Irão. No Afeganistão, o Talibã ainda domina áreas do país e caminham para um acordo com os Estados Unidos. O objetivo norte-americano era ter colocado fim aos Talibãs a 16 anos atrás. Na Líbia, se instaurou uma verdadeira catástrofe humanitária e militar, onde o país vive em disputa entre grupos tribais, religiosos e frações do exército.
O Irão por sua vez sabe que se os Estados Unidos encontrou dificuldade nos países mencionados acima, existe uma possibilidade grande, de caso uma guerra seja deflagrada, os norte-americanos saiam derrotados.
O Irão tem 83 milhões de habitantes, mais de um milhão de quilômetros quadrados, e um território semi-montanhoso. O país persa é três vezes mais populoso e quatro vezes maior que o Iraque. As táticas militares iranianas podem variar. Desde mísseis antiaéreos, drones, submarinos, e minas, para assim deixar a marinha norte americana presa nas águas do Golfo Pérsico. São mais de dois mil mísseis a disposição das Forças Armadas iranianas, que também conta com a possibilidade de realizar ataques cibernéticos.
Os aliados iranianos na região sabem que em caso de guerra entre o Irão e os Estados Unidos, eles podem ser os próximos a serem atacados. O Hezbollah principalmente. O grupo pode utilizar milícias e carros bombas para atacar as 19 mil tropas norte-americanas no Iraque, Afeganistão e Síria. Assim como soltar centenas, e porque não milhares de mísseis contra o território de Israel. Os houthis no Iêmen podem lançar mísseis contra a Arábia Saudita. O secretário geral do Hezbollah, Sayyed Nasrallah, mostrou que o partido está disposto a comprar essa briga, afirmando que “toda região irá arder em caso de guerra contra o Irão”.
Diante dos fatos que estão postos, o papel de todos aqueles que se declaram anti-imperialistas, deve ser em primeiro lugar, se posicionar contra um possível ataque americano ao Irão e contra as econômicas àquele País. Os Estados Unidos, nem qualquer outro país, podem determinar ou agredir militarmente ou economicamente o Irã, ou determinar como será o seu desenvolvimento tecnológico ou quais armas pode fabricar. Assim como também não podem determinar com quem o Irã negocia ou deixa de negociar.
Apesar de sermos contra a guerra, e contra o regime dos aiatolás que impera no Irão, o país tem o direito de lutar contra qualquer tipo de agressão. Usando as palavras do rapper Akira “eu já falei que a gente é de paz, mas se quer guerra sustenta”.
Outra citação que pode ser usada para ajudar o posicionamento dos anti-imperialistas diante do confronto entre Irão e Estados Unidos é a posição de Léon Trotsky em 1938, quando deu uma entrevista para Mateo Fossa. Na ocasião o revolucionário russo disse:
“Existe atualmente no Brasil um regime semifascista que qualquer revolucionário só pode encarar com ódio. Suponhamos, entretanto que, amanhã, a Inglaterra entre em conflito militar com o Brasil. Eu pergunto a você de que lado do conflito estará a classe operária? Eu responderia: nesse caso eu estaria do lado do Brasil “fascista” contra a Inglaterra “democrática”. Por que? Porque o conflito entre os dois países não será uma questão de democracia ou fascismo. Se a Inglaterra triunfasse ela colocaria um outro fascista no Rio de Janeiro e fortaleceria o controle sobre o Brasil. No caso contrário, se o Brasil triunfasse, isso daria um poderoso impulso à consciência nacional e democrática do país e levaria à derrubada da ditadura de Vargas A derrota da Inglaterra, ao mesmo tempo, representaria um duro golpe para o imperialismo britânico e daria um grande impulso ao movimento revolucionário do proletariado inglês.”
Assim como na hipótese utilizada por Trotsky na década de 30, hoje precisamos denunciar as ações dos Estados Unidos, e o plano do país para o Oriente Médio, o que não significa que daremos apoio político a qualquer um dos governos da região.
Artigo de Gabriel Santos publicado originalmente no Esquerda Online